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Não há lugar como nosso lar

Comunicados à imprensa

Não há lugar como nosso lar

Não há lugar como nosso lar“Nossa terra é nossa vida. Se tivermos que deixar nossa terra vamos desaparecer como grupo e terminaremos vivendo na cidade e perdendo toda nossa identidade”.
19 May 2011

BUENAVENTURA, Colômbia, 19 de maio (ACNUR) – Juan* se viu obrigado a fuigir da comunidade afrocolombiana de La Gloria por duas vezes em 20 anos. Mesmo assim, Juan está decidido a permanecer em seu lugar de origem e sempre retorna ao local. “Essa é a minha comunidade, estas são minhas raízes”, afirma o homem de 50 anos durante uma visita ao bairro La Gloria, onde vivem mais de mil pessoas deslocadas.

La Gloria está localizada em meio à paisagem úmida dos arredores da cidade de Beunaventura, o porto mais importante do Pacífico colombiano e rota vital para a importação e exportação do país – o que implica em tráfico de drogas, metais preciosos, armas e, também, pessoas.

Esta região também tem sido um ímã para civis que fogem da violência e das ameaças nos arredores rurais e fluviais entre Buenaventura e as colinas dos Andes. Em abril, mais de 800 pessoas se deslocaram para a cidade na tentativa de escapar de uma violenta disputa entre os grupos armados ilegais pelo controle das atividades de mineração e cultivo de coca.

“De acordo com dados oficiais, existem aproximadamente 73 mil deslocados internos na cidade de Buenaventura”, disse um oficial de proteção do ACNUR. “Também existem algumas comunidades em risco nas zonas rurais que decidiram ficar em seu território (ou nas proximidades) como forma de resistência”, completou o oficial , fazendo referência a lugares como La Gloria.

Para afrocolombianos como Juan, a terra natal é muito importante e por isso muitos dos deslocados continuam voltando sempre que possível ao território coletivo ancestral que lhes foi reconhecido pela Lei 70 de 1993.

“Nossa terra é nossa vida”, disse Juan Angulo, membro do Processo de Comunidades Negras, uma organziação que luta pelos direitos dos afrocolombianos. “Se tivermos que deixar nossa terra e nosso território vamos desaparecer como grupo e terminaremos vivendo um estilo de vida ocidental na cidade e perdendo toda nossa identidade”.

“Quanto mais fugirmos, maior é a probabilidade de que permaneçamos deslocados por mais tempo. Isto significa que o quadro social da comunidade em geral será mais facilmente destruído, o que gera muito sofrimento”, acrescentou.

A agência da ONU para refugiados entende esta posição e, como parte de um enfoque preventivo, apoia os esforços para ajudar as comunidades rurais e assim “evitar que tenham sair de seus territórios e percam a possibilidade de regressar em um período relativamente curto de tempo”, disse o representante do ACNUR na Colômbia, Terry Morel.

La Gloria foi fundada em 1967 por pessoas que vieram de outras partes do oeste da Colômbia, como Juan e seus pais, que chegaram em busca de oportunidades econômicas. Desde meados da década de 1990, o esta cidade da periferia tem recebido famílias que fogem dos combates entre grupos armados ilegais.

Contudo, segundo Juan, essa onda de violência também afetou La Gloria, já que a cidade possui recursos como carvão, ouro e madeira,. A região também é propícia para a agricultura e a comunidade funciona praticamente como uma cooperativa autosustentável.

O líder da comunidade teve que fugir duas vezes – em 1997 e novamente em 2001 – depois de se recusar a colaborar com os grupos armados irregulares que operam na zona. “Não quis me juntar a eles e quiseram me matar. O deslocamento era como ficar estigmatizado, então me recusei a ser registrado como deslocado”, disse.

Juan, pai de cinco filhos, retornou a seu lugar de origem, ao sul do departamento de Cauca, quando se sentiu seguro para fazer isso. Ele escapou com algumas cicatrizes, mas outros não tiveram tanta sorte. Um de seus amigos foi assassinado na frente dos filhos.

Atualmente, com a diminuição da ameaça, Juan está preocupado com outros assuntos, como a urbanização progressiva e o problema relacionado à preservação de La Gloria, que não é reconhecida pelas autoridades locais como um território coeltivo afrocolombiano no marco da Lei 70 da Colômbia. “Continuamos fazendo pressão para sermos reconhecidos. Dizemos que somos uma zona rural, mas eles nos colocam no plano de desenvolvimento urbano”, explicou.

Juan teme que algumas pessoas queiram explorar a zona e construir usinas na região para explorar seus recursos naturais. Atualmente, ele e seus vizinhos continuam dando as boas-vindas às famílias deslocadas. Eles oferecem às pessoas recém-chegadas um quarto de hectare de terra para que possam construir uma casa de madeira e cultivar frutas e verduras para sua própria alimentação.

Também existem projetos de cooperação que beneficiam toda a comunidade, incluindo um criadour de frangos e  porcos. Juan fala sobre os projetos de agricultura e horticultura. “Teremos o suficiente para alimentar a comunidade e ainda vender para fora”, enfatizou.

La Gloria não possui sistemas de aqueduto (usam a água da chuva e de um riacho), de saneamento básico e nem de esgoto, contando apenas com eletricidade. O hospital mais próximo encontra-se a três quilômetros de distância. Apesar disso, Juan está disposto a prescindir de mais comodidades, pois “aqui podemos manter nossas práticas tradicionais, nossa identidade e nossa cultura, mesmo que sejamos deslocados de nossos lugares de origem”.

Problemas médicos como malária, infecções na pele e diarréia são comuns na comunidade. Ainda assim, essas pessoas podem chamar esse lugar de “seu lar”. Uma pessoa sentindo saudades do seu lar é demasiado.

* Nome alterado por razões de segurança

Leo Dobbs em La Gloria, Colômbia