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Violência contra a mulher aumenta durante a pandemia de COVID-19

Comunicados à imprensa

Violência contra a mulher aumenta durante a pandemia de COVID-19

25 Novembro 2020
A advogada venezuelana Rogmalcy Vanessa Apitz começou uma fundação sem fins lucrativos na cidade de Cúcuta, na fronteira com a Colômbia, que ajuda sobreviventes de violência de gênero em seu país natal. © ACNUR/Fabiola Ferrero

Mónica Pérez* conheceu seu primeiro namorado aos 16 anos, pouco depois de descer de um ônibus na cidade fronteiriça colombiana de Cúcuta. Quando ela descobriu que estava grávida, seu namorado começou a bater nela e xingá-la.


Depois que Mónica entrou em trabalho de parto, ele a deixou no hospital para dar à luz sozinha. A adolescente estava longe de sua mãe e irmãs na Venezuela.

Seis meses depois, ela se envolveu com um novo parceiro. Tudo ia bem, disse ela, até a chegada da COVID-19. “Acho que pode ter algo a ver com o lockdown, que o deixou muito estressado e constantemente preocupado em estar falido”, lembrou. “Ele começou a me machucar e a dizer coisas realmente horríveis para mim… Ele não me deixava usar o Facebook ou falar com minha mãe ou minhas irmãs. Ele controlava o que eu vestia e até queimou várias roupas minhas. ”

No início de abril, mais da metade da população mundial vivia confinada e mulheres como Mónica, com parceiros violentos, se viram presas com seus agressores e sem o apoio de amigos e familiares. Poucos meses após o início do surto do coronavírus, a ONU Mulheres estava alertando sobre uma Pandemia das Sombras, quando todos os tipos de violência contra mulheres e meninas, mas particularmente a violência doméstica, se intensificaram.

Mulheres refugiadas e deslocadas corriam maior risco de violência de gênero, mesmo antes da COVID-19. A pandemia aumentou sua vulnerabilidade.

Embora os dados demorem a surgir, com as mulheres deslocadas frequentemente com medo ou incapazes de procurar ajuda, alguns padrões estão se tornando claros. O Ministério da Saúde da Colômbia relatou um aumento de quase 40 por cento dos incidentes de violência de gênero que afetaram a população venezuelana no país entre janeiro e setembro deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado.

Rogmalcy Vanessa Apitz, advogada venezuelana de 37 anos que ajudou a fundar uma fundação sem fins lucrativos em Cúcuta que dá apoio a mulheres venezuelanas que sofrem de Violência de Gênero, disse que ela e seus colegas voluntários agora lidam com cerca de 100 casos por dia. Antes da pandemia o número era equivalente a cerca de 15 casos por dia.

“O isolamento do lockdown realmente levou a muita violência”

“O isolamento do lockdown realmente levou a muita violência”, disse. “O fato de não poder sair e ganhar o pão de cada dia é uma grande fonte de estresse para as pessoas.”

Descobertas semelhantes estão surgindo em outros países com populações significativas de pessoas deslocadas. O Global Protection Cluster - uma rede liderada pelo ACNUR de ONGs e agências da ONU que fornece proteção às pessoas afetadas por crises humanitárias - observou em agosto que a violência de gênero estava ocorrendo com uma incidência maior em 90 por cento de suas operações, incluindo no Afeganistão, Síria e Iraque. Enquanto isso, quase três quartos das mulheres refugiadas e deslocadas entrevistadas recentemente pelo Comitê Internacional de Resgate em três regiões da África relataram um aumento da dos casos de violência de gênero em suas comunidades.

 

Assim como os níveis de violência contra as mulheres aumentaram, os lockdowns e outras restrições de movimento tornaram mais difícil para as sobreviventes denunciar o abuso e buscar ajuda. As mulheres refugiadas muitas vezes não têm acesso a centros públicos de saúde e outros serviços sociais essenciais e dependem dos serviços disponíveis por meio de ONGs e agências da ONU. Mas a COVID-19 forçou muitos desses serviços a fecharem. Em campos do Quênia a Bangladesh, os trabalhadores humanitários não puderam visitar refugiados ou organizar atividades de prevenção.

“Em março, percebemos que não éramos capazes de realizar nossas atividades normais”, disse Gabriela Cunha Ferraz, oficial de violência de gênero da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) no campo de refugiados de Kakuma, no noroeste do Quênia. “Isso nos forçou a começar a pensar em maneiras diferentes de alcançar as pessoas.”

Ferraz e seus colegas adicionaram uma conta do WhatsApp ao número da linha direta para que sobreviventes isolados em casa com seus agressores pudessem enviar mensagens privadas a uma assistente social. Eles também organizaram um programa de rádio mensal que vai ao ar em uma estação comunitária amplamente ouvida entre os refugiados do campo. Os funcionários cobrem diferentes tópicos relacionados à violência de gênero a cada mês e dizem aos ouvintes como eles podem acessar os serviços por meio de linhas de apoio.

Em todo o mundo, o ACNUR e suas organizações parceiras passaram por um processo semelhante de adaptação de programas de violência de gênero para que as mulheres possam continuar a acessá-los com segurança. Em muitos locais, isso envolveu uma mudança para grupos de apoio online e tele-aconselhamento.

