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Angélique Namaika: gestos e ações que curam feridas abertas pela violência no Congo

Comunicados à imprensa

Angélique Namaika: gestos e ações que curam feridas abertas pela violência no Congo

Angélique Namaika: gestos e ações que curam feridas abertas pela violência no CongoAos 46 anos, a freira congolesa Angélique Namaika não deixa que a dura realidade da cidade de Dungu, na Província Oriental da RDC, apague sua esperança no futuro.
27 Setembro 2013

BRASÍLIA, 27 de setembro de 2013 (ACNUR) – O sorriso aberto e franco no rosto é uma de suas marcas registradas. Aos 46 anos, a freira congolesa Angélique Namaika não deixa que a dura realidade da cidade de Dungu, na Província Oriental da República Democrática do Congo (RDC), apague sua esperança no futuro.  A bordo de sua bicicleta, ela percorre diariamente as ruas empoeiradas da vila onde mora, região devastada por 30 anos de guerra civil, para dar apoio às mulheres vítimas da violência relacionadas ao conflito interno do Congo.

O trabalho desta freira católica, que por meio do seu Centro para Reintegração e Desenvolvimento já apoiou mais de duas mil mulheres congolesas, acaba de ser reconhecido pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), que a concedeu o prestigiado Prêmio Nansen para Refugiados. O prêmio será concedido na próxima segunda-feira, dia 30 de setembro, em Genebra.

Freira desde 2000, Angélique optou por dedicar sua vida às mulheres congolesas obrigadas a deixar suas casas para escapar da violência de grupos rebeldes armados, como o Exército de Resistência do Senhor (LRA, em inglês), originário de Uganda. O conflito no Congo já deslocou cerca de 2,6 milhões de pessoas, e aproximadamente 320 mil seguem nesta situação na Província Orientale.

Entre as jovens ajudadas pela Irmã Angélique estão muitas ex-prisioneiras do LRA, vítimas da violência de gênero – como o estupro, por exemplo. Quando conseguem escapar do cativeiro, essas mulheres precisam enfrentar o trauma e a discriminação por parte da própria comunidade para tentar se reintegrar à sociedade.

Atualmente, 150 mulheres são atendidas pelo Centro para Reintegração e Desenvolvimento, associação da qual a Irmã Angélique é co-fundadora. Desde que o centro foi criado, em 2008, mais de 2 mil mulheres já foram atendidas. Elas frequentam aulas de alfabetização e aprendem um ofício, como costura ou culinária. Juntas, encontram a força necessária para recuperar a autoestima e reconstruir suas próprias histórias.

Leia a seguir os principais trechos de uma entrevista concedida pela irmã Angélique Namaika para jornalistas brasileiros, que também contou com a participação do ACNUR.

A senhora passou por uma situação semelhante às das mulheres assistidas pelo Centro para Reintegração e Desenvolvimento. Como foi essa experiência?

Angélique Namaika: Fui forçada a deixar minha comunidade em 2009, por quatro meses, após um ataque do LRA. Fui para Zungi e fugi quase 100 quilômetros, mata adentro. No primeiro dia estava muito assustada, porque não sabíamos para onde estávamos indo. Fugimos para um lugar com muitas arvores, mas não havia nada para comer. Tínhamos que sair em busca de comida, sempre com o temor de ser capturados pelo LRA. Quando chovia tínhamos uma preocupação a mais, porque tudo ficava molhado ao nosso redor. Eu ficava muito angustiada e cantava uma música para mim mesma, rezando e pedindo pela ajuda de Deus. Só depois de quatro meses conseguimos retornar para Dungu.

Quais os principais abusos reportados pelas mulheres vítimas do conflito no Congo?

Angélique Namaika: Em primeiro lugar, abuso sexual. Assim que elas são capturadas, as jovens são dadas aos rebeldes como esposas. Ainda sofrem violência física, como espancamento. Uma delas têm seus lábios mutilados. Mulheres e meninas também são submetidas a trabalhos forçados. Alguns meninos voltam com as mãos amputadas.

Como fazer para que o mundo tenha conhecimento dessa situação?

Angélique Namaika: Parte do meu trabalho é dedicada a divulgar esta situação. Já tive encontros com políticos e formuladores de políticas nos países vizinhos ao Congo, e participei recentemente, em Genebra, dos Diálogos sobre Fé e Proteção promovidos pelo ACNUR. Tive ainda a oportunidade falar no Conselho de Segurança da ONU sobre o problema, falando que as mulheres congolesas precisam de ajuda.

Por que você optou por seguir no Congo em vez de pedir refúgio em outro país?

Angélique Namaika: Amo meu país. Nós, freiras da minha congregação, buscamos ficar nos nossos próprios países. Escolhi ser freira porque foi uma decisão de Deus. Quando eu tinha nove anos, vi uma freira ajudando as pessoas e decidi que também iria me tornar uma freira. Deus ouviu isso.

De que forma sua história pessoal contribui para o seu trabalho com essas mulheres?

Angélique Namaika: Minha situação como deslocada interna me inspirou a entendê-las e a querer ajudar. Quando vejo essas mulheres, lembro que eu não tinha ninguém que me ajudasse. Então, vou todos os dias aos lugares onde elas estão. Uma coisa muito importante é que elas estejam juntas com outras mulheres. Assim, elas podem ser ouvidas e dividir suas experiências. Suas histórias são horríveis, e elas são muito vulneráveis.

Poderia contar uma das histórias das mulheres ajudadas pelo Centro para Reintegração e Desenvolvimento?

Angélique Namaika: Uma garota foi sequestrada aos 14 anos e passou um ano e meio capturada, vivendo na selva. Quando saiu, estava grávida e não encontrou apoio, e ficava no mercado local de Dungu pedindo ajuda. Fui procurada por moradores da cidade e encontrei a menina. Inicialmente, ajudei-a com comida e atendimento médico. Vi também que ela precisava se tornar independente para reconstruir sua vida. Ensinamos a fazer pão e a costurar. Outro problema é que ela foi rejeitada pela mãe, que dizia que ela era culpada por ter sido raptada pelo LRA. Busquei reconciliá-la com sua família, mas a jovem estava tão desorientada que deixou o bebê comigo e voltou para a selva. Um mês depois, quando ela voltou para Dungu, ela foi aceita novamente por sua família. Ela e sua mãe se reconciliaram e hoje estão bem. A boa noticia é que a jovem se casou e tem um segundo filho. Ela trabalha fazendo pães e ganha recursos suficientes. Ela está feliz.

Como a senhora recebeu a notícia de ter sido a ganhadora do Prêmio Nansen para Refugiados?

Angélique Namaika: Foi uma surpresa para mim. E me deixou muito feliz! Estou muito agradecida. Uma vez, chorei porque estava fazendo meu trabalho sozinha. Quando ganhei o prêmio, pensei: ‘Então o mundo sabe sobre esse pequeno trabalho que eu faço?’. Então vi que esse trabalho não é só meu, ele também é de Deus, que me dá coragem para seguir ajudando essas mulheres. Esse prêmio também é delas, e vai ajudar no trabalho que elas estão fazendo. Eu peço a Deus para não ficar orgulhosa, mas seguir agindo de forma simples e ajudando essas mulheres. Agradeço muito às equipes do ACNUR e vejo que não estou sozinha. Se eu conseguir ajudar apenas uma mulher, já será um sucesso. Peço a Deus que me mantenha uma pessoa simples e que possa continuar ajudando essas mulheres. 

Por Júlia Tavares, de Brasília.