“Todos ganhamos”: A história de dois refugiados empreendedores no Chile
“Todos ganhamos”: A história de dois refugiados empreendedores no Chile
SANTIAGO, Chile, 05 de fevereiro de 2016 (ACNUR) – Husam é de origem palestina e com um grande sorriso no rosto conta como sua vida mudou desde que teve que deixar seu país, em 2003. Por outro lado, Andrés, outro refugiado, mas de origem colombiana, entristece-se quando relata o quão difícil foi sair de seu país e chegar sozinho a um lugar desconhecido.
Seus países de origem estão respectivamente no Oriente Médio e na América Latina, com idiomas e costumes muito diferentes. Entretanto, Husam e Andrés apresentam uma realidade comum: ambos tiveram que abandonar seus países porque suas vidas corriam perigo. Hoje vivem em Santiago, no Chile, na América do Sul, onde puderam refazer suas vidas e empreender um negócio próprio.
Husam, sua esposa Hadil e seus dois filhos, todos eles de origem palestina, viviam como refugiados no Iraque e tiveram que partir novamente porque a guerra da Síria chegava até a fronteira de onde estavam, no acampamento de Al-Tanf, localizado no meio do deserto e onde viviam há dois anos, junto com outros 1.300 refugiados palestinos entre 2003 e 2010. Segundo o relatório “World at War” do ACNUR, que descreve as tendências globais do deslocamento forçado em 2014, existem 97.235 refugiados palestinos sob o mandato da Agência da ONU para Refugiados.
Andrés foi forçado a deixar sua cidade porque grupos armados não oficiais mataram seu irmão em 2007. Ele e sua família estavam sendo ameaçados e perseguidos na Colômbia e não puderam ficar mais no país, que vive um conflito interno armado há mais de 50 anos.
De acordo com o relatório do ACNUR mencionado acima, há no mundo 103.150 refugiados colombianos e 6.004.151 deslocados internos, configurando a maior crise humanitária da América Latina.
“O que aconteceu com o meu irmão foi a raiz da insegurança que nós vivíamos. A questão da segurança em meu país é grave. É precário. Lá as pessoas tem que sair e deixar tudo para traz. Isso foi o que aconteceu com a gente”, descreveu Andrés. “Você tem que dar uma parte do seu salário, chamam isso de ‘vacina’. Meu irmão trabalhava como motorista de ônibus e como em uma ocasião não quis pagar, essa decisão lhe custou a vida”.
Assim aconteceu com Andrés em 2009, por meio de seus próprios recursos, e com Husam em 2008, através do programa do ACNUR de Reassentamento Solidário, os dois chegaram ao Chile em busca de uma vida melhor.
Este programa de Reassentamento Solidário faz parte do Plano de Ação do Brasil, firmado entre os Governos da América Latina e do Caribe para fortalecer a proteção internacional das pessoas refugiadas, deslocadas e apátridas no continente.
Husam e sua familia estão entre as 28 famílias reassentadas no Chile no início de 2008 e fazem parte dos 1.514 refugiados que foram reassentados no cone sul, entre 2005 e 2015. Para ter êxito em sua integração, foi elaborado um projeto ao longo de dois anos, que inclui o ensino do idioma espanhol, a inserção no mercado de trabalho e a facilitação de meios para compra de habitação por meio de subsídios estatais. Esta iniciativa foi planejada e implementada por meio da cooperação entre o Ministério do Interior e de Segurança Pública do Chile, o ACNUR e a Vicaría para a Pastoral Social (VPS).
“Viemos ao Chile sem nada; sem falar o idioma, sem documentos. Chegamos para fazer uma nova vida, trabalhar e viver tranquilos. Então, fizemos as coisas da maneira correta, para caminharmos felizes por toda a vida. Primeiro, os documentos, depois entendemos o idioma. Por isso conquistamos a empatia de todos”, conta Husam emocionado.
Do lado de dentro do balcão do Don Shawarma, um restaurante de comida árabe onde a especialidade é o Shawarma, que consiste em finas lâminas de carne cozida, envolta por um pão achatado com vegetais e temperos, Husam, chefe internacional, fala com seus empregados e relata: “Graças a Deus, a ajuda dos meus amigos e um dinheiro que eu tinha guardado com a minha família, abrimos este local há 8 anos de forma independente. Trabalho com mina esposa, tenho cinco funcionários (entre eles chilenos e colombianos) e a mina filha fica no caixa”, brinca ele enquanto olha sorrindo para sua pequena filha nascida no Chile. O local abre durante o dia e já tem ‘fartos clientes’ porque, como explica o empreendedor, trabalha-se “como deve ser, com respeito, com bom sabor. Tomara que consigamos abrir um outro local”, projetou.
Com menos planos, mas com a mesma atitude empreendedora de seguir em frente, Andrés recebeu em 2012 um “apoio de micro-empreendimento” para abrir seu salão de beleza, financiado pelo Programa de Assistência para Refugiados do Ministério do Interior e Segurança Pública do Chile, que administra a Fundação de Ajuda Social das Igrejas Cristãs (FASIC, sigla em espanhol), agência esta parceira do ACNUR.
Desde criança o chamava a atenção esta profissão que já a exercia como passatempo. Então, sem estudos prévios e de forma autodidata, dedicou-se a explorar o talento e usá-lo como negócio. O jovem colombiano é detalhista e quer que as pessoas que vão ao seu negócio não saiam somente com um bom corte de cabelo, mas também que se sintam cômodas e tenham uma boa experiência. Para isso, ele colocou um sofá e uma televisão para proporcionar uma espera mais agradável. Mas insiste que falta um filtro para oferecer água, outra cadeira de cabelereiro e um móvel para guardar seus acessórios.
“Aqui os chilenos não estão tão acostumados a cortar seus cabelos de maneira tão perfeita, tão detalhada, tão minuciosa e sofisticada”, explica o cabelereiro que trabalha só com tesouras.
“Faço somente cortes de homem, como por exemplo os que usam os jogadores de futebol como Arturo Vidal e Alexis Sanchez. Bem curtinho, com linhas formas. Também faço cortes clássicos: executivos, escolares. Cortes desde o mais básico, até o mais chamativo, que geralmente fazem os mais jovens que andam em grupo e gostam de chamar atenção”, descreveu.
Andrés trabalhou intensamente para deixar em boas condições seu local de trabalho. “Isso era um galinheiro, era uma garagem. Pintei as paredes, troquei o piso, mandei desenhar o anúncio. Aos poucos vou montando. Meu sonho agora é terminar de por um bom conforto a este salão de beleza, para fazer com que o cliente se sinta em casa”, conclui entusiasmado.
Por Magdalena Masseroni.
*Alguns nomes foram modificados por questões de proteção.