Refugiada transexual encontra segurança na Argentina
Refugiada transexual encontra segurança na Argentina
BUENOS AIRES, Argentina, 24 de janeiro de 2016 (ACNUR) - Ela sempre soube que era Alina, mas nasceu em um lugar onde os padrões culturais da sociedade não permitiriam que ela se desenvolvesse livremente da forma que escolheu.
Alina nasceu e cresceu no seio de uma família tradicional. Como filha única, seus pais quiseram oferecer a ela a melhor educação e qualidade de vida. Quando Alina começou a frequentar a vida escolar e social entendeu que não poderia ser quem sentia ser. Na escola, os colegas a julgavam e discriminavam por ser diferente. Todo mundo pensava que ela era um menino afeminado. Transgênero não era um termo aceito socialmente.
Sua família, ao contrário, sempre a apoiou e deu liberdade para tomar suas próprias decisões. "Quando expliquei para minha mãe que queria operar, foi um choque e ela custou muito a entender e aceitar. Mas me acompanhou em uma das decisões mais importantes da minha vida", destacou Alina.
Com uma grande capacidade de adaptação, força, superação e apoio incondicional da sua família e amigos, Alina decidiu entrar para a faculdade de Medicina, onde conheceu amigos que a entenderam e a acompanharam na parte mais difícil de seu caminho.
Sua família recebeu ameaças e foi discriminada por causa da sua identidade de gênero. Teve que enfrentar uma série de obstáculos burocráticos porque não queriam deixá-la entrar na faculdade de Medicina. Para ingressar na faculdade, é necessário passar por uma comissão médica. O psiquiatra não queria permitir o ingresso dela e ela precisou iniciar um processo judicial. Finalmente, depois de muitos meses a aceitaram.
Em junho de 2013, o parlamento de seu país aprovou uma lei federal que proíbe "a divulgação" da homossexualidade, que condena a difusão de qualquer informação positiva sobre homossexualidade com multas e penas de prisão. Esta discriminação, baseada na orientação sexual e identidade de gênero, teve como consequência a mobilização e protestos de grupos LGBTI e ativistas de direitos humanos, que pediram às autoridades que "deixassem de alimentar a homofobia" e manifestaram sua preocupação frente ao crescente aumento de atos de violência e agressão contra o grupo LGBTI. Alina sentiu medo.
Dois meses depois, com 25 anos, Alina decidiu sair de seu país e chegou sozinha à Argentina. Na manhã seguinte a sua chegada, Alina foi até o escritório do ACNUR, que explicou a ela o procedimento para solicitar a condição de refugiada e encaminhou-a ao Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE).
"Ela é muito perseverante, disciplinada, persistente e sabe o que quer. Desde o primeiro dia ela veio com um tablet, já sabendo a dificuldade que seria se comunicar, e não delegou esta tarefa a ninguém. Chegou com todos os seus títulos, tratou de comunicar-se de todas as formas possíveis, mostrava seu currículo, suas medalhas de menina-prodígio, que já era algo único" destacou Valeria Allo, Oficial de Elegibilidade do CONARE.
Durante as entrevistas iniciais comunicou-se por meio de um tradutor on-line e em poucos meses aprendeu o castelhano, também foi reconhecida como refugiada e obteve seu documento de identidade.
Ela agora se sente uma pessoa completa, cheia de projetos e com um lugar na sociedade. Sente que sua contribuição profissional é reconhecida no hospital onde trabalha como médica sanitarista. Todos a conhecem, a respeitam e a valorizam. Ela atende casos de saúde mental, e a maioria de seus pacientes são da terceira idade, pessoas que sofrem violência doméstica e mulheres jovens, que sofrem de transtorno de ansiedade ou outras patologias. Ela divide seu tempo livre com amigos, gosta de jogar tênis e sair para dançar. Sente falta de sua família e amigos próximos, mas diz que na Argentina se sente mais segura e sente que se tivesse ficado no seu país natal não poderia ser quem ela é hoje.
Em 2012, a Argentina promulgou uma lei sobre identidade de gênero que promove o livre desenvolvimento da pessoa, conforme sua identidade de gênero, sendo recolnhecida por instrumentos legais, no que se refere ao nome de batismo, imagem e sexo conforme é registrada, e cobertura com seguro médico para intervenção cirúrgica completa ou parcial, assim como o tratamento hormonal.
"Não sofri tanto pois estava muito feliz por me sentir livre do passado e isso me dava energia para seguir em frente", explicou. Sua solidariedade e vocação para a ajuda também a levou a colaborar com outros refugiados que precisam de alguma orientação, informação ou tradução no momento das entrevistas. Desta maneira, ela sente que pode retribuir um pouco daquilo que recebeu quando recém-chegada.
Na Argentina, ela sentiu que as portas estavam abertas, embora reconheça que "ainda há muita coisa a ser melhorada em questões de descriminação dentro da sociedade".
Por Luciana Marchen em Buenos Aires, Argentina.