Trabalhos de refugiados e migrantes expostos deram cor ao Dia Mundial do Refugiado na capital roraimense. Atividades culturais também aconteceram nos abrigos da cidade
Artista plástico venezuelano Carlos Enrique Diaz Acuna retrata jornada de refugiados e migrantes até o Brasil e seu cotidiano em um dos abrigos da Operação Acolhida. © ACNUR/Allana Ferreira
Boa Vista, 23 de junho de 2021 – O pintor Carlos acordou cedo na manhã da última quinta-feira para se preparar para um importante evento na tarde daquele dia. Era a abertura da exposição de artistas e artesãos venezuelanos abrigados pela Operação Acolhida, e Carlos era um dos expositores.
Com 65 anos, Carlos Enrique Diaz Acuna é um dos mais de 7.500 refugiados e migrantes protegidos em um dos 13 abrigos da Operação Acolhida nas cidades de Boa Vista e Pacaraima em Roraima. Formado em Artes, ele foi professor de Artes Plásticas e Diretor do Museu da Universidad Central de Venezuela, em Caracas. Desde quando chegou ao Brasil em outubro de 2019, nunca mais tinha tido a oportunidade de expor seu trabalho ao grande público.
Carlos, assim como outros artistas e artesãos venezuelanos, expuseram seu trabalho no shopping Garden, um dos principais de Boa Vista, entre os dias 17 e 19 de junho, como parte da agenda que marcou o Dia Mundial do Refugiado (20 de junho) na cidade.
Mesmo trazendo poucas coisas do seu país durante sua jornada de deslocamento forçado até o Brasil, Carlos não abandonou seus pincéis. “Eu ainda consegui trazer comigo algumas das minhas pinturas e meus materiais”, lembra. Além dele, outros vários talentosos artistas, artesãs e artesãos buscaram proteção no Brasil.
Para criar um momento de integração entre a comunidade refugiada e os moradores da cidade de Boa Vista, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e organizações parceiras promoveram a exposição.
A exposição foi realizada em um espaço cedido gratuitamente pelo shopping Garden. Durante todos os três dias da mostra, a comunidade local visitou o espaço, conversou com os artistas e várias peças produzidas pelos refugiados e migrante foram compradas pelos visitantes.
Mohini Marques, coordenadora de escola de inglês em Boa Vista, trouxe a família para ver a exposição e adquiriu diversos itens. “Esse espaço foi algo muito importante para a cidade. Podemos conhecer o trabalho dessas pessoas e ver que podem oferecer algo independentemente de onde venham, de sua situação ou desafios que enfrentam”, diz Mohini, que ficou impressionada com a beleza dos artesanatos das etnias indígenas venezuelanas Warao e E’ñepá.
“Só no abrigo Jardim Floresta, somos 25 artesãs que mantemos a nossa cultura através do artesanato. Além das peças que fabricamos, também dançamos e cantamos, e estamos muito felizes de trazer um pouquinho da nossa cultura para a população de Boa Vista”, diz com alegria Maria Bance, 47, uma das líderes Warao do abrigo. Ela e suas companheiras fazem parte do projeto voltado às mulheres empreendedoras da comunidade Warao liderado pela A Casa Museu do Objeto Brasileiro, com apoio financeiro do programa Liderança, Empoderamento, Acesso e Proteção (LEAP) do governo de Luxemburgo e implementado pelo ACNUR, ONU Mulheres e UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas).
As atividades do Dia Mundial do Refugiado foram realizadas em parceria com a AVSI (Associação Voluntários para Serviço Internacional), FSF (Fraternidade Sem Fronteiras), FFHI (Federação Humanitária Internacional) e A Casa Museu do Objeto Brasileiro, com apoio da Força Tarefa Logística e Humanitária da Operação Acolhida e do shopping Garden.
Para o ACNUR, parcerias como esta são fundamentais para criar oportunidades de integração local e inclusão das comunidades refugiadas e migrantes. O Dia Mundial do Refugiado é um marco para celebrar a capacidade de superação dessas pessoas, que mesmo forçadas a se deslocar, não vieram de mãos vazias e têm muito talento, experiências e conhecimentos para compartilhar e colaborar com a população local.
“Em conjunto com os parceiros, o ACNUR homenageia essas pessoas por sua força e resiliência E por não desistirem de mostrar o seu trabalho. Elas têm muito a oferecer à população que as acolhe. Por isso, promover a integração é essencial neste processo de recomeço de pessoas comuns, como eu e você, mas que foram forçadas a saírem de seus lares”, enfatiza Susana Camacho, oficial de Programa do ACNUR em Boa Vista.
“Creio que a exposição alcançou grande êxito”, diz seu Carlos que teve todas suas obras vendidas durante os dias de exposição, além de encomendas para trabalhos futuros. “Pessoalmente estou muito agradecido ao ACNUR e às demais organizações por proporcionarem esse momento. Essa era a oportunidade que eu esperava, e quem sabe em um ano posso fazer uma exposição individual aqui em Roraima”. Carlos ainda tem esposa e filhos na Venezuela, que aguardam para se reunir com ele no Brasil.
Agenda Dia Mundial do Refugiado nos abrigos
Uma série de atividades marcou a agenda do Dia Mundial do Refugiado dentro dos abrigos da Operação Acolhida – resposta do governo brasileiro para o fluxo de refugiados e migrantes da Venezuela ao Brasil. Foram torneios esportivos, oficinas de costura, sabonetes artesanais, desenho para crianças, além de apresentações culturais de dança, música e poesia.
O Abrigo Pricumã, que é estruturado para receber pessoas com necessidades específicas, foi palco de uma celebração de extrema inclusão. No modelo de uma “virada cultural”, shows de músicas tradicionais, danças e exposição de fotos foram compartilhados pela comunidade refugiada e migrante. “Esse é nosso dia para celebrar a força de sobreviver a tudo que passamos”, diz o rapper Samuel Josué Hernandez, de 34 anos, que mesmo se recuperando de uma cirurgia, em cadeira de rodas, fez uma apresentação para a comunidade.
Nos abrigos para as populações indígenas, as atividades aconteceram durante toda a semana com a presença e participação constante da população abrigada. No abrigo Tancredo Neves, jogos de futebol, vôlei, danças, encenações, desenhos, poesias e rodas de conversa foram algumas das ações que aconteceram durante a semana passada.
“Essa semana foi boa para celebrar a resiliência do nosso povo nessa fase tão difícil para nós e para todos os refugiados que estão pelo mundo”, lembrou Gabriel, jovem indígena Warao e um dos responsáveis por organizar as atividades durante a semana.
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