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Q&A: Futuro permanece incerto para a República Democrática do Congo

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Q&A: Futuro permanece incerto para a República Democrática do Congo

Q&A: Futuro permanece incerto para a República Democrática do CongoA operação do ACNUR na República Democrática do Congo (RDC) é uma das maiores e mais diversas do mundo. Entrevista com Stefano Severe, Representante Regional.
8 Março 2013

GENEBRA, 8 de Março de 2013 (ACNUR) – A operação do ACNUR na extensa República Democrática do Congo  (RDC) é uma das maiores e mais diversas do mundo. Uma equipe de aproximadamente 400 pessoas, chefiada pelo representante regional Stefano Severe, provê proteção e ajuda a centenas de milhares de pessoas, incluindo refugiados, deslocados internos e retornados nas áreas urbanas e rurais. A base está localizada em Kinshasa e em mais uma dúzia de cidades nas províncias. Ondas de violência têm ocorrido na RDC em função dos conflitos entre o governo e as forças rebeldes do M23 desencadeando massivos deslocamentos no último ano nas províncias do leste, Kivu do Norte e do Sul. As duas partes iniciaram as negociações de paz em dezembro em Uganda, mas a desordem e os conflitos entre outros grupos continuaram forçando as pessoas a deixarem suas casas.

Durante os dezoito meses que Severe e sua equipe estiveram na RDC, tensão e deslocamento eclodiram no sul, na província de Katanga, forçando milhares a fugir em direção a República Centro-Africana, ao mesmo tempo em que o grupo rebelde ugandês Exército de Resistência do Senhor causou problemas na Province Orientale, na fronteira norte do país. Porém, houve boas notícias com a repatriação de dez mil refugiados congolenses promovida pela Agência em regiões remotas do país, como também a repatriação de refugiados angolanos. O veterano Severe, oriundo da Suiça, falou sobre o tema com Leo Dobbs, editor do site global do ACNUR, durante sua visita à Genebra. Dias após o encontro, o M23 lançou novos ataques em Kivu do Norte, causando mais deslocamentos. Leia abaixo alguns trechos da entrevista abaixo:

Conte-nos mais sobre a situação no leste da República Democrática do Congo

A parte oriental do Congo permanece, infelizmente, em conflito. Houve um período de relativa paz desde novembro em Kivu do Norte (quando o M23 tomou Goma, a capital da província, muito antes de se iniciarem as negociações de paz em Uganda), mas muita atenção tem sido dada às negociações de paz na província de Kampala, que não têm sido boas.

Temos visto alguns retornos nas últimas semanas, mas também novos deslocamentos. Enquanto a situação em Goma, em seu entorno e talvez na região de Rutshuru, tenha sido de relativa paz, a situação terrível em Masisi, na qual há novos conflitos entre os grupos. Há alianças e contra-alianças, e é claro que quem paga por tudo isso é a população civil. A grande desvantagem para nós é o pouco ou nenhum acesso aos afetados, por isso é muito difícil conhecer a situação real das pessoas nessas áreas. O que sabemos é que há muita pobreza está presente, mas não podemos chegar até as pessoas.

Com um orçamento especial (no início da semana a Agência lançou um apelo para arrecadar recursos suplementares de US$ 70 milhões para ajudar deslocados e retornados nas regiões dos Grandes Lagos na África), vamos abordar o aumento do deslocamento na província de Kivu do Norte. No entanto, queremos direcionar ao menos 25% para as áreas de maior vulnerabilidade, como a região de Masisi, e verificar se podemos causar algum impacto.

O que o ACNUR tem feito no leste do país?

Temos trabalhado para aumentar nossa capacidade nos centros para deslocados internos, cujo volume tem aumentado drasticamente nos últimos meses, particularmente em Muganga III (próximo a Goma), na qual houve um aumento de nove acres da área residencial. Conseguimos montar um grande número de abrigos de emergência para tentar acomodar todas as famílias que ainda estão em galpões, escolas e locais similares. Trouxemos uma grande quantidade de material para abrigo e agora vamos intensificar o programa, que visa ajudar aproximadamente 47 mil famílias.

Trabalhamos com outras agências para melhorar a distribuição de ajuda em todos os lugares. Estamos analisando a ativação da coordenação dos campos e o gerenciamento deles em setores (liderados pelo ACNUR), mas evitando fazer distinções entre os antigos CCCM e os criados espontaneamente. Criar esses setores não é tornar os deslocados um grupo privilegiado dentro dos campos, é reconhecer que o acampamento traz problemas específicos que precisam de soluções orientadas. Os critérios para assistência será a vulnerabilidades do indivíduo, como também para a família que o hospeda, porque isso se estende a eles também. No entanto, a atenção precisa ser dada não apenas aos grupos alocados em Kivu do Norte, mas em todas as províncias em que se verificou a prolongação dos movimentos de deslocamento, como em Province Orientale e em Katanga, onde os conflitos continuam.

Quantos acampamentos existem em Kivu do Norte? Temos acesso a todos eles?

