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“São pessoas que compartilham as histórias delas e, de certa maneira, você se sente parte daquela trajetória”

Comunicados à imprensa

“São pessoas que compartilham as histórias delas e, de certa maneira, você se sente parte daquela trajetória”

19 Agosto 2022
© Arquivo Pessoal
Você é jornalista de formação e por muitos anos trabalhou nas redações dos maiores jornais do país. Por que você se tornou um trabalhador humanitário?

Como estudante, eu sempre me interessei por temas internacionais. Depois de um certo tempo trabalhando como repórter, decidi fazer um mestrado na área de sociologia, ciências sociais e desenvolvimento. Foi uma mudança muito grande, pois me reposicionou profissionalmente, me deu uma nova visão da realidade e me aproximou ainda mais das questões internacionais.

Quando terminei esse mestrado, estava realmente decidido a fazer uma mudança na minha profissão, e tive a oportunidade de entrar no sistema ONU. Minha carreira no ACNUR começou em 2006, durante a reestruturação da equipe no Brasil. O tema dos refugiados era muito interessante e desafiador – sobretudo no Brasil, onde se falava pouco desse assunto.  

Por quais emergências você já passou?

Sempre fui funcionário do ACNUR no Brasil, mas passei brevemente por algumas operações internacionais. Fiz um curso para atuar nas equipes de emergência do ACNUR, que estão prontas para entrar em ação imediatamente caso algum país necessite de uma resposta humanitária urgente. Fui convocado para atuar em emergências por duas vezes. Em 2014, quando estourou a Guerra no Sudão do Sul e houve um grande fluxo de refugiados para a Etiópia; e em 2019, após dois ciclones atingirem Moçambique e aumentarem o fluxo de deslocados internos.

No Brasil, quando eu entrei no ACNUR, havia em nossa região a crise colombiana. Nessa época, fiz algumas missões de avaliação e preparação de planos de contingência na fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru, na tríplice fronteira da Amazônia. Além disso, já estive nas fronteiras da Colômbia com a Venezuela e com o Equador.

Qual é a parte mais gratificante de seu trabalho?

Do ponto de vista pessoal, o contato com os refugiados é muito gratificante. É uma população muito diversificada: pessoas de diferentes origens, formações, estágios de vida. Ter contato com elas, ouvir suas histórias – não só o que aconteceu, mas o que estão fazendo para superar aquele momento difícil – é muito enriquecedor. Quando elas conquistam coisas e compartilham essa felicidade conosco, é um momento em que você vê a sua contribuição fazendo diferença na vida das pessoas, mesmo não estando na linha de frente.

São emoções que eu acho que eu nunca tive trabalhando como jornalista e repórter. São pessoas que compartilham as histórias delas e, de certa maneira, você se sente parte daquela trajetória por causa do trabalho que você realiza dentro de uma organização humanitária como o ACNUR.

E alguma história, situação ou pessoa refugiada que te marcou?

É difícil apontar uma ou outra história, mas existem momentos que foram marcantes para mim. Logo que eu entrei no ACNUR, o Brasil tomou a decisão de trazer refugiados palestinos que viviam há anos em um campo de refugiados na Jordânia sem qualquer condição de integração ou mesmo sobrevivência no deserto. Quando começamos a organizar a vinda deles para o Brasil, eu fui designado para acompanhar o desembarque em São Paulo. Testemunhar aquelas pessoas - mulheres, crianças, idosos, homens - chegando diretamente de um campo, do outro lado do oceano, foi muito emocionante. Eles chegaram tão felizes no Brasil! Para muitos, aquela seria a primeira vez que teriam documentos pessoais.

Tudo isso foi muito forte: o desembarque, suas expressões de felicidade por chegarem em um país longe dos conflitos que eram parte das suas rotinas. Alguns mais idosos eram, inclusive, da primeira diáspora Palestina, que estavam vagando por diferentes países do Oriente Médio até serem acolhidos no Brasil.

Qual foi o seu pior dia de trabalho?

Tem uma situação particularmente triste e chocante que presenciei na Etiópia. Estávamos em uma coletiva de imprensa no campo de recepção da fronteira, o primeiro ambiente de assistência às pessoas que chegavam. No meio da coletiva de imprensa, começamos a ouvir um choro altíssimo vindo de trás da barraca onde ocorria a entrevista. No final, descobrimos que esse choro vinha de uma mãe que havia perdido seu filho, uma criancinha, por desnutrição. Ouvir o choro alto e o grito desesperado de uma mãe que viu o filho morrer foi muito chocante. Nesse dia vi as limitações do trabalho humanitário. Nem sempre conseguimos fazer tudo. 

E qual foi o seu melhor dia de trabalho?

No marco da resposta da Venezuela, participei dos primeiros voos de interiorização, um dos pilares da Operação Acolhida, força-tarefa humanitária executada e coordenada pelo Governo Federal, que realoca voluntariamente refugiados e migrantes venezuelanos que estão no estado de Roraima (RR) ou na cidade de Manaus (AM) para outros municípios e capitais brasileiras.

Além dos refugiados e migrantes, estavam no avião outros colegas do ACNUR, de agências da ONU, outros funcionários do governo e das forças armadas. Todos estavam com uma grande expectativa, todo mundo estava muito animado. Aquela era a primeira viagem de avião de muitas pessoas. Quando a aeronave decolou, os passageiros entraram em êxtase! Começaram a aplaudir, cantar e bater palmas, porque estavam partindo para uma nova vida. Foi muito emocionante! Eu via no rosto das pessoas, nas expressões faciais delas a felicidade de deixarem para trás uma história tão difícil e partir para um recomeço. Quando o avião pousou, aplaudiram de novo. Cada decolagem e aterrissagem era marcada por muita emoção.

Qual mensagem você daria para aqueles que apoiam a causa?

O apoio aos refugiados vai além da resposta governamental, do setor privado ou das grandes instituições. Também é uma resposta nossa como indivíduos, como parte da comunidade e da sociedade. O seu apoio é fundamental para o nosso trabalho e para os refugiados. Só assim conseguimos dar a essas pessoas oportunidades para recomeçar.