Escola é sonho de refugiados sírios que lutam para sobreviver no Líbano
Escola é sonho de refugiados sírios que lutam para sobreviver no Líbano
BEIRUTE, 9 de abril (ACNUR) – Abdul Wahad, de 13 anos, vive em uma garagem subterrânea, em Beirute, em meio ao mau cheiro que vem do lixo. O lixo é o seu negócio. “Quando eu crescer”, diz ele, “quero ir à escola”.
Abdul Wahad é um dos 1 milhão de refugiados sírios registrados atualmente pelo ACNUR no Líbano. O número é surpreendente para um país com pouco mais de 5 milhões de pessoas. Na Grã-Bretanha seria como se 15 milhões de pessoas necessitadas chegassem num período de três anos.
Sua extensa família de 25 pessoas vive na garagem, onde antes carros como Mercedes Benz eram atendidos, por opção. Apesar da umidade e de, ocasionalmente, canos do teto vazarem esgoto, a família se recusa a aceitar outra habitação encontrada pelo ACNUR. Eles coletam lixo para ganhar dinheiro e a garagem tem espaço para guardar as garrafas, latas e plásticos que eles armazenam até a empresa de reciclagem pegar os materiais, o que ocorre a cada 10 dias.
Os homens e os meninos da família saem todos os dias para as ruas para coletar detritos e normalmente trabalham até às três da manhã. Na manhã seguinte, as mulheres separam as latas das garrafas plásticas e armazenam os materiais em sacos de cânhamo. O lixo toma conta de metade do abrigo úmido e subterrâneo.
O ACNUR ajudou a família de Abdul Wahad com madeira, lonas e cobertores para construir e mobiliar os cinco abrigos improvisados na garagem, juntamente com tickets para comida. No entanto, o aluguel, gás para aquecimento térmico (no inverno) e eletricidade custam US$1.000 dólares por mês. Todos eles precisam trabalhar. Das 13 crianças abaixo de 17 anos, apenas dois vão à escola, e depois ajudam com a seleção dos lixos.
Em média, o ACNUR registra cerca de 2.500 novos refugiados sírios por dia. Em algumas cidades, como Chebaa e Arsal, próximas à fronteira com a Síria, os sírios ultrapassam o número de libaneses.
Metade dos refugiados são crianças, mas a maioria não vai à escola. O sistema educacional libanês criou os “segundos turnos” no período da tarde para tentar acomodar o fluxo de crianças sírias, mas o programa atende apenas 100 mil delas.
De volta à garagem em Beirute, a avó de Abdul Wahad, Muna, está bebendo café no escuro às 9:15 da manhã. Ela é a matriarca da extensa família que vive na garagem – três filhos, quatro filhas e seus filhos, dos quais alguns ainda dormem.
Abdul Wahad está de pé, cantando e ensaiando alguns passos de dança. Dois meninos estão chutando uma bola meio-vazia de futebol perto das sacolas de lixo. Uma garota está puxando seu cachorro de pano por uma coleira. A bola e o brinquedo, como todas as mesas e cadeiras, foram encontrados na procura por lixo.
A família se tornou refugiada no começo de 2013 depois de fugir do conflito em Homs e lutou por semanas para encontrar refúgio em algum lugar na Síria. “Nós tínhamos um terreno e nossas casas estavam em volta. Tudo foi destruído, tudo foi roubado. Tudo. Nós tínhamos um poço. Eles roubaram até o gerador e a bomba. Não temos mais nada”, disse Muna.
Como tantos outros refugiados, Muna presenciou mortes violentas na família. Ela fala com firmeza sobre seu filho mais velho. Ele estava vivendo no Líbano, mas voltou para ajudar a família. Ao invés disso, foi sequestrado. Sua esposa o procurou por quatro meses antes de ficar sabendo de sua morte.
“Meu filho morreu por nada”, disse Muna. “Ele não se envolveu em nada. Ele queria tanto ter um filho, ele teve quatro meninas e finalmente um filho. Mas ele nunca terá o privilégio de vê-lo crescer”. Mesmo assim, ela pretende levar sua família de volta para Síria quando a guerra acabar.
Enquanto ela fala, seu celular toca. Sua filha Ftaim está ligando da Síria. Ela voltou repetidas vezes para procurar pelo marido, desaparecido por meses. Novamente não há notícias. Enquanto ela fala com sua filha, Muna pega seu bisneto, Hamsin, e segura o telefone para que ele possa escutar a mãe.
“Meu marido e eu somos velhos”, ela diz. Ela tem 58 anos. “Agora nós só pensamos nas crianças. Nossos parentes – parentes do meu marido – estão espalhados. Alguns na Turquia, outros na Jordânia, alguns continuam na Síria. Eu não sei quem continua vivo e quem já morreu”.
Eles pensam apenas nas crianças, mas elas precisam trabalhar ao invés de ir à escola. Ela encolhe os ombros; “o que elas podem fazer?”. Abdul Wahad se junta à conversa. “Depois que eu for à escola, quero trabalhar com computadores”, diz ele. Contudo, para um futuro próximo ele vai trabalhar apenas com lixo.