Mulher transgênero foge de El Salvador após perseguição e violência
Mulher transgênero foge de El Salvador após perseguição e violência
TAPACHULA, México, 15 de dezembro de 2015 (ACNUR) - Com cabelo vermelho, cuidadosamente feito, e vestida com roupas femininas, Neila (nome fictício) se destacou em um bairro de El Salvador, país devastado pelas gangues, lugar onde ela nasceu um homem.
Ela aturou os insultos, vaias e ofensas sobre sua identidade de gênero durante anos, mas foi o quarto ataque a facadas que finalmente levou esta esteticista de 26 anos de idade a fugir para salvar sua vida.
“Tudo devido ao fato da minha identidade de gênero ser diferente daquilo que é tradicional”, disse Neila, que foi esfaqueada 58 vezes nos ataques, que deixaram inúmeras cicatrizes ao redor de sua garganta e ferimentos em seu braço.
Vivendo atualmente em um quarto coletivo no Sul do México, Neila integra a um crescente número de lésbicas, gays, bissexuais, transgênero e intersexuais (LGBTI) da América Central, região conhecida como Triângulo do Norte, formada por El Salvador Guatemala e Honduras. Essas pessoas estão fugindo dos assédios e das agressões para países vizinhos como forma de manter sua própria segurança.
Entre janeiro de 2013 e março de 2014, ao menos 594 pessoas que eram LGBTI ou percebidas como tal foram mortas nas Américas, enquanto outras 176 foram vítimas de violência física grave, de acordo com um estudo realizado pela Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH) (publicação em espanhol). A CIDH também disse ter recebido relatos de que pessoas LGBTI, particularmente as mulheres transexuais, são mais vulneráveis à violência por parte de grupos armados ilegais e crime organizado na América Central.
Em Honduras, ativistas LGBTI relataram ao menos 190 assassinatos nos últimos cinco anos. Já no país de Neila, El Salvador, a organização sem fim lucrativos “Entre Amigos” relatou que 11 pessoas LGBTI foram assassinadas em 2008, 23 pessoas em 2009 e 10 pessoas em 2010. Cadáveres mostravam frequentemente sinais de agressão, tortura e estupro.
Uma onda de violência relacionada a gangues e crimes, incluindo estupro e extorsão, levou mais de 29.000 pessoas a fugir de Honduras, El Salvador e Guatemala no ano passado e solicitar o status de refugiado em 2014 em outros países da região - e entre eles estava um número crescente de pessoas LGBTI, disse a Agência da ONU para refugiados.
"Nos últimos três anos, temos visto um aumento principalmente no número de pessoas da comunidade LGBTI que estão fugindo da perseguição por motivos de gênero no Triângulo Norte da América Central", disse Mark Manly, representante do ACNUR no México.
"As pessoas gays, lésbicas e particularmente mulheres transexuais tornaram-se alvos para as redes criminosas que controlam muitos bairros. Outras sofreram graves abusos e discriminação dentro de suas famílias ou de suas comunidades", ele acrescentou.
Em 2015, até o presente momento, 13% dos casos atendidos pelo escritório do ACNUR em Tapachula eram relacionados à comunidade LGBTI. "Nosso objetivo é garantir que eles tenham informações sobre a possibilidade de pedir refúgio no México, o acesso aos procedimentos de solicitação, bem como as condições de vida seguras e dignas," disse Manly. "Se eles encontrarem proteção no sul do México, eles podem evitar o perigo extremo enfrentado pelos migrantes que viajam ao norte, na esperança de entrar nos Estados Unidos".
Devido a esta situação, o governo do México incluiu perseguição por motivos de gênero como o quinto fator para que seja reconhecido o status de refugiado no país, disse Manly. O ACNUR tem apoiado ativamente a causa na região para que os Estados garantam a segurança das pessoas que fogem por discriminação baseada na orientação sexual.
Depois de trabalhar como prostituta para conseguir dinheiro suficiente para fugir de El Salvador, Neila enfrentou um período nas ruas de Tapachula, até que dois amigos a ajudaram com comida e água e a levaram ao ACNUR.
Por enquanto, sua cama é um pedaço de papelão no chão de um quarto que ela divide com outras cinco pessoas. Seu guarda-roupa é uma corda pendurado na parede. Ela sobrevive com racionamento de cartões pré-pagos prestados pela Agência das Nações Unidas para Refugiados enquanto espera para ver se a ela será concedido o status de refugiada no México.
Segundo a própria Neila, ela não confia em ninguém e está com medo de se afastar para um lugar distante da segurança do quarto que compartilha. Ela anseia por ver sua família - sua mãe sempre foi favorável à sua identidade sexual – e se preocupa com a segurança deles em El Salvador.
"Sinto falta da minha família, e todos os dias eu temo por suas vidas, porque minha mãe foi testemunha de um assassinato enquanto ela estava vendendo sandálias na rua", disse ela. "Mas não há nenhuma maneira de tirá-los de lá."
Mais informações sobre a situação de mulheres transgênero podem ser encontradas aqui (site em inglês)
Por Francesca Fontanini em Tapachula, México