Famílias fogem de Faluja, após meses de violência perpretada por milícias
Famílias fogem de Faluja, após meses de violência perpretada por milícias
BAGDÁ, Iraque, 27 de julho de 2015 (ACNUR) – Rasmyya, 65 anos, disse que sabia que teria que escapar de Faluja, ao oeste de Badgá, após a operação para amputar sua perna direita. Os meses de bombardeios do governo iraquiano, que tinham como alvo os militantes, transformaram uma jornada de 15 minutos ao consultório médico em um uma viagem de ameaça vital. Sem as consultas rotineiras para regular sua diabetes, a doença corroeu os vasos sanguíneos da perna de Rasmiyya, e o membro teve que ser removido cirurgicamente.
“Eu não tinha nenhum tratamento,” disse Rasmiyya desviando o olhar para o curativo sob sua roupa. Demonstrando fragilidade, ela explicou que por semanas, com a piora de sua condição médica, seu filho Khudayir tentou encontrar maneiras de fazer com que ela pudesse passar pelos postos de controle dos militantes e sair da cidade.
Mas, com o aumento da violência, militantes fecharam as estradas principais que levavam para fora da cidade, impedindo a fuga dos civis.
Enquanto uma parte de Faluja tem estado sob o comando de milícias por mais de um ano, aumentaram os confrontos seguidos pelo lançamento de uma ofensiva do governo iraquiano na região, forçando – desde abril – mais de 250 mil civis a atravessar a província de Anbar e deixar suas casas. Desde o inicio da crise, no início do ano passado, mais de um milhão de iraquianos de Anbar foram deslocados. Destes, aproximadamente 350 mil estão na província de Bagdá.
Na semana anterior à fuga de Rasmiyya e sua família, no inicio de julho, ela disse que a segurança em Faluja deteriorou rapidamente. Enquanto o barulho dos confrontos e bombardeios à distancia tornaram-se corriqueiros, a violência começou a se espalhar na vizinhança pela primeira vez. “Um foguete caiu apenas algumas ruas de distancia. Até a casa perto de nós foi destruída pela explosão”, disse Rasmiyya.
Por meses a eletricidade passou de intermitente para inexistente, as oportunidades de trabalho acabaram e os preços dos alimentos dispararam. Um saco de trigo que antes custava 12 mil dinares agora custa 50 mil dinares, segundo Khudayir.
“Eu queria trazê-la para Bagdá semanas atrás”, disse Khudayir, explicando que os militantes fizeram uma exceção para sua mãe por causa de suas condições médicas. Os militantes me disseram “leve sua mãe, mulher e filhos, mas você deve retornar”. Khudayir pagou ao grupo de militantes um milhão de dinares iraquianos, ou aproximadamente 900 dólares pela travessia de sua família e como garantia que ele voltaria. Mas Khudayir explicou que como único membro masculino da família com sua mulher, mãe e filhos em Bagdá, ele se sentiu obrigado a ficar.
A família de Khudayir está atualmente abrigada em Dhuha al Rawii, um pequeno acampamento de 175 famílias, morando em tendas feitas de lona e estacas de madeira em cima de terra batida cobertas por tapetes de tecido plástico. O ACNUR forneceu a estas e milhares de outras famílias, que recentemente fugiram de Anbar, abrigo e suprimentos tais como colchões, cobertores e latas de plástico para armazenamento de água e combustível.
“No ACNUR, nós temos duas preocupações principais. Primeiro, que pessoas deslocadas possam acessar lugares seguros. Segundo, que estas recebam assistência suficiente para que eles se estabeleçam e criem uma família em sua nova localização”, disse Bruno Geddo, funcionário da agência da ONU para refugiados.
“Às vezes, para os trabalhadores humanitários a logística pode parecer algo óbvio. Mas quando você senta com uma família e escuta como nossa assistência os ajudou a passar pela crise de deslocamento e a ajustar-se a esta nova vida, é neste momento que você percebe que existe uma história por trás das estatísticas”, afirma o funcionário do ACNUR.
Em circunstâncias normais, a viagem de Bagdá até Faluja, aproximadamente 70 quilômetros, leva um pouco mais que uma hora, de carro. Para Khudayir e sua família, a jornada levou mais de uma semana. Quando alcançaram um ponto de travessia no rio Eufrates, eles então tiveram que esperar por dias para que as autoridades do governo iraquiano autorizassem a entrada em Bagdá.
Nesta longa travessia, a família de Khudayir foi levada com mais cinco pessoas na parte de trás de uma camionete durante o dia, cruzando o deserto, o que durou mais de doze horas.
“Eu estava com muito medo e as crianças também. Elas entenderam o que estava acontecendo”, disse Fátima, mulher de Khudayir. Enquanto seu marido estava focado em manter a mãe confortável – pois ela fazia esta jornada em uma cadeira de rodas que tinha que ser carregada para fora de uma camionete – Fátima tentava acalmar seus filhos. “Eu dizia a eles para não se preocupar, pois estava com eles”.
Cansada, com sede e com fome, a família chegou ao acampamento de Rawii na noite depois de serem autorizados a cruzar o Eufrates. “Tudo que podíamos fazer quando nós chegamos era sentar e beber água”, falou Fatima. Grata pelo lugar seguro para ficar agora, ela e seu marido admitiram que seu futuro é incerto.
“Nós não sabemos o que irá acontecer no futuro”, Khudayir explicou “Nós estamos apenas acreditando em Deus”.
Desde que chegou ao acampamento, Rasmiyya pode receber cuidados médicos para sua diabetes, visitando um médico a cada três ou quatro dias. A ferida em sua perna foi recentemente enfaixada e ela diz que não está mais em constante dor. Mas sua nora explica que o tratamento não chegou rápido o suficiente.
“Ontem a enfermeira nos disse que a outra perna precisa ser amputada”, Fátima disse baixando sua voz, para que sua sogra não ouvisse. “Ela não sabe ainda. Eu simplesmente não pude contar-lhe”.
Por Susannah George em Bagdá