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Perguntas e respostas: a maioria dos refugiados são ‘surpreendentemente resilientes’ e não estão traumatizados

Comunicados à imprensa

Perguntas e respostas: a maioria dos refugiados são ‘surpreendentemente resilientes’ e não estão traumatizados

Perguntas e respostas: a maioria dos refugiados são ‘surpreendentemente resilientes’ e não estão traumatizadosAs palavras ‘trauma’ ou ‘traumatizado’ são frequentemente utilizadas para descrever refugiados, mas o Chefe de Saúde Mental do ACNUR, Pieter Ventevogel, afirma que, na realidade, a maioria deles consegue lidar muito bem com as adversidades.
12 Janeiro 2017

GENEBRA, 12 de janeiro de 2016 – Para aqueles que têm a sorte de viver com conforto e segurança, é difícil de imaginar o impacto psicológico de ser expulso de sua casa devido a guerras, perseguições ou desastres. A palavra ‘trauma’ é frequentemente utilizada para descrever os efeitos angustiantes da fuga e suas consequências sobre as pessoas que foram forçadas a se deslocar, embora a realidade seja ainda mais complexa. Estudos em saúde mental revelam que a grande maioria reage com "sofrimento normal" ao deslocamento. Uma menor proporção, não mais do que uma a cada cinco pessoas, apresenta formas leves ou moderadas de problemas mentais, incluindo Transtorno de Estresse Pós-Traumático (ETPT) moderado. Cerca de 3 ou 4% sofrem de transtornos mais sérios, como bipolaridade ou psicose. O Oficial Sênior de Saúde Mental do ACNUR, Pieter Ventevogel, encontrou-se em Genebra com Tim Gaynor, editor do website global, para falar sobre a realidade dos transtornos psicológicos causadas pelo deslocamento forçado.


De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a vasta maioria dos milhões de pessoas que foram forçadas a se deslocar descrevem ao fato de terem deixado seus lares, trabalhos, e algumas vezes até mesmo suas famílias, como ‘sofrimento normal’. Qual é a reação normal de perder tudo?

Pessoas que foram forçadas a se deslocar ou que estão vivendo outros tipos de emergências humanitárias muitas vezes enfrentaram situações horríveis, e não há dúvida sobre o quanto isso as deixam infelizes. O que você sentiria se sua casa fosse destruída, se você tivesse que fugir, ou se seu mundo social colapsasse? O que vemos é que muitas pessoas – por exemplo na atual crise de refugiados – estão chateadas, angustiadas, têm problemas para dormir, se sentem irritadas e tristes. Eu acho que tudo isso é completamente compreensível e está longe de ser anormal, já que as pessoas continuam seguindo com suas vidas. Essa é uma reação previsível e compreensível que irá diminuir ou mesmo desaparecer quando as coisas melhorarem.


Você se surpreende com a resiliência dos refugiados?

Muito. Quando estou visitando campos ou assentamentos de refugiados, frequentemente me pergunto ‘O que eu faria nessa situação? Eu seria capaz de lidar com toda a pobreza, falta de perspectivas e de serviços básicos?’. Sim, eu me surpreendo com a resiliência dessas pessoas e com a forma que elas são capazes de seguir e prosperar em meio a tantas adversidades. Muitas vezes elas são capazes de fazer algo de suas vidas e isso é incrível. A questão é que temos que incentivar isso. Esperar até que a comida seja distribuída ou que uma casa seja oferecida não é bom para as pessoas. Isso as torna dependentes, faz com que percam sua vitalidade. Atualmente, estamos falando sobre o envolvimento dos refugiados na resposta à ajuda humanitária e, para mim, essa talvez seja uma das mais importantes intervenções de saúde mental que podemos oferecer.

 

Enquanto muitas pessoas se mostram notavelmente fortes, o deslocamento forçado pode causar danos psicológicos. Na parte mais branda do espectro, que tipo de distúrbios são mais comuns?

Nós não temos dados muito precisos pois os contextos são muito diferentes. A situação dos refugiados de Darfur no Chade é muito diferente da situação dos refugiados rohingya em Bangladesh. De modo geral, o que podemos dizer é que cerca de 15 ou 20% de pessoas deslocadas têm problemas de saúde mental, e a maior parte deles na parte mais branda do espectro.

Eu acho que os problemas de saúde mental mais graves entre os refugiados estão ligados à dor da perda, que muitas vezes pode levar à depressão.

As pessoas perderam muitas coisas – tanto pessoas queridas, quanto recursos materiais e imateriais, status, ‘ser alguém’. Refugiados tiveram muitas experiências de perda. Para mim, essa é realmente a questão central nos problemas de saúde mental específicos de refugiados.

