Participação de refugiado em reunião do CONARE joga luz sobre conflito no Congo
Participação de refugiado em reunião do CONARE joga luz sobre conflito no Congo
Rio de Janeiro e Brasília, 05 de agosto de 2014 (ACNUR) – Para a grande maioria dos brasileiros, é difícil imaginar a vida em meio a uma guerra. Mas para mais de 3,5 milhões de congoleses, o conflito e a violência são uma realidade avassaladora que os têm obrigado a deixar suas casas e fugir em busca de paz – seja para outros países ou em outras regiões da própria República Democrática do Congo (RDC).
Esta trise realidade da RDC foi exposta na semana passada ao Comitê Nacional dos Refugiados (CONARE) pelo refugiado congolês Charly Kongo, 33 anos, que vive no Brasil desde 2008. Foi a primeira vez que o CONARE abriu suas portas para a participação de um refugiado, e isso aconteceu durante uma reunião plenária – quando os membros do comitê avaliam os pedidos de refúgio feitos ao governo do Brasil.
Conhecedor dos medos e apreensões de seus conterrâneos, Charly deixou o seu país devido a perseguições políticas. Durante a reunião do CONARE, ele apresentou uma visão pessoal do conflito no Congo, explicando que conflitos armados no leste do país, recrutamento forçado de adultos e crianças, perseguição política, étnica e religiosa são os principais motivos que levam os congoleses a se deslocarem internamente ou buscar proteção em outro país.
Charly tentou resumir sua experiência com o que chamou de holocausto em sua terra natal. “A guerra começou longe de onde eu morava. A gente acompanhava pela TV. Massacraram crianças, mulheres, jovens – todos. Na minha rua, vi gente que havia caminhado dois mil quilômetros a pé fugindo da guerra que avançava de cidade em cidade em direção à capital”, disse Charly, que foi perseguido por participar de um movimento étnico.
A participação de Charly em uma reunião plenária do CONARE inaugura uma nova fase nos trabalhos do Comitê, que vai se dedicar ao aprofundamento da realidade de algumas das nacionalidades que mais demandam refúgio no país. Dos 6.588 refugiados reconhecidos no Brasil, aproximadamente 650 são originários da RDC. A grande maioria sofreu perseguições políticas, étnicas, recrutamentos forçados e até violência sexual.
Além de ajudar a esclarecer o contexto das solicitações de refúgio, os depoimentos de refugiados darão subsídios para o programa que o CONARE, em parceria com o Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR), está preparando para o reassentamento de jovens congoleses. Atualmente o programa brasileiro de reassentamento de refugiados atende prioritariamente refugiados da Colômbia, tendo beneficiado também refugiados do Afeganistão e da Palestina.
“O CONARE deu um grande salto qualitativo. O depoimento de um nacional se soma à pluralidade de perspectivas – a governamental, a internacional e a militante da sociedade civil – para contribuir para um debate ainda mais rico e qualificar nossa percepção sobre a conjuntura interna de diferentes países de origem dos solicitantes”, avaliou, ao final da sessão, o presidente do CONARE e Secretário Nacional de Justiça, Paulo Abrão.
“Foi uma boa oportunidade para esclarecer para os brasileiros certos pontos obscuros sobre o conflito no Congo. Trouxe uma visão africana do conflito, a visão de um refugiado, de alguém que passou pelos mesmos problemas que ainda hoje afetam tantos conterrâneos meus. Espero ter ajudado o governo brasileiro a entender melhor a nossa situação na RDC”, disse Charly.
Entre janeiro e junho de 2014, já chegaram 86 novos casos dessa nacionalidade somente no Rio de Janeiro – e o número não para de crescer. Na reunião do CONARE da qual Charly participou, os membros do comitê aprovaram 22 novos pedidos de refúgio feitos por cidadãos congoleses – entre os 680 casos aprovados pelo Comitê.
Referência na comunidade congolesa - A escolha de Charly para falar aos membros do CONARE não foi ao acaso. Ele é uma referência para os mais de 500 congoleses atendidos pela Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, instituição parceira do ACNUR. Todos esses refugiados concordam em pelo menos um ponto: Charly é um exemplo de superação, esperança e sucesso.
Como tantos outros congoleses, ele chegou sozinho ao Brasil em 2008, após fugir de seu país por motivos de perseguição política. Com a ajuda da Cáritas Rio e do ACNUR, ele aprendeu português e fez cursos de capacitação profissional.
Hoje, casado com uma brasileira e pai de um filho, ele trabalha em um hotel e faz faculdade de turismo. Também atua como voluntário na Cáritas, ajudando a traduzir para o português documentos e entrevistas em francês e em lingala (dialeto muito falado na RDC). Conseguiu reconstruir sua vida no Brasil e, por isso, inspira tanto seus conterrâneos.
Segundo dados do ACNUR, 177 mil pessoas foram forçadas a deixar a República Democrática do Congo e buscar refúgio em outros países, entre janeiro e junho de 2014. Ao final do ano passado, o país registrava cerca de 3,9 milhões de deslocados internos, e o número de refugiados congoleses em todo o mundo era contabilizado em cerca de 500 mil.
A maioria dos refugiados consegue abrigo nos países vizinhos, mas é crescente o número de pessoas que deixam o continente africano em busca de paz e segurança – situação agravada pelos conflitos intensos em outros países da região, como República Centro-Africana, Sudão do Sul e Uganda.
Por Beatriz Oliveira.