No Líbano, por exemplo, equipes que trabalham com casos de violência de gênero deixaram de administrar sessões de prevenção para mulheres refugiadas em espaços físicos seguros para administrá-las online. As mulheres recebem dados de Internet para permitir que participem das sessões online, mas Martin De Oliveira Santos, Oficial de Proteção Associado do ACNUR no Líbano, reconheceu que existem outras barreiras para a prestação de serviços remotamente.

“Sabemos que no Líbano os telefones celulares nem sempre estão nas mãos das mulheres; eles às vezes são controlados por maridos ou pais", disse. “Também enfrentamos níveis variados de alfabetização digital.”

Muitas das mulheres rohingya refugiadas que vivem em campos no distrito de Cox's Bazar, em Bangladesh, também não têm telefones celulares para ligar para números de linha direta, de acordo com Kosida, refugiada de 19 anos e voluntária que vai de porta em porta em seu bloco do campo de Kutupalong para compartilhar informações sobre os serviços disponíveis para sobreviventes de violência de gênero. Os bloqueios tornaram mais difícil ajudá-las a ter acesso a suporte especializado, mas ela disse que o maior problema era a relutância das mulheres em falar algo contra seus parceiros abusivos.

“É sempre difícil para as mulheres denunciarem os homens”

“É sempre difícil para as mulheres falarem contra os homens, protestar ou denunciar, porque dependem dos homens para viver”, disse. “Se as mulheres não são independentes, se não ganham a própria vida, sempre serão assim.”

Quando uma intervenção pessoal é necessária e os bloqueios evitam que os trabalhadores humanitários se movam pelas comunidades, refugiados voluntários como Kosida são frequentemente o elo crítico entre os sobreviventes e serviços especializados em violência de gênero.

Em Kakuma, Ferraz e sua equipe contam com trabalhadores comunitários refugiados contratados e treinados por uma organização parceira, o Conselho de Refugiados Dinamarquês, para serem seus “olhos e ouvidos na comunidade” enquanto as restrições da COVID permanecem em vigor.

“São pessoas refugiadas que vivem nos campos e foram treinadas para identificar e encaminhar casos de violência de gênero com segurança”, disse. “Portanto, se houver uma denúncia de violência de gênero dentro da comunidade, elas podem verificar a segurança do sobrevivente e imediatamente encaminhar o caso para um assistente social.”

Mary Husuro, refugiada sul-sudanesa de 26 anos que vive no campo de Kakuma, tornou-se uma trabalhadora comunitária após sua própria experiência de violência nas mãos de seu ex-marido. “Senti que não havia ajuda, mas quando conheci o Conselho [de Refugiados Dinamarquês], recebi ajuda e alguns conselhos, e agora sou eu quem está ajudando.” No início da pandemia, ela disse, “havia muita violência [de gênero], mas as mulheres estavam caladas por causa do medo do coronavírus”.

Por meio de ações de conscientização que Mary e outros trabalhadores comunitários fizeram, ela disse que as mulheres no acampamento agora estão cientes da ajuda disponível para elas.

Nabila Berm, uma refugiada síria que mora na Jordânia e faz parte de um grupo de jovens refugiadas e voluntárias jordanianas que fazem vídeos animados para aumentar a conscientização sobre violência de gênero, disse que sobreviventes em sua comunidade tiveram medo de pedir ajuda no início da pandemia.

“Elas não sabiam para onde poderiam ir. Estavam com medo de se mudar para a casa de outro amigo porque estavam com medo de pegar COVID", disse, acrescentando que, embora agora houvesse mais consciência sobre os números para pedir ajuda, o risco de violência aumentou à medida que a situação econômica piorou.

“Estou ouvindo mais mulheres que estão sofrendo violência porque todos estão em casa e têm menos dinheiro. As pessoas estão ficando com raiva e frustradas ”, disse. “Estou preocupada porque, por causa disso, vamos ver cada vez mais casos.”

Em Cúcuta, Mónica acabou conseguindo ajuda quando uma amiga lhe contou sobre uma ONG local chamada Corprodinco, que tem parceria com o ACNUR para administrar um abrigo para sobreviventes de violência de gênero. O namorado não a deixou sair de casa, mas, com a ajuda da polícia, Corprodinco conseguiu levá-la ao abrigo. Lá ela tem recebido aconselhamento e aprendido novas habilidades, como costura, que ela espera que a ajudem a se sustentar quando chegar a hora.

Ela sempre se pergunta se as coisas teriam sido diferentes para ela se tivesse voltado para casa na Venezuela, com sua mãe e irmãs cuidando dela. “Porque eu estava sozinha aqui na Colômbia, sem ninguém para me ajudar ou apoiar, [meu namorado] se aproveitou de mim”, afirmou.

“Muitas vezes tentei sair, mas estava com medo. Como alguém que fugia da Venezuela, passei fome e dormi na rua e não queria passar por isso de novo. Mas não é assim que deveria ser. Ninguém deveria ter que passar por violência doméstica. ”

* Nome alterado para proteger a identidade

Escrito por Kristy Siegfried, com reportagem adicional de Jenny Barchfield na Cidade do México, Lilly Carlisle em Amã, Jordânia e Iffath Yeasmine em Cox’s Bazar, Bangladesh.