ACNUR busca prevenção, proteção e soluções para deslocados na Colômbia
ACNUR busca prevenção, proteção e soluções para deslocados na Colômbia
BOGOTÁ, Colômbia, 8 de setembro (ACNUR) – Mês passado, o editor web do ACNUR, Leo Dobbs, viajou para a América do Sul para um primeiro olhar em algumas agências de refugiados na Colômbia e vizinho Equador. Os dois países estão ligados por décadas pelo longo conflito na Colômbia, forçando milhões de civis a deixar suas casas e procurar abrigo em outras partes do país ou em países vizinhos, como Venezuela e Equador. Em Bogotá, Dobbs falou com a representante do ACNUR na Colômbia, Terry Morel, advogado e assistente social, sobre o trabalho feito por sua equipe e os desafios que enfrenta na maior operação da agência no Hemisfério Ocidental. Extratos da entrevista:
Conte-nos sobre os problemas na Colômbia
É importante explicar porque estamos aqui na Colômbia. Não é uma típica operação para refugiados. Nosso trabalho é basicamente com pessoas deslocadas internamente. Mas temos um pequeno grupo de refugiados – 204 refugiados e 149 solicitantes de refúgio. O governo assume a responsabilidade pela determinação do estatuto de refugiado, mas estamos aqui para ajudar e apoiar os refugiados como for necessário e trabalhamos em estreita colaboração com a Igreja Católica - a Pastoral Social, parceiro chave do ACNUR.
No que diz respeito às pessoas deslocadas internamente, de acordo com as estatísticas do governo, a Colômbia tem 3.4 milhões de registros desde 1997. Existem muitos desafios, incluindo a falta de visibilidade e informação sobre a situação na Colômbia, as pessoas do exterior não sabem das dificuldades que estas pessoas deslocadas de seus lugares de origem estão passando... Embora seja verdade que a situação da segurança na Colômbia melhorou, isso não significa que o deslocamento terminou, mas sim que a natureza do conflito evoluiu. Moveu-se para áreas fronteiriças e algumas áreas da zona central. Podemos ver um [efeito de transbordamento da violência] nas áreas de fronteira do Equador e Venezuela.
Os grupos armados irregulares envolvidos também parecem estar mudando. Antes, tínhamos guerrilhas, grupos paramilitares e gangues de traficantes de drogas. Devido a um acordo entre grupos paramilitares e governo, em 2006, os grupos paramilitares e alguns membros da guerrilha começaram a se beneficiar do esquema de desmobilização. Mas ao longo dos últimos dois anos temos visto um aumento preocupante no que o governo chama de grupos armados criminosos. . . . Não está claro se eles estão ligados aos grupos paramilitares anteriores. O governo atesta haver clara distinção, mas em alguns casos as pessoas dizem que se trata do mesmo grupo de paramilitares usando um novo nome. Isso é importante para o registro dos deslocados internos, porque existe a tendência a rejeitar aqueles que não foram deslocados por conta de ameaças dos tradicionais grupos armados irregulares.
Então, qual é o principal foco do ACNUR?
Nossas três prioridades para os próximos anos são: prevenção, proteção e soluções. Nossas prioridades temáticas são transversais e incluem políticas públicas, registro das pessoas deslocadas/refugiadas, uma abordagem diferenciada e terra, o quê é fundamental para encontrar uma solução para os deslocados internos, já que uma das conseqüências do conflito foi a transferência ilegal de terra e propriedade. Em termos de soluções, o governo tem um programa envolvendo o retorno, mas esse não satisfaz as expectativas de muitos dos deslocados. Pesquisas indicam que somente um pequeno número deles está interessado em retornar à comunidade de origem. Esta é uma preocupação e por isso temos que olhar de perto os esquemas de realocação e opções de integração local. Nós sabemos que muitos jovens podem não querer voltar. Isto é normal com o passar do tempo e suas expectativas mudam. Nós temos que criar soluções no contexto urbano, que é particularmente complexo dada a gama de necessidades dos refugiados e considerando que muitos deslocados são posseiros. Então trabalhamos lado a lado com as autoridades locais e instituições civis.
Qual a presença que o ACNUR tem na Colômbia?
Para apoiar nossa estratégia de prevenção, nós recentemente aumentamos o numero de escritórios. Abrimos mais dois no terreno, então agora temos 13 escritórios no terreno mais o de Bogotá. Temos por volta de 160 funcionários em todo o país.
Ter tantos escritórios assim sugere que os desafios estão espalhados pelo país?
Sim, e também reflete a realidade geográfica da Colômbia. A violência é mais intensa ao longo das fronteiras, na costa do Pacifico e em algumas das áreas centrais. Com mais de três milhões de deslocados e nenhum campo, as pessoas ficam muito dispersas. Nós temos população tanto urbana quanto rural entre os deslocados. Isto complica a operação. Há escritórios nas grandes cidades como Medellín e Barranquilla. Nas áreas urbanas, os deslocados estão vivendo em terra ilegal ou em vizinhanças pobres com a ajuda da comunidade. Deslocamento não necessariamente leva à segurança, pois existe violência nas áreas urbanas devido à presença dos grupos armados irregulares. Além de perseguir a indivíduos, alguns dos atores irregulares tentam impor um controle social ameaçado a usuários de drogas, trabalhadores do sexo, que podem ter HIV. O resultado é o deslocamento inter-urbano.
