“Sejam bem-vindos à Uganda”
“Sejam bem-vindos à Uganda”
UGANDA, 27 de julho de 2017 – Quando olhei por cima do ombro de Gladys, uma jovem refugiada sul-sudanesa que folheava um álbum de retratos com fotos antigas de sua família, minha mente viajou ao meu próprio passado. Em 1983, era jovem e estava no ensino médio. Eu era responsável apenas pelas minhas notas, por manter meu Dodge funcionando e ajudar a limpar o quarto que eu compartilhava com meus irmãos. Meu maior sonho era um dia poder ver o Bruce Springsteen ao vivo.
Aos dezoito anos, Glady desempenha o papel de mãe de sete crianças. A guerra no Sudão do Sul a forçou a cuidar de seus irmãos e primos mais novos. A proximidade de Gladys com sua própria infância parece ser um fato esquecido em sua família, e ainda mais distante para ela mesma. Recai sobre ela a reponsabilidade de garantir que as crianças continuem estudando, apesar do percurso diário de quatro horas para ir e vir do campo de refugiados de Imvepi, onde vivem, para a escola. Os dias dela se resumem em recolher água de um poço, colher lenha, preparar refeições e limpar o abrigo que o ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, providenciou para a família quando eles chegaram em Uganda em 2016.
Gladys vai passando as folhas do álbum. Eu vejo famílias e lares que não existem mais. Um passado cheio de rostos sorridentes, uma festa celebrada no jardim, um aniversário, uma formatura, um piquenique, casamentos e crianças brincando na varanda. Uma foto da mãe de Gladys, que também já se foi.
Nos sentamos ao lado da cama onde Gladys nunca dorme. À noite, ela aconchega as quatro crianças mais novas aqui, as outras três em um colchão nos pés da cama. Gladys dorme no chão duro de terra batida, entre a cama e o colchão, entre seus irmãos, irmãs e primos.
Glady fala de forma serena conforme vai virando cada página do álbum, nem parece que com tão pouca idade, ela já tenha testemunhado os piores atos que os homens são capazes de cometer. Ela conta que já foi arrastada para fora de um ônibus em chamas enquanto lá dentro havia ainda mulheres gritando por socorro. Ela foi forçada a ver pessoas que ela conhecia serem mortas, uma por uma. Com delicadeza, Glady sinaliza resignação. Ela diz não compreender os motivos pelos quais continua viva.