Brasil protege refugiados LGBTI, mostra levantamento inédito do ACNUR e do Ministério da Justiça
Brasil protege refugiados LGBTI, mostra levantamento inédito do ACNUR e do Ministério da Justiça
Entre os anos de 2010 e 2016, pelo menos 369 solicitações de reconhecimento da condição de refugiado com base em orientação sexual e identidade de gênero foram feitas ao Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), que até julho deste ano já deferiu 36% dos casos (134). Apenas 20 foram negadas e outras 20 arquivadas. O restante aguarda a apreciação do comitê, que é presidido pelo Ministério da Justiça.
Estes dados foram divulgados pelo Ministério da Justiça e pelo ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), como parte da agenda de eventos relacionados aos “16 Dias de Ativismo contra a Violência de Gênero”, uma campanha global apoiada pelas Nações Unidas. O lançamento teve o apoio da campanha “Livres & Iguais”, da ONU.
O levantamento inédito está consolidado em uma plataforma online, que pode ser consultada aqui. O Brasil é o 4º país no mundo a tornar esses dados públicos. Inglaterra, Noruega e Bélgica já publicaram informações desagregadas sobre solicitações relacionadas à orientação sexual e/ou identidade de gênero.
Os dados revelam que a maioria das solicitações (77,5%) foram apresentadas em São Paulo, e que 65% dos pedidos por orientação sexual foram feitos por homens gays. O levantamento inclui também 28 solicitações (7,5% do total) feitas por pessoas heterossexuais que, por serem ativistas da causa LGBTI, sofrem perseguições em seus países de origem. Em relação aos países de origem, a maior parte das solicitações veio do continente africano, sobretudo da Nigéria (32,7%), seguida de Camarões, Gana, Costa do Marfim e Senegal.
Atualmente, 72 países criminalizam relações consensuais entre pessoas do mesmo sexo, impondo punições como prisão, punições corporais e até a pena de morte. O ACNUR estima que aproximadamente 40 países – entre eles o Brasil – reconhecem solicitações de refúgio cujo fundado temor se relaciona a perseguições motivadas por orientação sexual e por identidade de gênero. No entanto, ainda há muitos países que não adotam tal prática ou cujos procedimentos de reconhecimento da condição de refugiado estão aquém dos parâmetros ideais, o que inclui práticas não condizentes com os direitos humanos das pessoas LGBTI (tal como submissão a procedimentos invasivos e desrespeito ao direito à vida familiar e à privacidade por parte de pessoas refugiadas).
O lançamento da plataforma contou com a presença do coordenador-geral do CONARE, Bernardo Tannuri Laferté, do representante adjunto do ACNUR no Brasil, Federico Martinez, e da refugiada LGBTI Lara Lopes, de Moçambique.
“Vivo no Brasil há cinco anos e nunca fui discriminada pelos brasileiros por causa da minha orientação sexual. Aqui tenho um sentimento que gostaria de ter em meu país”, disse Lara. Emocionada, ela agradeceu o Brasil pela proteção recebida e disse que quer ajudar outras pessoas a “se expressar sem medo”.
O coordenador-geral do CONARE destacou a importância de políticas voltadas para indivíduos que vivenciam graves abusos de direitos humanos. “Esta ação de hoje serve para sinalizar a transparência do Governo Federal e do Ministério da Justiça na publicação desses dados referentes à população LGBTI” ressaltou Laferté. Ele ressaltou que o Brasil é um país seguro para os refugiados que são perseguidos por sua orientação sexual ou identidade de gênero,
Já o representante adjunto do ACNUR no Brasil, Federico Martinez, disse que a pesquisa evidencia os instrumentos de proteção existentes no Brasil destinados ao público LGBTI. “A divulgação destes dados é fundamental para termos maior consciência das dificuldades enfrentadas por essa população e também para nortear as políticas públicas sobre o assunto”, disse. “Muitas vezes, o público associa refugiados a dissidentes políticos ou vítimas de guerra, mas a violação dos direitos humanos também se dá por causa da orientação sexual ou da identidade de gênero”, completou Martinez.
Por meio de sua assessoria, o Secretário Nacional de Justiça, Luiz Pontel, afirmou que "a difusão de informação de processos de refúgio e o lançamento da plataforma sobre refúgio por orientação sexual e identidade de gênero demonstra a aptidão e o compromisso do Brasil enquanto país de proteção para refugiados perseguidos por conta de orientação sexual, uma vez que assegura em seu ordenamento jurídico os direitos dessa população".
Roda de conversa - O lançamento da plataforma foi seguido de uma roda de conversa sobre refúgio, gênero e sexualidade com a participação da refugiada moçambicana Lara Lopes, organizações da sociedade civil, da academia e de agências da ONU. Participaram da conversa a doutoranda em Antropologia pela UNICAMP e especialista em questões de gênero e LGBTI, Ana Laura Lobato, a cientista política e militante dos direitos das mulheres e LGBTI, Talita Victor, a analista para assuntos humanitários do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Irina Bacci e Assistente de Direitos Humanos do Escritório de Coordenação da ONU no Brasil, Maria Eduarda Dantas.
As participantes refletiram sobre os percalços enfrentados pela população refugiada LGBTI, ou por aqueles percebidos como tal, tanto na chegada a um novo país, quanto na sua integração. Além das dificuldades comuns a quem se encontra na condição de solicitantes de refúgio, pessoas LGBTI lidam com o medo de terem seu pedido de refúgio negado e de não serem aceitas pela própria comunidade refugiada e pela comunidade de acolhida em razão da sua orientação sexual e da sua identidade de gênero.
A fim de pensar em soluções conjuntas, os participantes discutiram sobre os desafios e as ações necessárias para oferecer uma acolhida e uma integração dignas. “É impressionante que a pessoa pode fugir do país de origem com duas sacolas ou mesmo nada. Mas por trás, a pessoa vem com uma grande bagagem de histórias, de sentimentos e de experiências”, ressaltou Irina Bacci.
Histórico – Apesar da Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados não abordar explicitamente perseguições por motivos de orientação sexual e/ou identidade de gênero, o desenvolvimento doutrinário, jurisprudencial e normativo passou a reconhecer pessoas LGBTI como um grupo social específico dentro dos procedimentos de reconhecimento da condição de pessoa refugiada, dando um primeiro passo para interpretações inclusivas sobre a abrangência da Convenção em relação à proteção dessa população.
Tal interpretação passou a ser divulgada de forma sistemática pela Agência da ONU para Refugiados aos países e atores trabalhando na proteção de pessoas refugiadas no ano 2000, com a publicação da Nota sobre a Posição do ACNUR em relação à Perseguição baseada no Gênero (posteriormente substituída em 2002 pela Diretriz de Proteção Internacional nº 1). Em 2009, a agência foi além e publicou a Diretriz de Proteção Internacional nº 9 abordando especificamente perseguições motivadas por questões ligadas à orientação sexual e à identidade de gênero.
O lançamento dessa plataforma está inserido no calendário de atividades dos chamados “16 Dias de Ativismo contra a Violência de Gênero”. Essa iniciativa é apoiada pelas Nações Unidades e começa no dia 25 de novembro (Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra a Mulher) e termina no dia 10 de dezembro (Dia Internacional dos Direitos Humanos).
A campanha “Livres & Iguais” tem o objetivo de promover a igualdade da população LGBTI, aumentando a conscientização sobre a violência e a discriminação homofóbica e transfóbica e promovendo um maior respeito pelos direitos destas pessoas.
Para mais informações sobre a plataforma, visite https://www.acnur.org/portugues/refugiolgbti/