Em Soacha, na periferia de Bogotá, centenas de assassinatos foram registrados entre 2000 e 2004. Nenhuma agência da ONU tinha presença nessa área e a polícia não entrou na região. É um interessante exemplo de como o ACNUR começou a trabalhar com os deslocados em áreas urbanas pobres. Nós estabelecemos a presença e trabalhamos com outras instituições para abrir uma casa das Nações Unidas. Essa foi seguida por uma Casa de Direitos para facilitar o acesso das pessoas às instituições locais. Desbravar novos caminhos no trabalho com os deslocados/refugiados em zonas urbanas foi crucial para que as pessoas não se sentissem abandonadas. Dá aos deslocados a chance de expressar suas vozes e começar a lidar com as necessidades mais criticas, como as de educação e saúde, além de ajudá-los a descobrir seus direitos.
Qual é a estratégia de prevenção que você mencionou anteriormente?
Em resumo, nós tentamos chegar aonde outras organizações não chegam, para tentar apoiar as instituições civis além de acompanhar as comunidades em áreas mais isoladas. Toda a noção de prevenção não é particularmente comum no ACNUR. É também uma forma de ajudar a manter aberto o espaço humanitário para as comunidades de áreas remotas, e isso é vital. Tentamos encorajar as instituições civis a estabelecer maior presença nestas áreas um pouco abandonadas. Por exemplo, para assegurar que os deslocados tenham documentação nós apoiamos equipes de registro móveis e , dessa forma, mais de 800 mil pessoas puderam se registrar. Esta é uma importante ferramenta de proteção, especialmente para os jovens rapazes. Estar presente em áreas remotas também nos permite realizar uma análise dos riscos que a comunidade está enfrentando e quais as lacunas existentes em termos de prevenção e proteção.
Como parte do nosso foco em prevenção, nós trabalhamos com comunidades locais e, em discussão com eles, vemos quais são suas prioridades e então as apoiamos através de projetos práticos de proteção. Essa é um tipo de assistência razoavelmente rápida que oferecemos às comunidades para ajudá-las a evitar o deslocamento, ou pelo menos para evitar que saiam de seus territórios e percam a possibilidade do retorno em um período relativamente curto de tempo. Quanto mais longe uma pessoa vai, mais tempo será gasto no deslocamento, provocando uma maior destruição do tecido social da comunidade, além de mais sofrimento.
Um exemplo seria facilitar o acesso das crianças indígenas à educação e a uma escola onde possam pernoitar. Outra área critica é a proteção de terras para indígenas, afro-colombianos e outras comunidades. Nós estamos trabalhando com a agência do governo, Ação Social e doadores para tentar assegurar que os deslocados não se tornem ainda mais pobres perdendo suas terras. Até agora o projeto conseguiu proteger cerca de 3,6 milhões de hectares. Agora estamos tentando apoiar um sistema de registro móvel.
Conte-nos mais sobre como é trabalhar com tribos indígenas e comunidades afro-colombianas
Os Afro-Colombianos e os povos indígenas sofreram particularmente com a expansão do conflito para as suas áreas.. Não somente os impacta em termos de deslocamento, mas, para os povos indígenas em particular, destrói as estruturas da comunidade e das redes sociais. E isso afeta como os povos indígenas podem praticar as suas tradições, especialmente àquelas relacionadas com seus lugares de enterro dos ancestrais. Mais ainda, Colômbia tem o desafio de 34 grupos indígenas estarem em risco de extinção, de acordo com a Corte Constitucional. Nós oferecemos suporte para as organizações de grupos indígenas e afro-colombianos
Como é o trabalho com o governo?
Nosso papel aqui nas questões de deslocamento é providenciar suporte técnico para o governo. Eu acho importante sublinhar isso, porque às vezes não fica claro o motivo pelo qual não realizamos mais atividades operacionais diretamente com a população. A Colômbia é um país que tem recursos financeiros e tremenda capacidade profissional nas instituições. Nós temos muito respeito pela sua habilidade de fazer as coisas. O esforço é de garantir que as políticas públicas se traduzam efetivamente em prática e realmente impactem as pessoas em termos práticos, especialmente nas áreas remotas. Então, enquanto trabalhamos junto com o governo, também acompanhamos de perto as comunidades para melhorar a resposta das autoridades locais.
Quão importantes são nossos parceiros?
Eles são fundamentais porque não fazemos muitas implementações diretas. Temos boas relações de trabalho com muitas ONGs locais, autoridades em nível municipal e estadual, bem como a Igreja, ONGs internacionais e outras agências das Nações Unidas. A Ong Ação Social é um parceiro muito importante para nós.
Como estamos falando de pessoas deslocadas em seu próprio país, trabalhar com as estruturas do governo e instituições do Estado é o ponto de partida. Todavia, há sentimentos contraditórios em relação aos deslocados. Eu lidei com pessoas que diziam “Nós não queremos financiar uma solução de integração local porque não queremos atrair mais deslocados?” Este é sempre o grande medo – o fator ‘atração’. Mas nós sabemos que, na prática, isso não se torna um fator de atração porque as pessoas não fogem de casa simplesmente porque têm vontade . . . Então temos que trabalhar muito nessas questões de comportamento e mostrar para as pessoas que um bom exemplo de integração local é um benefício para todos.
É muito importante que as pessoas na Colômbia entendam que ninguém quer ser um deslocado e que os deslocados aqui são constantemente discriminados e estigmatizados. As pessoas querem soluções. Eles querem ser capazes de dizer com orgulho: “Eu sou um cidadão de Medellin”, ou “Eu sou um cidadão de Soacha” e não “Eu sou um deslocado/refugiado”.
Leo Dobbs, de Bogotá, Colômbia