Há 31 campos em Kivu do Norte coordenado pela CCCM (agências das Nações Unidas e outras agências humanitárias como a Organização Internacional das Migrações) que provê abrigo pra 115 mil pessoas. Provavelmente temos acesso a um terço deles. Temos notícias dos outros através de nossos parceiros de implementação, que realizam visitas periódicas. Alguns foram fechados, outros reabertos, há um exercício em andamento para avaliar a situação de cada um dos locais, assim como para conhecer os que foram criados espontaneamente. Há, mais ou menos, quinze novos.

Como coordenador do campo (o grupo de trabalho da CCCM é a liderança) somos mediadores e temos que assegurar que todos os envolvidos façam sua parte... Há falhas que precisam ser corrigidas tanto nos antigos campos como nos novos. 

Quais são os principais desafios enfrentados nas províncias no leste?

Além da capacidade de proteger e assistir os deslocados internos, o problema principal é a acessibilidade. Se não tivéssemos entraves no acesso poderíamos melhorar nosso trabalho. O orçamento também é um problema, por isso estamos contentes com os recursos suplementares.

Foi mencionado que há uma nova crise em Katanga. Você pode nos contar um pouco mais?

É um dos lugares esquecidos. Teve um significativo aumento do número de deslocados, que passou de 65 mil no início de 2012 para 315 mil, segundo dados oficiais da OCHA (Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários), que a nosso ver são dados um tanto otimistas. Há uma crise crônica em Kalemie e em seu entorno (no lago Tanganyika); depois tem o “triângulo da morte” que é formado pela área entre Manono, Mitwaba, Pweto, na província de Katanga, na qual atua o Mai Mai Gedeon, grupo que luta pela independência da região. Os movimentos em Pweto, especialmente, trouxeram significativos deslocamentos.

Nesses casos o acesso é novamente um problema. Algumas áreas são acessíveis, mas há muitas dificuldades para chegar até elas a partir de Kalemie e outras a partir de Lubumbashi. Novamente, por conta da insegurança não pudemos permanecer no local. Nesses casos temos que organizar missões com planejamento e envolvimento do MONUSCO (força de paz da ONU na República Democrática do Congo) para aumentar a segurança.

Outras operações na RDC tendem a ser ofuscadas pelo o que está acontecendo no leste. Conte-nos um pouco mais sobre esses importantes trabalhos.

Acredito que nossa história de sucesso até agora foi o retorno de refugiados congoleses para a República do Congo. Ultrapassamos a marca dos 50 mil, que já é metade do caminho. No geral havia entre 115 e 120 mil pessoas, mas nem todos quiseram retornar e alcançamos a nossa meta inicial (o ACNUR lançou um programa de repatriação voluntária através do rio Oubangui em maio passado, utilizando barcos para repatriar aqueles que fugiram dos conflitos étnicos).

Há novos projetos em desenvolvimento na República Centro-Africana (em razão da luta entre o governo e forças rebeldes no país). Temos visto muitos movimentos de saída e retorno ultimamente. Os números aumentaram e agora nos temos acesso a mais de 16 mil refugiados no norte da República Democrática do Congo.

É difícil porque eles não estão todos agrupados. Estamos nos esforçando para criar um local de abrigo, mas observamos que os refugiados do país preferem permanecer próximo a suas regiões de origem. Eles estão espalhados em uma área de 800-900 km –um desafio grande. Estamos preparando um plano de contingência porque infelizmente a tensão no país não acabou.

O Exército de Resistência do Senhor ainda é um problema no nordeste do país?

Se me fizesse a mesma pergunta há algumas semanas, teria dito não. Porém, recentemente eles se tornaram mais ativos e criaram novos deslocamentos, ironicamente da República Democrática do Congo para a República Centro Africana. Tivemos também novos deslocamentos entre o Sudão do Sul e a Province Orientale (RDC).

E o que você nos diz do persistente problema da violência sexual na RDC?

É a mais séria e complexa questão que estamos lidando. Nos últimos ataques (em novembro passado) abusos foram cometidos novamente e, infelizmente, por todas as partes envolvidas. Há alguns processos em andamentos, principalmente do que aconteceu em Kivu do Sul, na cidade de Minova (dezenas de mulheres foram estupradas na cidade durante os conflitos no ano passado). É claro que temos nossos mecanismos de monitoramento e resposta, mas nosso principal desafio é lidar com as vítimas e levar os casos para justiça. Eu diria que é a nossa falha. Nós conseguimos identificar as vítimas, e basicamente identificar quantos casos ocorreram e quem os cometeu, mas quando levamos para justiça eles são largamente ignorados. Há alguns programas de ajuda às vítimas de violência sexual, mas são muito poucos.

O que a comunidade internacional deveria fazer?

Seria necessário um constante esforço da comunidade internacional de manter o foco na crise como um todo, e não apenas no leste. Se olharmos para os denominadores básicos – saúde, nutrição – veremos que a situação no leste é, na verdade, ligeiramente melhor do que em outras partes do país. Precisamos enxergar a República Democrática do Congo como um todo... Nossa equipe, que é nacional, tenta não esquecer que existem outras áreas com igual necessidade de atenção.

E o futuro?

Infelizmente o futuro será um pouco mais do mesmo.