Sobre abrigos e recomeços

Durante uma recente missão ao México, visitei dois abrigos para migrantes e refugiados em Tapachula. A cidade, que está localizada ao sul do país e próxima à fronteira com a Guatemala, é onde milhares de crianças chegam após fugirem dos atos de violência em países do Triângulo Norte da América Central.

Nossa visita começou com Anna Bertha, a diretora do Daily Center for Migrant and Refugee Children, um centro de acolhimento para crianças migrantes e refugiadas. Como o próprio nome sugere, é um centro que funciona durante dias úteis, das 9 às 15 horas, e que serve café da manhã e almoço para crianças e suas mães. Durante os finais de semana, o centro abre apenas para lanches e serve principalmente crianças de rua que chegam para comer algo e tomar banho – um porto seguro que eles não encontram em nenhum outro lugar. 

Quando as crianças chegam pela manhã, elas recebem uma refeição com ovos, batatas e atole (uma bebida feita de arroz, água e canela). Depois do café da manhã, eles iniciam as atividades, recebem aulas, lições sobre higiene e têm a oportunidade de conversar sobre sua situação e seus direitos como crianças. Há apenas uma professora para todas as crianças – que algumas vezes chegam a 20 – e ela utiliza a grade curricular mexicana com o objetivo de tentar prepara-los para ingressarem nas escolas regulares do México.

O almoço costuma ser sopa, tortilhas e arroz. O ACNUR é muito presente aqui: toda comida é oferecida pela Agência da ONU para Refugiados com o apoio do governo. O ACNUR também fornece material escolar, itens de higiene pessoal como escovas de dente e sabão, além de roupas e calçados. As crianças aprendem a importância de uma boa higiene e como podem cuidar de si mesmas. Muitas delas chegam apenas com a roupa do corpo, a mesma que usaram durante a difícil jornada.

Anna nos conta que apenas no último ano houve um aumento de 90% no número de crianças que chegaram ao centro. Os suprimentos que eles dispõem não são suficientes para prover as demandas. Há infiltrações no teto e, na falta de uma pia apropriada, eles estão lavando pratos em bacias de plástico.

Mas para Anna, as crianças merecem todo o esforço que ela e sua equipe empreendem todos os dias. Ela se lembra de uma menininha em especial, Sofia, de 12 anos. A mãe de Sofia trabalhava como prostituta em Honduras. Um dia, sua mãe lhe disse o que nenhuma criança jamais deveria ouvir: que Sofia já tinha idade suficiente para se tornar prostituta também.

Anna já conhecia um pouco da história de Sofia. Ela sabia que sua mãe havia sido estuprada por um “coiote” (um traficante) e que Sofia era fruto desse ato. Ela se ressentia da filha desde que nascera.

Quando Sofia disse a Anna que em breve seguiria os passos de sua mãe como prostituta, Anna tomou algumas medidas. Ela convenceu a mãe de Sofia a mandar a menina para um abrigo permanente, onde ela pudesse receber assistência apropriada. Anna visita Sofia de forma regular e nos conta com satisfação que ela continua lá, está segura e estudando. A mãe também desistiu da prostituição e tem trabalhado bastante para melhorar de vida.

“Eu quero que estas crianças tenham sonhos”, diz Anna. “Eu quero que eles tracem seus projetos de vida, sempre buscando o melhor”.

Saindo do abrigo de Anna, fomos a um outro chamado Aldea Arcoiris, que foi aberto no início deste ano para receber o grande fluxo de pessoas que fugiam de atos de violência em seus países. Esse abrigo se destaca por uma razão muito especial: oferece capacitação técnica para solicitantes de refúgio e migrantes.

Em três meses, eles podem se especializar e receber certificados de culinária, alfaiataria, técnicas de salão de beleza, informática e conserto de aparelhos de ar condicionado. Além disso, recebem um visto temporário. O abrigo também dispõe de uma creche para que os pais possam receber treinamento tendo a certeza de que seus filhos estão sendo bem cuidados.