 

A palavra "trauma" é frequentemente usada pelos meios de comunicação para descrever o estado psicológico daqueles que foram desarraigados pela guerra e perseguição. Quão exato é o termo?

Existe uma diferença entre ter vivido situações horríveis e ‘estar traumatizado’. Para mim, em termos clínicos, estar traumatizado significa algo muito específico. O principal sentimento no ETPT é, conforme a própria palavra descreve – o estresse. As pessoas permanecem estressadas em uma situação onde o fator de estresse não existe mais. Isso leva a vívidas lembranças do que aconteceu. Então as pessoas sonham e pensam sobre isso o tempo todo. A situação que eles não querem volta para eles. É uma síndrome muito distinta, e eu acho que esse termo não é exato para rotular uma população inteira, que acaba sendo rotulada como mentalmente doente. Implicitamente você diz que há algo errado com essas pessoas, e elas precisam de ajuda. Podemos usar outras palavras em vez de trauma. Podemos dizer que as pessoas experimentaram coisas ruins, que elas perderam muito - isso traz uma conotação menos patológica.

 

Em alguns contextos, as pessoas vão experimentar graves transtornos mentais, como psicose, depressão grave ou transtorno bipolar. Como o impacto adicional do deslocamento os afeta?

Uma pessoa com esse tipo de vulnerabilidade pode permanecer sem esses sintomas quando o ambiente ao seu redor é bom. Por isso, imagine uma pessoa vivendo em uma vila ou uma cidade com a sua família, em uma situação estável, ele conhece as pessoas ao seu redor e as pessoas o conhecem. Está tudo indo bem. Agora imagine que essa pessoa teve que fugir porque tudo a seu redor foi destruído, pessoas estão sendo mortas, e que foi viver em campos de refugiados, com pessoas desconhecidas. Todos os elementos de segurança que faziam parte da vida desta pessoa não existem mais. Isso pode levar essa pessoa a obter os sintomas de um transtorno mental grave. Em toda sociedade existem pessoas com transtornos mentais graves, cerca de 2 ou 3%, e vemos que em ambientes de refugiados ele vai até 3 ou 4%. Ainda não são muitas pessoas, mas esse número continua subindo. Isso é importante, porque é uma questão de proteção. Pessoas que têm transtorno bipolar são realmente muito vulneráveis aos abusos dos direitos humanos e muitas vezes não podem se defender facilmente.

 

O que pode ser feito para identificar e atender às suas necessidades?

As pessoas que têm desordens mentais mais severas precisam ter acesso a tratamento médico apropriado. Eles precisam ser examinados por um psiquiatra, um enfermeiro especialista em psiquiatria ou algum profissional de saúde mental. O problema é que em muitos locais em que trabalhamos, não é fácil encontrar esses profissionais. Então o que precisa ser feito, na minha opinião, é treinar não-especialistas. Chamamos isso de transferência de funções. Isso significa que em todos os centros de saúde, ao menos um médico ou enfermeiro precisa ser treinado para identificar e lidar com pessoas que apresentem problemas de saúde mental. Isso não tem que levar cinco ou seis anos conforme é necessário para se tornar um psiquiatra. Você pode fazer treinamento breve, muito focado, para que os não-especialistas possam ser eficazes.

Um outro ponto é motivar pessoas a procurar tratamento. Pessoas com desordens mentais severas podem não conseguir procurar ajuda por conta própria. Então é necessário trabalhar em proximidade com líderes comunitários, e algumas vezes com líderes religiosos e grupos de mulheres, de jovens, para identificar pessoas de suas comunidades que sofrem de problemas mentais severos, ajuda-los a ter acesso ao tratamento e ajudar as famílias a assisti-los e motiva-los a buscar tratamento. Eu acredito que as intervenções mentais mais poderosas não são médicas, mas sim relacionadas ao empoderamento de pessoas e ao fortalecimento do apoio dentro das comunidades de refugiados. Não devemos nos esquecer que as comunidades de refugiados são, de certa forma, comunidades artificiais. Elas se formaram por acaso, por acidente. Por isso precisam de ajuda para recriar conexões sociais. Essa deveria ser a primeira medida a ser tomada. Como médico, tenho percorrido um longo caminho. Não se trata apenas de curar o que está dentro da mente, por mais importante que seja, mas também ajudar a desenvolver as relações entre as pessoas. 

Dentro do ACNUR este é um dos elementos centrais do que chamamos de Proteção Baseada na Comunidade. Você pode encontrar mais informações sobre saúde mental e apoio psicossocial para refugiados e outras pessoas de interesse aqui.