Famílias de El Salvador buscam proteção após serem ameaçadas por gangues
Famílias de El Salvador buscam proteção após serem ameaçadas por gangues
Cidade da Guatemala, 11 de dezembro de 2015 (ACNUR) – Javier e suas duas filhas adolescentes se somarão ao número crescente de pessoas que fogem da violência causada pelas gangues e organizações criminosas do Triângulo Norte da América Central (Guatemala, Honduras e El Salvador). Há um ano esta família vive na Guatemala em uma pequena habitação que acolhe a todos, com um sofá e uma cozinha pequena.
“Não tivemos outra opção senão fugir. Era impossível nos deslocar até o outro lado do país. Uma das minhas filhas foi violentada por um membro de uma gangue (marero, como são localmente chamados) e ficou grávida”, disse Javier.
Em algumas ocasiões, várias pessoas de uma mesma família são assediadas pela mesma gangue. As jovens e adolescentes, como a filha de Javier, são assediadas por mareros em suas comunidades e em muitos casos são estupradas em várias ocasiões. Além dos assédios, elas têm sua vida constantemente ameaçada e acabam fugindo, sozinhas ou em companhia de seus familiares, em direção a países vizinhos em busca de proteção.
Javier e suas filhas foram os primeiros a sair do país. Sua esposa e a outra filha continuaram vivendo em El Salvador durante um ano, mas mantiveram pouco contato com Javier. Logo a mãe de suas filhas teve que sair do país.
Em São Salvador, as explorações, estupros e assassinatos fazem parte da rotina diária. As pessoas se acostumaram a ser testemunhos da violência e das ameaças. No caso de Javier, as ameaças começaram depois que ele fez uma denúncia de roubo.
Javier era um motorista de ônibus em El Salvador. Nos últimos anos, esta profissão se tornou uma das mais perigosas nos países do Triângulo Norte devido ao roubo, tortura e assassinato contra motoristas. Se os motoristas não cumprem com a propina semanal ou denunciam as extorsões, muito seguramente terminam pagando por suas próprias vidas. Javier e seus colegas de trabalho pagavam cada um aos maras cerca de 30 dólares por semana.
Javier se lembra de levantar às 3 da manhã para ir à estação de ônibus em El Salvador todos os dias de trabalho. A estação ficava a seis quadras de sua casa. Para Javier, esses minutos eram intermináveis e a cada passo que dava ele desejava que ninguém o fizesse mal.
“Não confio em ninguém, confio somente em Deus e nas minhas filhas” disse Javier. “Quando decidi denunciar, vieram me buscar no serviço e atiraram em mim duas vezes, perto dos olhos. Consegui chegar ao hospital, mas quando saí dali me avisaram que se eu quisesse continuar vivo, era melhor desaparecer imediatamente”, relatou Javier entre lágrimas, frutos da raiva e do desespero que sentia.
Mesmo fora de seu país, a paz ainda é relativa. Alguns dos membros da gangue que o ameaçaram em El Salvador conseguiram identificar Javier e suas filhas por meio de suas redes e o ameaçaram, dando-lhe cinco dias de vida. “Quero viver em um lugar seguro, não peço nada mais. A violência me persegue por todos os lados”, disse Javier.
A história de Caterina não é muito diferente da história de Javier. Dona Caterina também fugiu da violência em El Salvador junto com 14 membros de sua família. A família de Dona Caterina tinha um supermercado que gerava a sua renda. Não passou muito tempos antes do membro de uma gangue começar a exigir propina que a cada semana ficava mais cara.
“Havíamos pensado até em vender o supermercado, mas essa gente não nos deixou porque o negócio dava bons frutos. Nos vimos forçados a vender até nossa casa. Chegamos a um ponto em que a situação era insustentável, quando não pagávamos aos mareros eles matavam alguém de nossa família. Meus olhos têm visto tantas coisas que não se pode explicar”, recorda Dona Caterina.
Sua filha adolescente começou a ser assediada pelos maras. Primeiro a convidaram para fazer parte da gangue e, ao rejeitar, começaram a chegar ameaças por meio de fotografias para intimidá-la. Por fim, os mareros foram buscá-la em seu colégio. “Foi neste momento que disse que não podia mais. Falei com meu marido e decidimos sair do país. Não podíamos ir para outro bairro porque se nos viam em um local dominado por outros maras, diferente de onde você é, eles te matam. E se você não paga a propina, te matam também. Não tem saída”.
Em El Salvador os territórios estão divididos entre as gangues, e ainda que haja presença da polícia nas comunidades, existe um forte controle por parte dos grupos criminosos. Dona Caterina se lembra das semanas em que os massacres não paravam e havia sangue em todos os lados. “O Triângulo Norte é como um câncer, nos consome e somos invisíveis, gritando em silêncio. Cada dia ao ler os jornais você percebe que a situação não melhora e parte da minha família segue vivendo lá”.
Uma vez na Guatemala, depois de pegar vários ônibus, Dona Caterina e sua família foram acolhidos por um sacerdote. Por meio do apoio da igreja e de outras pessoas, puderam comprar os materiais e as máquinas necessárias para abrir uma pequena tenda que vende comida típica de El Salvador.
Depois de alguns dias, toda a família solicitou refúgio na Guatemala, onde vivem atualmente. A família pode se reunir completamente e tentar recomeçar suas vidas.
Tanto para Dona Caterina como para Javier, segue sendo difícil confiar nas pessoas; ambas famílias vivem de maneira reservada com o medo de serem perseguidos novamente.
Na Guatemala, existem 200 refugiados, principalmente dos países vizinhos, Honduras e El Salvador. Mesmo depois de receber proteção como refugiados, existem desafios para a integração local dos refugiados no país.
Por Francesca Fontanini , ACNUR