Arteterapia ajuda a afastar pesadelos de menino que fugiu da guerra
Arteterapia ajuda a afastar pesadelos de menino que fugiu da guerra
MONTREAL, 11 de outubro de 2016 (ACNUR) – Uma espécie de bicho-papão frequentemente aparece nos pesadelos de Miguel*, de seis anos, que nasceu e passou sua primeira infância em uma região da Colômbia impactada pelo conflito.
Atualmente reassentado no Canadá, durante uma sessão de arteterapia, Miguel pegou um pouco de massinha de modelar e fez dela uma gaiola. Com pregos cuidadosamente moldados e posicionados, ele domina o “vilão” que está preso na gaiola, sua terapeuta explica.
“As bolinhas que ele faz com a massinha simbolizam os pregos que mantêm o vilão retido, evitando que ele saia”, disse Julia*, quem conduz as sessões semanais que têm duração de uma hora.
A avó de Miguel foi morta por rebeldes na guerra civil da Colômbia que já dura 52 anos, forçou o deslocamento de mais de sete milhões de pessoas dentro do país e fez com que centenas de milhares de pessoas – como Miguel, sua mãe e seus dois irmãos – buscassem refúgio em outro país.
“Problemas de saúde mental podem ser conceitos abstratos para pessoas que não tiveram contato direto com refugiados”.
A história imaginária que se desenvolve dentro da segura, calma e iluminada sala de uma organização sem fins lucrativos em Montreal é uma abordagem criada pelo menino para lidar com os medos e a ansiedade que o acompanharam ao longo de sua vida. Nesta atividade, de acordo com a terapeuta, ele se torna aquele que detém o poder e garante que o vilão não poderá mais assustá-lo.
Atualmente, existem 65,3 milhões de pessoas deslocadas por violência e perseguição pelo mundo, um número sem precedentes. Enquanto não há dados concretos sobre a quantidade de pessoas afetadas por traumas psicológicos, está comprovado que refugiados e solicitantes de refúgio no Canadá e em todo o mundo passaram por momentos muito difíceis incluindo guerras, torturas, violência, perseguições, trabalhos forçados e separação familiar.
Pesquisas apontam que essas experiências adversas podem contribuir para que os refugiados desenvolvam uma série de problemas de saúde mental como a depressão e a ansiedade, dificuldades comportamentais e distúrbios provocados por traumas, incluindo estresse pós-traumático. Alguns, como é o caso de Miguel, estão recebendo ajuda.
Os sintomas psicológicos do garoto começaram a se manifestar quando ele tinha dois anos de idade, explicou Maria*, sua mãe. Na época, ela e seus três filhos viviam em Nariño, no sudeste da Colômbia, uma área tomada pelo conflito – atualmente suspenso pelo cessar fogo estabelecido pelo acordo de paz entre o governo e os grupos rebeldes.
Quando ela ainda estava grávida de Miguel, sua mãe foi morta pelos rebeldes, e isso a deixou emocionalmente abalada. A violência dos rebeldes forçou a família a deixar o país e buscar refúgio no Equador, país vizinho, um pouco antes de Miguel completar três anos de idade.
“Conforme ele crescia, seu comportamento foi se tornando imprevisível. Eu sabia que tínhamos que fazer alguma coisa a respeito. Ele poderia se auto flagelar ou ter ataques de raiva sem motivos aparentes”, lembra-se Maria. “Ele tinha medo e estava sempre ansioso. Ele não conseguia ficar perto de pessoas e nem mesmo brincar com crianças da sua idade”.
Incapaz de lidar com a situação, Maria decidiu buscar ajuda em Quito, capital do Equador, mas não havia apoio psicossocial disponível. Quando a família foi reassentada no Canadá, em 2014, Miguel foi diagnosticado com distúrbio pós-traumático e ele finalmente conseguiu a ajuda necessária durante suas visitas a RIVO, uma organização sem fins lucrativos localizada em Montreal que oferece ajuda especializada para refugiados que sofrem as consequências da violência. Em RIVO, Miguel pode desenhar, fazer arte, brincar com massinha de modelar e trabalhar seus medos com a ajuda de sua terapeuta.
“Problemas de saúde mental podem ser um conceito abstrato para pessoas que não tiveram contato direto com refugiados que sofrem distúrbios psicológicos”, disse Veronique Harvey, porta-voz e terapeuta da RIVO.
“Promover a conscientização sobre as feridas emocionais é tão importante quanto torna-las visíveis”.
“É por isso que promover a conscientização sobre as feridas emocionais é tão importante quanto torna-las visíveis para a sociedade e os governantes. Nem sempre é possível compreender as situações pelas quais as pessoas com doenças mentais passaram, mas precisamos ouvir, dar apoio e ajuda-las a reconstruir suas identidades e autoestima”, acrescentou.
A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), considera a saúde mental e o apoio psicossocial partes fundamentais do seu mandado de proteção e se esforça para integrar propostas básicas em seus programas. O ideal seria que o apoio psicológico para crianças como Miguel já fosse iniciado logo nos país de primeiro refúgio.
O apoio terapêutico que recebe em Montreal permite que Miguel enfrente e trabalhe seus sentimentos de agonia e consiga lidar com eles da melhor forma possível. Além de combater seus medos utilizando massinha de modelar, desenhar permite que ele encare seus sentimentos de isolamento e raiva, estabelecendo uma conexão entre seu comportamento e sua interação com outras pessoas.
No começo, Miguel estava relutante em participar das sessões de terapia, que já acontecem há nove meses. A maior prova de que o processo trouxe benefícios é que ele já está preocupado que as sessões estão chegando ao fim. Ele já se acostumou a trabalhar com Julia, sua terapeuta, e se sente seguro com ela. “Tenho tentado explicar para ele que não depende de mim”, diz Maria, que também é muito grata. “Eu vivo dizendo para ele que iremos conversar com Julia sobre seus planos de encerrar a terapia”.
*Os nomes foram alterados para proteger os entrevistados.