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Queniana transforma vida de mulheres refugiadas na Austrália

Comunicados à imprensa

Queniana transforma vida de mulheres refugiadas na Austrália

19 Março 2021
Rosemary Kariuki, que há duas décadas chegou na Austrália como refugiada, em sua casa em Sydney Ocidental. © ACNUR/Brook Mitchell

Em 1999, quando Rosemary Kariuki chegou em Sydney, após fugir da violência no Quênia, seus vizinhos passaram um ano sem a cumprimentar. Sozinha e esperando pelo senso de comunidade que tinha em casa, ela decidiu agir.


No Natal de 2001, ela anotou seu contato e escreveu em seus cartões de Natal um convite para as pessoas tomarem um chá ou passarem para dar um “oi”. Ela entregou os envelopes nas portas de mais de uma dúzia de apartamentos em seu prédio. Depois disso, seus vizinhos a saudaram alegremente e Rosemary descobriu que havia encontrado o trabalho de sua vida.

“Quando cheguei aqui, ninguém me deu informações. Sei que as mulheres adoram socializar, se vestir, se reunir enquanto comem e dançam. Por isso, decidi usar isso para reuni-las para divulgar informações e conscientizar sobre violência doméstica”, afirmou Rosemary, que tem um sorriso que ilumina até mesmo uma chamada de Zoom.

Hoje, com 60 anos, Rosemary trabalha como oficial multicultural para a Polícia de New South Wales em Campbelltown, na periferia de Sydney, ajudando mulheres migrantes e refugiadas. Muitas mulheres, como a própria Rosemary, foram vítimas de violência de gênero e enfrentam barreiras linguísticas, financeiras e culturais que as deixam isoladas.

Em seu tempo livre, Rosemary executa vários projetos para ajudar as recém-chegadas a superar esse isolamento. Em um programa de intercâmbio cultural, ela apresenta refugiados e migrantes às famílias locais. Já um evento social anual reúne mulheres africanas refugiadas e migrantes.

Em janeiro, Rosemary recebeu do governo australiano o Prêmio Australiano/a do Ano. Ela foi reconhecida como a "Heroína Local" do país em 2021 por seu compromisso em mudar vidas, "especialmente as de mulheres e crianças". Em seu discurso Rosemary estimulou a todos a "abrirem suas portas para seus vizinhos".

O trabalho de Rosemary nunca foi tão urgente. O impacto da pandemia de COVID-19 está piorando as desigualdades de gênero enraizadas e a discriminação enfrentada por mulheres e meninas refugiadas, adverte o ACNUR, Agência da ONU para Refugiados.

Os lockdowns também prenderam algumas mulheres com seus agressores, deixando-as incapazes de buscar ajuda. Em novembro, o ACNUR relatou um aumento acentuado da violência contra as mulheres refugiadas e deslocadas em vários países.

Muitas das mulheres refugiadas com quem Rosemary trabalha estão reconstruindo suas vidas após sofrerem traumas, incluindo violência nas mãos de membros da família, conflitos ou guerras em seus países natais. Algumas ainda estão vivendo com seus agressores. Desde o início da pandemia, alcançá-las tem sido mais difícil.

"Tem sido muito difícil, mas não nos impediu", disse Rosemary. "Há muitos problemas de saúde mental acontecendo, muita violência doméstica e desamparo. A maioria das mulheres perdeu o emprego ou não está fazendo nada em casa e entrando em depressão".

Rosemary Kariuki em uma festa surpresa realizada por amigos e colegas para comemorar seu Prêmio de Australiana do Ano © ACNUR / Brook Mitchell

Pascasie Mudera, refugiada de 42 anos da República Democrática do Congo, viveu três anos em um campo de refugiados ugandense antes de ser reassentada na Austrália, em 2007. Ela ainda hesita em falar sobre seu passado. "Sendo uma jovem e sozinha em um campo de refugiados, você enfrenta muitos desafios, começando com o abuso", disse.

