Palavra final por Angelina Jolie
Palavra final por Angelina Jolie
As famílias refugiadas suportam inúmeras formas de angústia física e mental, incluindo a dor de ser incapaz de fornecer comida aos seus filhos quando estão com fome ou medicamentos quando estão doentes ou feridos. Mas eu também vi o quanto isso tem um impacto sobre os pais refugiados quando eles são incapazes de mandar seus filhos para a escola, sabendo que a cada ano que passa suas perspectivas de vida estão diminuindo e sua vulnerabilidade aumentando.
Em um relatório publicado recentemente, o ACNUR, Agência da ONU Refugiados, alertou que um número crescente de crianças refugiadas não está recebendo educação. Embora as implicações sejam graves, nossa resposta não deve ser o desespero, mas sim a oportunidade.
A crise global de refugiados é um dos maiores desafios que a nossa geração enfrenta, mas esta missão não é uma causa perdida. Os próprios refugiados não estão esperando passivamente por ajuda, mas estão ativamente procurando maneiras de fazer parte da recuperação de seus países. A educação é a chave para ajudá-los a fazer isso.
As vidas contrastantes de duas garotas sírias que conheci estão vívidas em minha memória. A primeira era uma jovem que chegou ao Líbano com seus cinco irmãos quando tinha 11 anos. Sua mãe foi morta em um ataque aéreo e as crianças foram separadas de seu pai. Não havia pais para colocar comida na mesa, então ela passava seus dias coletando lixo para vender por quantias minúsculas de dinheiro, e fazendo o trabalho árduo de pegar água, cozinhar e limpar para que seus irmãos pudessem ir à escola. Ela teve que deixar de lado o sonho de se tornar médica e aos 14 anos se casou e se tornou mãe. Ela ainda não sabe ler nem escrever. Mesmo que a guerra termine amanhã, a infância e o futuro que ela poderia ter tido lhe foram roubados.
A segunda menina síria em quem eu penso enquanto escrevo este artigo fugiu da Síria para o Iraque com sua família quando tinha 16 anos. A vida deles no acampamento era extremamente difícil, mas ela conseguiu se matricular em uma escola local. As autoridades educacionais do Iraque não reconheceram seu certificado sírio, então ela repetiu o último ano do ensino médio. Ela agora estuda odontologia em uma universidade iraquiana, enquanto ainda vive com sua família em um campo de refugiados. Quando conheci a família neste verão, ela me disse que, assim que pudesse, voltaria para sua terra natal e ajudaria na sua recuperação, afirmando que “a Síria precisa de seus jovens”.
Nós frequentemente descrevemos os refugiados como uma única massa de pessoas e um fardo. Nós não vemos o complexo mosaico de homens, mulheres e crianças, indivíduos com diversas origens e imenso potencial humano.
Há milhões de jovens refugiados com energia, desejo e compromisso de estudar e trabalhar, que querem contribuir para as sociedades que os acolhem e, em última análise, ajudar a reconstruir seus países de origem. Há milhões de pais deslocados que farão todos os sacrifícios imagináveis para ajudar seus filhos a irem para a escola.
Lembro-me de um pai que conheci no oeste de Mosul que, de alguma forma, sobreviveu com sua família aos três anos de governo brutal do Estado Islâmico e à violenta libertação da cidade. Por não terem deixado o Iraque, eram classificados como deslocados internos ao invés de refugiados, e só recentemente puderam retornar à cidade. De pé ao lado de sua antiga casa cravada de balas, ele lutou contra as lágrimas de orgulho enquanto me mostrava os boletins escolares de suas duas filhas pequenas que haviam voltado para a escola.
No fim das contas, pensei, é assim que se reconstrói um país: não com acordos e resoluções de paz, também extremamente necessários, mas com milhões de boletins escolares, aprovações, diplomas, empregos adquiridos e jovens vidas voltadas para bom propósito, em vez de vidas gastas definhando nos acampamentos. Ninguém sonha em ser um refugiado. Eles sonham em viver de acordo com seu potencial. Eles anseiam por melhorar a si mesmos e suas famílias. Isso é algo que todos nós instintivamente entendemos e nos identificamos. Nós experimentamos o poder da educação em nossas próprias famílias.
Para uma criança, a perda da educação é uma tragédia. Atualmente, com muitas guerras durando mais do que o período da infância, isso pode significar um país perdendo toda uma geração de jovens com educação e habilidades.
Por outro lado, investir na educação de refugiados é a maneira mais poderosa de ajudá-los a ser auto-suficientes e contribuir para a estabilidade futura dos países dilacerados por um conflito. O ACNUR faz um apelo para que as crianças refugiadas tenham acesso a um currículo adequado durante todo o ensino fundamental e médio, para que possam obter qualificações reconhecidas e ter uma chance no ensino superior. Pedimos que mais apoio seja dado aos países das regiões em desenvolvimento, que acolhem 92% dos refugiados em idade escolar, para que mais crianças refugiadas possam ser incluídas nos sistemas nacionais de educação. Estamos pedindo às nações mais ricas que atendam os déficits humanitários para que os pais refugiados não tenham que escolher entre dar comida para os filhos ou mandá-los para a escola.
Dificilmente vivemos um dia sem notícias sombrias sobre violência, sofrimento e deslocamento de pessoas, do Afeganistão ao Iêmen. Enquanto comunidade internacional, é difícil encontrar um único exemplo de como estamos tendo sucesso em acabar com conflitos e garantir a paz. Às vezes o resultado pode ser uma sensação avassaladora de um mundo desequilibrado, no qual mesmo nossos melhores esforços de alguma forma ficam aquém.
No entanto, a resposta não é sentir-se sem esperança ou afastar-se, mas trabalhar de maneira paciente, a longo prazo e guiada por nossos valores, para eliminar o que parece ser um vasto problema intratável. Se ajudarmos os refugiados a obter uma educação, eles próprios assumirão a tarefa mais difícil de reconstruir os países cuja futura paz e segurança é tão importante para nós. É o caminho de ação sábio e moralmente correto.