Venezuelanos deixam histórias de fome e pobreza para recomeçar a vida no Rio
Venezuelanos deixam histórias de fome e pobreza para recomeçar a vida no Rio
“Todos viemos com uma mala cheia de roupa. Mas trazemos uma outra mala ou mochila, cheia de sonhos e esperança”. No Brasil há quase seis meses, a venezuelana Yelitza Paredes tira o otimismo e o sorriso no rosto da vontade de buscar um futuro melhor para a família. Mãe de cinco filhos, a professora de Biologia chegou ao Rio de Janeiro na terça-feira (3), com outros 49 venezuelanos vindos de Roraima.
A viagem foi a quarta etapa do processo de interiorização de venezuelanos, uma estratégia do governo federal para realocar do Norte do Brasil estrangeiros em situação de vulnerabilidade. Nesta semana, Igarassu, em Pernambuco, Conde, na Paraíba, e a capital fluminense receberam pela primeira vez migrantes e refugiados transferidos. Sessenta e nove foram para a cidade pernambucana e outros 45 para o município paraibano.
“É uma economia pequena. Não há possibilidade de integração localmente”, avalia Paulo Sérgio de Almeida, oficial de meios de vida da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), sobre a situação de Roraima. O Sistema das Nações Unidas apoia as autoridades brasileiras no encaminhamento de venezuelanos para outras partes do país.
Com seu filho de 19 anos, Yelitza chegou à fronteira sem dinheiro. “Se gastávamos para passagem, não tinha para comer”, lembra. Em Boa Vista, passou quatro meses morando na rua e trabalhando como doméstica, ganhando de 25 a 30 reais por diária. Tudo que recebia era enviado para a família em Maturín, onde ainda moram seu marido e os outros filhos, de nove, 11 e 13 anos. O mais velho, de 21, fugiu da Venezuela e foi para o Panamá.
“Comigo, não ficava nenhum real. Preferia pedir em vez de gastar porque sei que o que está acontecendo na Venezuela é muito crítico”, explica Yelitza.
Em meio à crise, ela e os familiares comiam apenas mandioca no almoço. A venezuelana aproveitava as cascas da raiz para que os filhos tivessem o que comer. “A economia foi abalada e as famílias, fraturadas”, diz a expatriada, que teve, ela mesma, de se separar dos parentes.
Agora no Rio, a expectativa é encontrar um bom emprego, para continuar ajudando os familiares. A venezuelana diz que “seria uma honra” lecionar no Brasil. “Queremos fazer do país a nossa pátria”, completa Yelitza.
Os 50 solicitantes de refúgio e migrantes que chegaram à capital fluminense foram acolhidos pela ONG Aldeia Infantil SOS, no Itanhangá, zona oeste da cidade. A instituição recebeu 13 famílias de venezuelanos, entre eles, 13 bebês e crianças com até cinco anos de idade.
Segundo Sandra Greco, gestora nacional da entidade, serão oferecidas aulas de português e atividades profissionalizantes, visando à geração de renda e à inserção no mercado de trabalho. Mas as iniciativas serão pensadas em diálogo com os novos moradores da organização, para identificar seus desejos e as habilidades que já trazem consigo. Outra preocupação é garantir a inclusão do grupo nas redes públicas de educação e saúde.
“Nós temos que contar especificamente e potencialmente com a capacidade que o brasileiro tem de ser solidário”, acrescenta a dirigente da Aldeia. A ONG também abrigou os venezuelanos transferidos nesta semana para Pernambuco. O ACNUR está injetando recursos financeiros na instituição para garantir o acolhimento adequado da população.
A ONU e a interiorização
De acordo com Paulo Sérgio de Almeida, existem cerca de 4,2 mil venezuelanos vivendo em abrigos do governo em Roraima. Mais da metade quer deixar o estado. O ACNUR faz a identificação de quem tem interesse em participar da interiorização. “Eles não têm capacidade de sair por conta própria. A estratégia é apoiar a saída voluntária dessas pessoas.”
O venezuelano Jim Dewy conta que “trabalhava, trabalhava e não conseguia comprar nada” no estado de Anzoátegui, noroeste da Venezuela. A pé, decidiu ir para Boa Vista. Na cidade, conseguiu emprego como pedreiro, mas depois, com o aumento de estrangeiros na cidade, as oportunidades de emprego diminuíram. Por isso, optou pelo Rio de Janeiro.
Nas primeiras etapas da interiorização, 527 venezuelanos foram levados para as cidades de São Paulo, Cuiabá e Manaus, durante os meses de abril e maio. Além do ACNUR, o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Organização Internacional para as Migrações (OIM) também apoiam as autoridades na transferência.
Anneli Nobre, assistente de projetos da OIM, explica que a instituição promove sessões informativas com os venezuelanos interessados em mudar de cidade. O objetivo é conscientizar os estrangeiros sobre a nova realidade em que vão se inserir e sobre as condições de acolhimento. Com a decisão consciente e embasada de cada beneficiário, começa uma nova etapa — a verificação de documentos. A agência se articula com o governo para assegurar que todos os transferidos cheguem ao local de destino com um CPF, o protocolo de refúgio ou residência e, se possível, carteira de trabalho.
“Vão se apresentar alguns desafios pelo tamanho da cidade, pela população, pela questão da língua também, mas, ao mesmo tempo, a OIM busca, no período antes da viagem, fornecer o máximo de informações de que as pessoas precisem para chegar com conhecimento de quais são os serviços públicos (a que elas podem recorrer)”, afirma a especialista.
Equipes da agência acompanham os migrantes e refugiados nos voos rumo ao ponto final da interiorização, além de realizar check-ups dos abrigos e instituições que serão o novo lar dos venezuelanos.
(Foto de capa do vídeo: ACNUR/Caritas/Diogo Felix)