Do desespero à esperança
Do desespero à esperança
“Você quer ouvir a minha história? Infelizmente, é uma das boas”.
É assim que Ivan inicia a conversa sobre os terríveis acontecimentos que forçaram ele e sua família a deixar a Guatemala em busca de refúgio no México. Hoje, eles estão em um pequeno hotel em Tapachula, no México, que foi alugado pelo ACNUR e está sendo usado para abrigar refugiados. Ivan se senta próximo à entrada do hotel. Sua esposa está ao seu lado, com os olhos cheios de lágrimas, já emocionada com a história que está prestes a ser contada.
“Nós tínhamos muitos filhos”, ele começa. “Conforme eles cresceram, o MS e o Mara 18 (gangues locais) começaram a nos perseguir. Um dia, nosso filho mais velho, de 19 anos, estava voltando do trabalho. Ele saía do serviço às 06:30 da manhã após trabalhar no turno da noite anterior em uma fábrica de papel. Quando ele desceu na parada de ônibus às 8 da manhã, os maras estavam esperando por ele. Eles o mataram em poucos segundos com dez tiros”.
A esposa de Ivan começa a chorar discretamente. Ele a abraça, e continua contando a história.
“Depois disso, eles começaram a perseguir meu outro filho, de 18 anos. Ele era atleta e estava treinando para se tornar um jogador de futebol profissional. Naquele domingo, tínhamos assistido ele jogar diversas partidas. Em seguida, ele foi convidado para um evento na capital. Era por volta das 19:30 quando ele chegou em casa. Quase no mesmo momento em que entrou, ele recebeu uma ligação. Quando desligou, nos disse que precisava sair novamente. Fiquei preocupado, já era tarde e eu não queria que ele saísse de novo. Ele disse que voltaria logo. Eu disse que ao menos tomasse um banho antes já que havia jogado futebol durante o dia todo. Ele disse que precisava sair imediatamente, mas que voltaria dentro de dez minutos.
Ivan se cala e limpa as lágrimas de seu rosto. Ele tenta falar novamente, mas não consegue. Logo depois, ele consegue se recompor para retomar a história.
“Ele nunca voltou. Eles o mataram com dois tiros. Provavelmente ele sabia que estaríamos em risco se ele não saísse imediatamente, foi por isso que não quis nem tomar um banho. Não sabemos sequer por que isso aconteceu. Nós tínhamos estabilidade financeira, uma casa, um carro e algumas motocicletas. Talvez a nossa ‘riqueza’ tenha o tornado um alvo. Mas nunca saberemos a verdade, já que a polícia jamais investiga casos desse tipo. Um outro rapaz foi ferido quando nosso filho morreu. Ele prestou queixas e informou, inclusive, os nomes dos assassinos. Nenhuma ação foi tomada. No dia seguinte, sua casa foi incendiada. Na semana seguinte, ele morreu”.
Ivan estende suas mãos sinalizando sua impotência. “Nós achamos que eles não nos perseguiriam mais. Nosso outro filho tinha 13 anos e, por causa dos maras, nunca chegou aos 14. Ele estava em um ônibus e alguns deles começaram a perturbá-lo. A polícia disse que foi um acidente, mas claro que não foi. Ele estava em um ônibus! Algumas testemunhas nos contaram que um marero o empurrou de dentro do veículo e ele foi atropelado por um caminhão”.
Ivan e sua esposa não tinham planos de deixar a Guatemala. Eles amavam o país e haviam construído uma boa vida por lá. Ivan trabalhou muito para comprar uma casa para que sua família se sentisse segura. Ele só queria viver em paz. Mas depois de ter três filhos assassinados, como ele poderia continuar lá?
O filho caçula, Andres, agora corria muito perigo. Os maras tentaram recrutá-lo e enviaram uma mensagem muito clara: se ele não aceitasse, teria o mesmo destino de seus três irmãos. Andres corria risco iminente – se não se juntasse à gangue, morreria. E caso se juntasse, a gangue rival o mataria. Ivan não arriscaria a vida de seu único filho sobrevivente. Eles partiram naquele mesmo dia levando apenas as roupas do corpo.
Eles pretendiam ir direto para a Cidade do México. Mas foram roubados durante o percurso, e o dinheiro que sobrou era suficiente apenas para que chegassem até Tapachula, cidade localizada próximo à fronteira com a Guatemala.
“O período em que ficamos detidos foi uma tortura”, conta Ivan, com a voz embargada. “Estávamos fugindo dos maras, porém nos encontrávamos em um local onde eles tinham acesso. Era muito perigoso. Não estava apenas com os meus filhos, mas também com os meus netos. Até Pablo, o mais novo, corria riscos. Ele poderia ter sido recrutado como um informante pelos maras no centro de detenção. Crianças são consideradas perfeitas para traficarem drogas, já que a lei não se aplica a eles. Por esse motivo, as gangues os forçam a deixar a escola e trabalhar para eles. Para evitar essa situação, os pais são obrigados a manter seus filhos em casa”.
Quando o ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) descobriu essa família no centro de detenção, solicitou às autoridades locais para que fossem soltos e conseguiu que fossem encaminhados para o hotel onde estão agora. O ACNUR os ajuda por meio do programa de assistência financeira, que permite a eles pagar o quarto do hotel e comprar comida até encontrar uma casa ou apartamento para alugar.
“Estamos muito gratos pelo que temos agora. Somos nove pessoas em quatro quartos”, diz Ivan. “No centro de detenção não podíamos ficar juntos. Estamos aqui há 13 dias. O gerente do hotel tem sido muito gentil conosco”.
Quando perguntamos se ele se sente seguro aqui no México, Ivan balança a cabeça de forma negativa. Essa parte do México é tão próxima da Guatemala que ele imagina que os maras estarão logo ali, à espera. O que ele mais deseja é ir para um lugar mais distante, onde possa se sentir seguro.
Seus olhos se perdem nas memórias quando lembra de tudo que deixou para trás. “Eu não paguei a conta de luz, a energia já deve ter sido cortada. Talvez nossa casa tenha sido ocupada, é isso que normalmente acontece nesses casos”.
Ele respira profundamente para conter as lágrimas. “Minha filha continua lá. Ela morava longe da gente e não pudemos espera-la. Isso parte o meu coração”.
* Todos os nomes foram alterados por motivos de proteção.