Ativista da Somália intensifica campanha contra a mutilação genital feminina

A luta de Ifrah Ahmed contra a mutilação genital feminina ganhou mais urgência durante a pandemia de COVID-19

Ifrah Ahmed, uma ativista contra a mutilação genital feminina nascida na Somália, na sua nova cidade, Dublin, Irlanda © ACNUR/Sean Breithaupt

Quando Ifrah Ahmed chegou à Irlanda ainda adolescente após ter fugido da Somália, seria natural que ela tivesse se concentrado na construção de uma nova vida para si. Em vez disso, decidiu tentar salvar a vida de outras pessoas de uma prática tradicional e prejudicial, conhecida com mutilação genital feminina, que afetou a vida de mulheres em todo o mundo, incluindo a sua.


A mutilação genital feminina abrange todos os procedimentos que envolvam a alteração ou lesão genital feminina por razões não médicas. É reconhecida internacionalmente como uma violação dos direitos humanos das mulheres e meninas que pode causar problemas de saúde a curto e longo prazo.

“Compreendi que as outras jovens refugiadas ou solicitantes da condição de refugiado não queriam manifestar-se [contra a mutilação genital feminina], por isso tomei a iniciativa”, disse Ifrah. “A minha visão era lutar contra a prática e aumentar a conscientização, porque na Somália era normal”.

O seu papel se tornou mais importante durante a pandemia de COVID-19, como ativista global e, desde o ano passado, como apoiadora de Alto Perfil do ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados.

A crise tem de fato aumentado as pressões socioeconômicas em muitas sociedades. As mulheres e meninas, especialmente as que são refugiadas, deslocadas ou apátridas, suportam frequentemente o peso dessas pressões, segundo o ACNUR. Como resultado, houve um aumento preocupante de relatos de violência baseada no gênero, incluindo a mutilação genital feminina.

“É uma crise global”

Dois milhões de casos adicionais de mutilação genital feminina podem ocorrer durante a próxima década, uma vez que a COVID-19 força as escolas a fechar e a interromper os programas que protegem as meninas, de acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância.

“A COVID tem tido impacto na nossa campanha porque na Somália a mutilação genital feminina aumentou, especialmente entre os deslocados”, disse Ifrah. “Mas não é só [lá] que aumentou, sabemos que é uma crise global”.

Mais de 200 milhões de mulheres e meninas já sofreram mutilação genital feminina em 30 países da África, Oriente Médio e Ásia, onde a prática ainda é comum. Na Somália, 98% das mulheres e meninas foram submetidas a alguma forma de mutilação, a maior incidência do mundo.

Ifrah Ahmed chegou na Irlanda em 2006 como refugiada da Somália © ACNUR/Sean Breithaup

Para Ifrah, a luta contra a mutilação genital feminina é pessoal. Depois de ter fugido de casa em 2006, chegou à Irlanda, onde pediu refúgio. Ao realizar um exame, os médicos descobriram que ela era vítima de mutilação genital feminina.

“O hospital não compreendia realmente o que era mutilação genital feminina. Tive de explicar… Estavam fazendo tantas perguntas como: “Como é que se feriu?” “Quem fez isso com você?”, lembra.

Ifrah criou a Fundação Ifrah em 2010 para defender a erradicação da mutilação genital feminina na Somália. O trabalho da Fundação tem sido crítico durante a pandemia de COVID-19. Ela continuou a oferecer treinamentos para mulheres em campos e para pessoas deslocadas. Parte da formação envolve a produção de conteúdo para a rádio local, que é a forma mais eficaz de difundir para o grande público a mensagem sobre os danos causados pela mutilação genital feminina.

“Tê-la me torna mais forte”

Ifrah permanece em contato constante com a rede de jovens embaixadores da Fundação, que é composta pelos principais influenciadores de toda a Somália que apoiam a campanha e estão tentando provocar mudanças através da capacitação e educação da comunidade.

A Fundação tem facilitado reuniões com líderes religiosos somalis, que se comprometeram com uma abordagem de tolerância zero à mutilação genital feminina, e continua pressionando o Parlamento da Somália para aprovar legislação que proíbe a prática.

Ao mesmo tempo que comanda a campanha na Somália, Ifrah está também ocupada falando com os meios de comunicação e participando de eventos virtuais internacionais, além de cuidar da sua filha. “Quando olho para ela, sinto que nunca permitirei que ninguém a magoe. Para mim, tê-la me torna mais forte”, disse.

“Se, ao falar, salvei apenas uma garota de ser cortada, então consegui. Nos próximos 10 anos quero ver meninas e mulheres livres da mutilação genital, não sofrendo as consequências que eu e outras tivemos de sofrer”.