Pascasie conheceu Rosemary na rua quando a mulher mais velha se aproximou dela para perguntar por que ela não estava usando um pulôver no tempo frio. Rosemary rapidamente fez amizade com Pascasie e descobriu que ela tinha deficiências devido a uma infecção de pólio infantil, o que dificultava encontrar trabalho.

Rosemary a colocou em contato com uma organização que advoga por deficientes que lhe deu apoio, cuidados de saúde e a casa de dois quartos em que ela agora vive com seus três filhos. Pascasie também conseguiu um novo emprego como assistente social em uma organização local sem fins lucrativos que apoia migrantes e refugiados africanos.

Com a ajuda de Rosemary, Pascasie superou seu medo de sair e conheceu pessoas que não a viam simplesmente como refugiada.

“Eu comecei a lembrar que... Eu posso construir minha vida novamente e ter um futuro”

“Eu comecei a lembrar que ‘oh, tenho que recomeçar minha vida novamente e ter um futuro'”, afirmou.

O programa de intercâmbio cultural de Rosemary, tema de um documentário de 2020 chamado O Estilo Rosemary (Rosemary's Way), ajudou recém-chegadas, como Pascasie, a estabelecer relações duradouras entre refugiados e moradores locais.

Maria Baden, 69 anos, vive em uma fazenda em Gerringong, na costa de New South Wales, ao sul de Sydney, onde cria gado para a carne wagyu. Ela conheceu Rosemary em 2007 em um evento feminino e ficou imediatamente impressionada com sua habilidade em dirigir as sessões e com a maneira como "ela fazia todos rirem". As duas se tornaram amigas e Maria começou a ajudar Rosemary com o programa de intercâmbio cultural.

A primeira vez que Maria organizou um evento em sua fazenda para incentivar a interação de refugiados com moradores locais, mais de 36 mulheres refugiadas compartilharam seus pratos típicos e histórias com famílias locais. Maria, que é organizada e atenta aos detalhes, ficou maravilhada como Rosemary simplesmente improvisou para guiar cada hóspede em direção à família local mais apropriada. Parecia funcionar. Uma mulher do Sudão do Sul e sua filha rapidamente iniciaram uma conversa com uma viúva local e sua filha. As duas viúvas rapidamente perceberam que tinham algo em comum.

"A mulher local havia perdido seu marido em um acidente com um raio enquanto a mulher sudanesa havia perdido seu marido para a guerra na mesma data", disse Maria.

Rosemary também acha que é importante que as mulheres migrantes e refugiadas se misturem umas com as outras. Em 2006, ela ajudou a criar o Grupo de Mulheres Africanas. Ela convida as mulheres a dançar, socializar e comer juntas com o objetivo de compartilhar informações sobre questões que vão desde o abuso até a paternidade. O primeiro jantar de dança africana apresentou uma sobrevivente da violência doméstica como principal oradora. Na segunda-feira seguinte, 20 mulheres que haviam participado do evento foram à delegacia de polícia para relatar seus próprios incidentes de violência doméstica.

"Gosto do fato de podermos reunir todas essas mulheres em um espaço seguro", disse Edith "Ida" Nganga, uma migrante queniana que ajuda com o grupo e participou de um recente evento surpresa para comemorar o prêmio Rosemary de australiana do ano.

"Quando ela ganhou, eu senti que era eu quem ganhava"

"Quando ela ganhou, eu senti que era eu quem ganhava". Ela é a primeira africana a ganhar aquele grande prêmio", disse Ida.

O sonho de Rosemary é poder pagar sua hipoteca e dedicar-se em tempo integral aos seus projetos de apoio às mulheres.

Sua grande inspiração é a apresentadora americana Oprah Winfrey, que falou abertamente sobre os abusos que sofreu quando criança, e deu a outras sobreviventes uma plataforma para compartilhar suas próprias experiências.

"Eu amo a Oprah", disse Rosemary. "Ela me inspira muito - como ela superou o estupro, perdeu seu bebê, mas mesmo assim continuou e não desistiu. Ela me inspira a seguir em frente".

Mireille Kayeye participa do Programa de Mentoria do ACNUR para Jornalistas Refugiados, um projeto criado para apoiar refugiados que desejam contar as importantes histórias de hoje.