Família congolesa deixa tragédia para trás e recomeça a vida na França
Família congolesa deixa tragédia para trás e recomeça a vida na França
CIDADE DO CABO, África do Sul, 19 de maio de 2017 – Bora tem apenas 24 anos, mas seu rosto traz marcas de cansaço e angustia. Ela fugiu do conflito na República Democrática do Congo quando ainda era adolescente, depois que seus pais foram assassinados, e tentou começar uma vida nova na África do Sul.
Alguns anos depois e agora mãe de duas crianças, ela presenciou o assassinato do marido e do irmão, que ela tinha acabado de reencontrar após uma longa separação.
Apesar disso, a Bora hoje é feliz. Ela e o filhos, Amina, de 5 anos e Ibrahim, de 7 anos, estão deixando uma casa perto da Cidade do Cabo para começar uma vida nova na França, por meio de um programa do ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, de reassentamento para refugiados mais vulneráveis.
Logo antes de partir, Bora foi entrevistada pela equipe do ACNUR em sua casa perto do município de Delft. Ela descreveu a xenofobia crescente na África do Sul e contou como aprendeu a conviver com o medo.
“Meu marido foi assassinado, depois meu irmão. Eu não sei por que”, ela conta, enquanto Amina, que tem deficiência auditiva e o irmão, Ibrahim, brincavam por perto. “Desde então, tenho medo toda vez que me olham”. Em Delft, é melhor evitar chamar a atenção, especialmente se você é estrangeiro.
A Bora cresceu na cidade de Uvira, na província congolesa de Sud-Kivu, na costa norte do Lago Tanganyika. Depois que seus pais foram assassinados, ela procurou abrigo com o tio e, aos 15 anos, decidiu fugir do conflito. Ela embarcou em uma odisseia de cinco meses que a levou para a África do Sul.
“Foi uma guerra, meu pai estava morto, minha mãe estava morta”, ela conta. “A vida era difícil. Eu me sentia mal, estava estressada. As vezes não conseguia comer”.
Ela atravessou a Tanzânia, onde passou um mês na prisão por não ter documentos de identidade. Depois de ser liberada, ela continuou sua jornada, a pé, de barco e de trem, parando em Malaui no caminho. Finalmente chegou à África do Sul depois de ter perdido contato com a irmã e os dois irmãos.
Ela chegou no município de Philippi, perto da Cidade do Cabo, onde um refugiado congolês, Rusiga, a colocou sob seus cuidados e a ajudou a encontrar acomodação e solicitar refúgio. Se casaram e mudaram-se para Delft pouco tempo depois, onde abriram um negócio.
Rusiga tomava conta de um pequeno salão e abriu uma loja de conveniências improvisada para ela, onde Bora vendia bebidas e doces. “Mas, com a loja vieram os problemas. Sempre havia ladrões na casa”.
Bora olhou para o lado e baixou a voz enquanto descrevia como foi atacada por três homens armados que abordaram o carro da família na entrada da casa. No ataque, o seu marido foi baleado e morto. “Amina ainda era um bebê nos meus braços. O Ibrahim tinha três anos e estava sentado no banco de trás”, ela lembra. Os atacantes rodearam o carro e atiraram no marido, mas ela conseguiu correr para dentro da casa com a Amina, escondendo-se no banheiro. Os agressores pegaram Ibrahim e o espancaram.
O menino conseguiu fugir e juntar-se a mãe enquanto os ladrões fugiam com o carro. O marido, que estava gravemente ferido, conseguiu se arrastar pela rua para tentar falar com as pessoas que passavam. Ele entregou o celular para um desconhecido para que ele chamasse uma ambulância, mas o estranho fugiu com o aparelho.
A Bora o encontrou deitado no meio da rua coberto de lama e sangue. “Ele me disse: ‘Cuide das crianças. Acho que estou morrendo’”. Bora procurou ajuda, “mas ninguém me ajudava. Ninguém”.
Depois da morte do marido, seu irmão, que vivia em Durban, veio viver com ela para ajudá-la a cuidar das crianças. Um ano se passou e as coisas pareciam melhorar para a família e Bora tentava deixar a tragédia para trás.
“Um dia eu estava em casa e me ligaram falando que meu irmão tinha levado um tiro. Fui para o hospital, mas já era tarde demais”.
A morte do irmão foi demais para Bora. Ela entrou em depressão e um amigo sugeriu que ela procurasse ajuda psiquiátrica. Bora foi ao Centro de Trauma para Sobreviventes de Violência e Tortura na Cidade do Cabo, o que a levou ao escritório local do ACNUR.
Quando ela contou sua história, os representantes do ACNUR se deram conta que a família se encaixava no critério de vulnerabilidade da agência. Um caso foi aberto para seu reassentamento e a França aceitou a solicitação um mês depois.
“A França pede que enviemos os casos mais vulneráveis, como casos com problemas de proteção e com necessidades médicas especificas. Casos fortes, quantificáveis e justificáveis. Querem ter certeza que essas pessoas são realmente refugiadas. Também pegam casos com necessidade de reassentamento urgente”.
Apesar de Bora ter receio do desconhecido e de saber pouco sobre a França, ela está feliz que vai embora. “Às vezes tenho medo e às vezes fico feliz. Neste momento estou muito feliz”.
A hora de partida se aproxima. Bora e seus filhos estão arrumados para ir ao aeroporto e são escoltados por um oficial da Organização Internacional de Migração, Zoe Rohde, que os ajuda a organizar as malas.
Bora diz, olhando para trás, “Estou feliz de sair de Delft, mas triste por ter que deixar meus amigos e meu outro irmão”.
Ela gostaria de visita-los um dia, “mas não em Delft, não quero voltar para cá, este lugar não é seguro”.
No aeroporto, Bora se despede dos amigos e vira as costas para o seu passado. Ela caminha pela porta de embarque e vai direto para sua nova vida.