Refugiados usam pinturas e fotos para expressar suas alegrias, dificuldades e desejos
Refugiados usam pinturas e fotos para expressar suas alegrias, dificuldades e desejos
RIO DE JANEIRO, 07 de novembro de 2013 (ACNUR) - De um lado, a “árvore da vida”: um criativo mosaico de colagens e bordados com mensagens escritas em 10 idiomas diferentes por refugiados e solicitantes de refúgio que vivem na cidade do Rio de Janeiro. Do outro, as “pipas da vida”: uma coleção de desenhos deste tradicional brinquedo infantil, que voa levando esperanças, valores e talentos dos homens, mulheres e crianças forçados a deixar seus países de origem e buscar refúgio no Brasil. Em meio a tudo isso, uma exposição de fotos feitas pelos próprios refugiados, retratando suas alegrias, dificuldades e sonhos.
Estas atividades lúdicas e artísticas marcaram a avaliação das atividades de proteção e assistência aos refugiados e solicitantes de refúgio atendidos pela Caritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro (CARJ). Promovida com o apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), estas atividades permitiram aos refugiados expressarem suas conquistas, angústias e vitórias relacionadas ao processo de integração no Brasil,
O processo de avaliação encantou os participantes. O paquistanês Adil (*) relembrou sua infância ao desenhar sua pipa. “Fiz uma pipa com mensagem religiosa, de temática positiva”, contou. A congolesa Marian* fotografou a alegria do casamento de um casal de amigos no Brasil e escolheu a imagem de um transporte público para simbolizar as dificuldades de viver no Rio de Janeiro. Seu sonho de ajudar outras pessoas vulneráveis se revela na imagem de crianças carentes nas ruas da cidade.
Cerca de 40 refugiados e solicitantes de refúgio de países como Colômbia, Irã, Nigéria, Paquistão, República Democrática do Congo, Serra Leoa e Síria se reuniram para ver o resultado da reflexão coletiva sobre a vida em uma grande metrópole brasileira, expressa nas mensagens e nas fotos exibidas. A atividade foi encerrada com um debate no qual os participantes apontaram aspectos positivos e negativos da vida no Brasil.
“Buscamos priorizar reflexões em torno de estratégias que possam solucionar problemas comuns, em vez de nos focarmos em dificuldades individuais. Isso nos ajudará a desenhar projetos de acordo com as demandas identificadas e buscar melhorias no acesso a políticas públicas específicas”, explicou Renata Pires, Oficial de Programa do ACNUR no Brasil.
De origem canadense, a “pipa da vida” simboliza a vida de alguém que “voou” para outros destinos, como é o caso dos refugiados, que enfrentaram perseguições e violações de direitos humanos em seus países de origem. Mesmo voando para caminhos imprevistos, ao sabor dos ventos, a pipa segue presa a um fio que a faz manter certa direção. Por meio dessa metáfora, os refugiados conseguiram recriar suas identidades e planejar próximos passos durante uma série de encontros iniciados há cerca de quatro meses.
Com objetivo semelhante, a “árvore da vida” começou a ser feita por refugiadas que atendem um curso de artesanato oferecido pela CARJ. Posteriormente, os homens também se juntaram a esta iniciativa. Cada parte da árvore simboliza um ator no processo de integração dos refugiados: a terra e as raízes representam o Brasil, em virtude do enraizamento no país de refúgio; o caule, que oferece sustentação, representa o ACNUR e a CARJ; já as folhas e os frutos são os sentimentos, conquistas e sonhos dos refugiados que contribuíram com a “árvore da vida”.
“Estabelecemos uma linguagem comum para que um grupo heterogêneo como o dos refugiados pudesse fortalecer a convivência, percebendo que não estão sozinhos no Brasil”, disse a psicóloga da CARJ, Leonora Corsini, que conduziu a dinâmica da pipa. “A árvore é um mecanismo de fortalecimento que promoveu a confiança dos participantes”, disse a artesã Márcia Gomes, que conduz as oficinas de artesanato oferecidas pela CARJ. Já a mostra de fotografias foi resultado de uma oficina de trabalho com temas como enquadramento, uso de luz natural e composição. Os refugiados usaram câmeras compactas e celulares para retratar seu cotidiano.
A voz do refugiado. A metodologia de avaliação aplicada no Rio de Janeiro é conhecida como “Diagnóstico Participativo”, sendo adotada pelo ACNUR em todas as suas operações para permitir que as pessoas sob o mandato da agência (solicitantes de refúgio, refugiados e deslocados internos em países em conflito) participem da elaboração de programas e atividades relativas a seu bem estar no país de acolhida. O objetivo é melhorar a proteção e a integração destas populações nos países de acolhida
No Brasil, o diagnóstico participativo é realizado anualmente em todas as regiões em que atua por meio de organizações parceiras, como as Caritas Arquidiocesanas de Manaus (CAM), Rio de Janeiro (CARJ) e São Paulo (CASP), a Associação Antônio Vieira (ASAV), no Rio Grande do Sul, o Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Guarulhos (CDDH), no interior de São Paulo, e o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), no Distrito Federal.
Em outubro deste ano, 160 refugiados e solicitantes de refúgio – metade deles mulheres –participaram das diferentes avaliações realizadas no país. Entre os temas levantados este ano estão inserção no mercado de trabalho, questões de documentação, acesso a moradia e serviços de saúde. Também foram apontadas questões referentes à análise dos pedidos de refúgio a precariedade do atendimento nos serviços públicos de saúde.
Para a nigeriana Diana*, o domínio do idioma português, os custos para traduzir documentos e a dificuldade de encontrar um emprego são seus principais desafios no Brasil. “Deveria haver um processo facilitado para o acesso aos documentos, com menos burocracia, pois isso dificulta nossa entrada no mercado de trabalho”, afirmou
Destes encontros saem também reivindicações que se tornam conquistas, como a recente decisão do governo brasileiro de retirar a palavra “refugiada” da carteira de identidade de estrangeiros que vivem no Brasil nesta condição, substituindo-a pelo termo “residente” (leia mais em http://goo.gl/46HhV2).
(*) Nomes trocados a pedido dos entrevistados.
Por Felipe Albuquerque, no Rio de Janeiro.