Grupo haitiano oferece abrigo seguro para sobreviventes de violência sexual
Grupo haitiano oferece abrigo seguro para sobreviventes de violência sexual
PORTO PRÍNCIPE, Haiti, 13 de outubro de 2011 – Shirley* parece ser uma jovem mulher comum – enérgica, animada e esperançosa. Seu sorriso é contagiante e sua voz, clara e forte. No entanto, quando ela começa a compartilhar os horrores que sofreu, sua voz cai e ela abaixa seu olhar.
A jovem de 20 anos de idade perdeu a mãe e a tia no terremoto devastador que atingiu o Haiti em 2010. Sem ter para onde ir, ela se mudou para um dos acampamentos espalhados na capital, Porto Príncipe. Uma noite ela voltou para sua tenda para escapar da chuva. Um homem se aproximou e pediu para entrar. Ela diz que ele bateu nela e a empurrou para dentro da tenda. “Ele me jogou no chão e me estuprou. Depois disso eu sofri com hemorragias por um mês.”
Explicando mais, ela disse: “As barracas não são seguras. Qualquer um com uma navalha ou uma faca pode cortar a tenda e entrar. Não há paredes e nenhuma proteção, e antes que você perceba alguém está dentro da sua barraca.”
Seu sofrimento não é único. 20 meses após o catastrófico terremoto, as condições no Haiti continuam a se deteriorar. Hoje, existem cerca de mil acampamentos improvisados em todo o Haiti, e cerca de 600 mil pessoas deslocadas internas.
A Organização Internacional para Migrações administra a maioria dos campos, mas a queda do interesse internacional afeta a capacidade da comunidade humanitária de prestar assistência. Mulheres são particulamente vulneráveis nos acampamentos, onde há pouca ou nenhuma privacidade, segurança ou iluminação. Relatórios da ONU indicam que violência sexual contra mulheres acontece em taxas alarmantes.
“65% das vítimas são menores de idade”, disse Jocie Philistin, diretora de uma organização não-governamental local conhecida como KOFAVIV (Comissão de Mulheres Vítimas para Vítimas). “Desde o terremoto, temos visto mais crianças, menores e bebês com idade entre um e 17 meses que foram violentadas.” As constatações da ONG refletem um estudo recente da Anistia Internacional, o qual mostrou que 50% das vítimas de estupro eram jovens.
Além de viver em condições de insegurança, Shirley não tinha como pagar suas despesas básicas. Ela diz que a única maneira de conseguir dinheiro era através do sexo de sobrevivência. “Após o terremoto, houve um sistema através do qual era possível conseguir alimento, mas você tinha que dormir com os homens que estavam responsáveis, ainda que a comida tivesse sido dada pelo governo. Então, várias jovens foram forçadas a se prostituir para sobreviver”, ela disse.
Como uma das várias organizações de apoio aos esforços humanitários no Haiti, o ACNUR entrevistou mulheres de 15 campos. Todas relataram que o sexo de sobrevivência era um problema grave, porém invísivel em seus acampamentos. Sem oportunidades de emprego remunerado e com o desespero generalizado, muitas mulheres haitianas sentem que não há outra opção para o acesso a comida e água, itens de extrema necessidade para elas e seus filhos.
Um mulher que vive em um acampamento próximo ao aeroporto observou: “Havia uma garota que vivia perto de mim. Ela foi estuprada. Ela não tinha pais, nem ninguém para defendê-la. Aquela garota não tinha onde ficar, porque ela veio das províncias. Ela implorou por dinheiro, mas ninguém deu o que ela precisava. Ela acabou tendo que vender o seu corpo, e isso é uma forma de violência sexual.”
Para ajudar a combater a violência sexual generalizada no acampamentos, a KOFAVIV tem formado dezenas de agentes comunitários nas proximidades, para localizar vítimas e prestar-lhes os serviços necessários.
O ACNUR está trabalhando com a KOFAVIV para administrar um dos poucos projetos de casa segura para sobreviventes de estupro e prostituição forçada em Porto Príncipe. Durante três meses, as mulheres recebem abrigo, treinamento em saúde, apoio pscicológico e formação profissional. Depois que começam a ganhar seu próprio dinheiro, elas são transferidas para habitações de longo prazo e recebem apoio até que possam caminhar com suas próprias pernas. Em setembro, o chefe do ACNUR, António Guterres, visitou o projeto e incentivou a equipe local a prosseguir com os esforços.
Shirley é uma das 15 mulheres escolhidas para participar do projeto. Seu pesadelo terminou em junho, quando ela finalmente saiu do acampamento e foi para a casa de segurança. Pela primeira vez em um ano e meio, ela tem um quarto com porta e fechadura.
“Agora eu tenho um lugar seguro e uma nova família,” ela disse, sorrindo ao pensar na possibilidade de voltar à escola e começar um negócio de calçados de pequeno porte. Grata pela ajuda que recebeu, ela também está trabalhando com KOFAVIV para prestar apoio a outras sobreviventes de estupro.