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Mulheres da América Central encontram segurança e força na pintura de mural

Comunicados à imprensa

Mulheres da América Central encontram segurança e força na pintura de mural

22 Janeiro 2019

Um novo mural decora as ruas de Tapachula, a cidade mais movimentada do lado mexicano da fronteira com a Guatemala. Em tons terrosos vivídos, o mural retrata uma mulher segurando um bebê nos braços, polvilhado com os nomes das mais de vinte mulheres do norte da América Central que o pintaram, e palavras profundas capturando suas aspirações: amor, confiança, liberdade e segurança.


“Esse mural representa nossa luta diária para continuar, ele conta nossas histórias”, diz Manuela*, uma mulher de 48 anos de El Salvador, apontando para as palavras que ela decidiu pintar no mural: Vamos levantar nossa voz.

Manuela tem escapado das gangues criminosas salvadorenhas há cinco anos. Quando ela não pôde pagar a taxa de extorsão que eles exigiam – 170 dólares por semana – ela e sua mãe foram severamente espancadas. Em uma dessas visitas assustadoras, a mãe de Manuela teve um ataque cardíaco e morreu.

Sozinha e desesperada, Manuela se mudou para outra cidade. As gangues a encontraram seis meses depois e ameaçaram matá-la. Ela caiu então em um êxodo interminável dentro de El Salvador, passando não mais do que uma semana em cada local.

“Não há lugar seguro em El Salvador”, conta Manuela.

 “Eu encontrei uma família que eu não conhecia antes”

Apesar de se sentir apavorada, Manuela decidiu juntar-se à uma “caravana” de mais de sete mil pessoas de Honduras, El Salvador e Guatemala, indo em direção ao norte a pé, em busca de segurança no final de outubro de 2018.

Outra caravana partiu de Honduras em 14 de janeiro e mais de 1,1 mil refugiados e imigrantes atravessaram a fronteira da Guatemala com o México esta semana, incluindo 145 crianças.

29,6 mil pessoas solicitaram refúgio  no México em 2018 – um aumento de mais de dez vezes nos últimos cinco anos. Em sua maioria, eles estão fugindo da violência e da perseguição de Honduras (46%), Venezuela (22%) e El Salvador (21%), alguns dos países com a maior taxa de homicídios. De todos os pedidos de refúgio recebidos por autoridades mexicanas, 56% foram processados no estado de Chiapas, no sul do país, onde fica Tapachula.

As mulheres que pintaram o mural de 14 metros de comprimento são principalmente de Honduras e El Salvador. Alguns fugiram sozinhos, outros com suas famílias ou se juntaram à “caravana”, como Manuela. Essas pessoas foram ameaçadas por gangues, estupradas, membros de suas famílias foram assassinados em sua frente – suas vidas estão em risco e eles não podem voltar para seu país.

Durante duas semanas, as mulheres se reuniram no início de dezembro para conceituar, desenhar e pintar o mural em um projeto sobre violência baseada em gênero apoiado pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR).

“O ACNUR está trabalhando com diferentes grupos de pessoas refugiadas para permitir que eles tenham espaços onde possam encontrar segurança, expressar seus sentimentos e trabalhar seus traumas”, diz Kristin Riis Halvorsen. “Muitas dessas iniciativas são voltadas para mulheres que são sobreviventes de violência sexual e de gênero, que é disseminada entre as meninas e mulheres que vêm do norte da América Central”.

No contexto dos 16 Dias de Ativismo contra a Violência de Gênero, o ACNUR organizou uma série de atividades em Tapachula para sensibilizar e melhorar as redes de apoio para as mulheres falarem sobre as suas experiências. Como as questões pelas quais elaspassaram são muito complexas e difíceis de discutir, projetos artísticos foram criados para que pudessem ter um veículo diferente para expressar seus sentimentos e, por meio de uma criação coletiva, alcançar um novo nível de confiança e finalmente começar a deixar seus traumas para trás.

“Não há lugar seguro em El Salvador”

 A medida em que elas aprederam a usar os pinceis e brincar com as cores, as mulheres começaram a confiar umas nas outras e perceber que não estavam sozinhas nos abusos sofridos.

“Nós conseguimos relaxar, nós rimos juntas, esquecemos os problemas em nossos países”, diz Janeth*, 45, de El Salvador.

Em conjunto com as aulas de arte existiam exercícios de compartilhamento, onde as mulheres refletiam sobre suas experiências traumáticas e se conscientizavam mais de seus direitos. A maioria deles não sabia que poderiam pedir refúgio até chegarem à fronteira mexicana.

“Nós pensávamos que o que nossos parceiros nos falaram era porque eles nos amavam”, diz Luisa*, uma vítima de abuso sexual de Honduras. “Agora nós sabemos nossos direitos e que não precisamos sofrer”.

Janeth, 45, aponta para um canto escondido do mural, perto do chão. Ela pintou uma pequena lápide com uma grande cruz cinza cercada por pássaros voando. Tem o nome de seu filho de 17 anos de idade.

“Eu queria capturar minha dor”, diz ela com os olhos avermelhados.

Em El Salvador, o filho de Janet não pôde escapar da gangue criminosa que queria recrutá-lo. A recusa em entrar para o grupo custou sua vida. Quando Janeth ouviu os tiros perto de sua casa em uma noite de novembro de 2017, pouco antes de ir dormir, ela soube.

El Salvador é um dos países mais mortais para os jovens no mundo, especialmente os do sexo masculino. Em 2015, 207,5 jovens a cada 100 mil morreram, principalmente  por homicídios. Esse número está significativamente acima da média global de 149, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A matrícula no ensino médio é inferior a 38%, bem abaixo da média latino-americana de 74%.

Janeth ainda está sofrendo com a morte de seu filho, mas ela não pôde deixar a depressão dominá-la – ela precisava proteger sua filha Alma*, que tem 13 anos. A mesma gangue que matou seu filho quis recrutá-la à força para se tornar namorada de um membro de gangue, pela qual teria sido feita de escrava sexual.

“O mural nos faz sentir que somos seres humanos, que podemos sobreviver, independentemente do que vier.”

A família fugiu para outra cidade, onde Alma teve que mudar de escola a cada dois meses para permanecer escondida. A gangue a encontrou seis meses depois e ela não podia sair de casa.

Elas chegaram em Tapachula menos de um mês atrás. Tudo o que a família queria era encontrar um lugar seguro e estável onde Alma pudesse continuar seus estudos e se tornar uma enfermeira.

“Eu não quero ir para os Estados Unidos, quero estudar aqui”, diz Alma.

Ao refletir sobre o projeto de arte, as mulheres destacam como isso tem ajudado todas elas.

“O mural nos faz sentir que somos seres humanos, que podemos sobreviver, independentemente do que vier”, diz Luisa. “Mas nós não poderíamos fazer isso sem o suporte das instituições”.

Quando Luisa vê homens tatuados na rua, seu corpo ainda treme, revelando o trauma pelo qual ela passou em Honduras, quando ela foi estuprada por dois homens encapuzados. Mas em Tapachula ela se sente segura.

“Eu encontrei uma família que eu não conhecia antes”, ela conta.

Entusiasmadas e orgulhosas com os resultados do projeto de arte, as mulheres esperam continuar aprendendo habilidades que podem ajudá-las a encontrar emprego em Tapachula, como realizar tratamentos de beleza, alfaiataria ou panificação.

Sorrindo, Luisa acrescenta: “Depois disso,  podemos até nos tornar artistas”.

*Nomes foram alterados por motivos de proteção.