Em busca da sua integração, refugiada afegã apoia o acolhimento de conterrâneos em São Paulo
Em busca da sua integração, refugiada afegã apoia o acolhimento de conterrâneos em São Paulo
Na cidade de Guarulhos-SP, a segunda maior cidade do estado de São Paulo e onde está localizado o maior aeroporto da América do Sul, a agente de segurança e refugiada afegã Sabera experimenta essa sensação no dia a dia do seu trabalho. Ela atua como mediadora linguístico-cultural para apoiar a acolhida humanitária às pessoas do Afeganistão que chegam ao Brasil em busca de proteção internacional.
Sabera atua no aeroporto internacional de São Paulo por meio do Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante (PAAHM) e na Casa de Acolhida Temporária “Todos Irmãos”, que funciona por meio de uma parceria entre a prefeitura e a Caritas Diocesana de Guarulhos (município onde o aeroporto está localizado), a Caritas Arquidiocesana de São Paulo e o ACNUR (Agência da ONU para Refugiados).
Na casa “Todos Irmãos”, ela conta com o apoio de Sayed, seu conterrâneo e profissional de recursos humanos e finanças, e da psicóloga síria Alla – ambos, assim como Sabera, foram forçados a deixar seu país por causa de guerras, perseguições e violações generalizadas dos direitos humanos.
As principais atribuições e responsabilidades destes profissionais contratados pela Caritas Arquidiocesana de São Paulo, com financiamento da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), são orientar as pessoas refugiadas que chegam em Guarulhos.
Eles facilitam o atendimento às necessidades de assistência, superando barreiras linguísticas e culturais e acompanhando a retirada de documentos (como CPF e cartão SUS) e o atendimento em repartições públicas. Os mediadores também participam de reuniões sobre encaminhamento a diversos serviços públicos (saúde, educação, transporte, entre outros) a fim de esclarecer dúvidas e prover informações corretas.
ACNUR e Cáritas São Paulo já trabalhavam de forma coordenada na resposta ao fluxo das pessoas afegãs que chegaram ao Brasil já no ano passado, como foi o caso da família de Sabera.
“Quando cheguei aqui, tudo era novidade e eu estava com receio se seria capaz de aprender português, se conseguiria trabalhar com algo de que gostasse, que seja do meu interesse. No dia em que fui recebida pela Caritas São Paulo, com um grande sorriso por profissionais que realizam um belo trabalho, projetei que eu pudesse fazer parte desta equipe, e aqui estou”, disse a afegã de 37 anos.
Sabera chegou ao Brasil em outubro do ano passado, acompanhada da mãe, dois irmãos, sua cunhada e um sobrinho. Ao olhar para trás, ela sente falta da vida que tinha antes de deixar o Afeganistão.
“Tivemos que deixar nosso país que eu tanto amo em busca de paz, de proteção, de segurança. Sinto saudades das minhas irmãs e carrego comigo a responsabilidade de que possam estar bem, pois o trabalho que eu tinha como agente policial do parlamento afegão faz com que suas vidas possam estar em risco”, afirmou Sabera, com olhar distante.
Próximos dela estão cerca de 30 conterrâneos que chegaram pelo aeroporto de Guarulhos e atualmente estão abrigados na casa Todos Irmãos. Ela e os demais afegãos conseguiram vir ao Brasil por conta do visto humanitário concedido pelo governo brasileiro, que já beneficiou mais de 2 mil pessoas do Afeganistão que chegaram ao Brasil nos últimos 12 meses, conforme revela levantamento de dados do ACNUR junto ao governo federal e às organizações parcerias.
Desde 2015, o ACNUR trabalha em parceria com a Secretaria de Assistência Social de Guarulhos para fortalecer o PAAHM, localizado no aeroporto internacional de Guarulhos, e que realiza os encaminhamentos dessas pessoas ao espaço recém-inaugurado. A estadia no centro de acolhida tem a perspectiva de durar até 20 dias, podendo acolher famílias com crianças, inclusive pessoas com deficiência e dificuldade de mobilidade.
“Eu traduzo todas as informações importantes aos afegãos que acabam de chegar, contextualizando a realidade do país, as regras da casa e contribuo para que tenham acesso a informações corretas sobre a rede de apoio existente, os trâmites necessários para que se sintam bem acolhidos”, disse.
A Plataforma Help do ACNUR contribuiu para o trabalho de Sabera ao listar uma série de serviços de apoio para a integração de pessoas refugiadas e migrantes que passam a viver no Brasil.
“As principais demandas dessa população, assim como de muitas outras pessoas refugiadas, são acesso a equipamentos públicos de abrigamento e alimentos, aprendizado do idioma local e acesso ao mercado de trabalho. No movimento de refugiados afegãos, chama atenção, inclusive, a alta qualificação acadêmica e profissional das pessoas que têm chegado”, afirma Silvia Sander, Oficial de Proteção do ACNUR.
A maioria dos quase 600 atendimentos a pessoas refugiadas do Afeganistão realizados pelo ACNUR e organizações parcerias beneficiaram pessoas entre 18 e 59 anos, sendo que metade delas possui formação universitária e 5% têm cursos de pós-graduação.
Dentro e fora do Afeganistão, o ACNUR e seus parceiros trabalham de forma coordenada para salvar vidas, responder às demandas emergenciais e promover a efetiva integração local das pessoas refugiadas nos locais de acolhida, como no Brasil.
Estes esforços do ACNUR contam com o apoio de vários doadores – incluindo governos, instituições e indivíduos – que permitem a implementação de toda a estrutura de atendimento digno às pessoas refugiadas. Para tanto, doações específicas para a resposta humanitária às pessoas refugiadas do Afeganistão podem ser feitas pelos canais do ACNUR.
“Chegamos sem amigos, sem relações sociais, com muitos questionamentos pelo fato de termos que deixar nosso país. Mas agora precisamos olhar para o futuro, reconstruir nossas vidas e buscar o que almejamos para vivermos em paz”, assegura Sabera.
O receio de talvez não poder reencontrar suas irmãs novamente é a preocupação que ela carrega, dia após dia, mesmo diante da rotina de seu trabalho humanitário acolhendo famílias que também estão separadas. As incertezas do presente fazem com que se possa ter esperanças de um futuro reconciliador ao contar, a partir do governo brasileiro, com a concessão de vistos humanitários para atender aos anseios de quem busca deixar o país como garantia à sua própria vida.
“Já não tenho certeza se verei aquela neve a que estava acostumada a fazer bonecos com meu sobrinho, se voltarei a comer na pastelaria Razavi ou se vou voltar a andar pelo parlamento afegão, mas ao menos o direito a minha vida está garantido por aqui”, conclui.