Apatridia: ACNUR ajuda indígenas sem fronteiras na América Central
Apatridia: ACNUR ajuda indígenas sem fronteiras na América Central
SABALITO, Costa Rica, 11 de maio (ACNUR) – Elida Andrade viveu nas montanhas verdes ao redor da pequena cidade de Sabalito, no sul da Costa Rica, por toda sua vida. No entanto, até recentemente, esta jovem mulher de 18 anos nunca pertenceu a lugar nenhum.
Seus pais, membros da tribo indígena Ngöbe Bugle, nasceram próximos à fronteira, em Chiriqui, Panamá, e se mudaram para a Sabalito, uma região de café, quando ainda eram adolescentes, como muitos de seu grupo. Eles não pensaram sobre fronteiras, e as implicações legais da mudança de cidade, simplesmente porque os territórios de seus ancestrais se estendiam entre os dois países.
Em Sabalito, os pais de Elida trabalharam nas plantações de café. Era um trabalho sazonal, mas como os outros, se estabeleceram em Sabalito e formaram uma família de seis filhos, incluindo Elida. Embora ela e seus irmãos tenham nascido em na Costa Rica, nenhum deles teve o nascimento registrado. À medida que cresceram, a falta do documento teve vastas consequências para eles e outras crianças indígenas.
“Não tínhamos documentação alguma para provar que éramos costa-riquenhos, e tivemos muitas dificuldades para conseguir nossos direitos, incluindo educação e saúde, lembrou Elida. A maior preocupação para ela e 1200 crianças Ngöbe Bugle era o risco de apatridia, já que não puderam ter uma certidão de nascimento.
“Este é um problema sério porque a certidão de nascimento é crucial para prevenir a apatridia,” destacou Roverto Nignone, Representante do ACNUR na Costa Rica. “O registro de nascimento é fundamental para avançar na proteção de crianças.”
Para ajudar estes jovens, em 2014 a Agência da ONU para Refugiados e seus parceiros, como o Supremo Tribunal Eleitoral e o Fundo da ONU para a Infância (UNICEF), lançaram uma iniciativa para determinar a nacionalidade desta população, registrar seus nascimentos e obter a nacionalidade costarriquenha, assim como todos os direitos que isto traz.
Equipes visitaram mais de 2 mil áreas remotas de plantação de café para identificação e registro das pessoas. Como resultado, nos primeiros cinco meses de projeto, mais de 300 crianças indígenas tiveram sua nacionalidade determinada, incluindo o registro de muitas dezenas de nascimentos.
Com a orientação do ACNUR, Elida obteve seus documentos no Escritório Registrador da Costa Rica. “Meu registro tardio deu certo, e consegui meus documentos costa-riquenhos”, contou ela. “Este foi um dos dias mais felizes da minha vida. Agora sinto que sou uma verdadeira costa-riquenha.” Ela também registrou seu filho de um ano, Pablo, pois não queria que ele passasse pela mesma experiência que ela.
De acordo com a constituição da Costa Rica, tem direito à cidadania qualquer pessoa nascida no país, sob o princípio legal do jus soli (literalmente direito do solo), que prevê a nacionalidade com base no lugar de nascimento ao invés de ascendência. Eles podem se registrar como costa-riquenhos pelo nome de seu pai e sua mãe enquanto menores, ou, como Elida, podem registrar-se até os 25 anos.
O caso da tribo Ngöle Bugle é mais complexo. Muitos saíram do Panamá, seu território ancestral de acordo com sua tradição, e deram a luz em remotas plantações de café na Costa Rica. Assim, nunca registraram o nascimento de seus filhos, o que determinaria um lugar de nascimento, afiliação parental e prova da idade, servindo também de evidência para obter a nacionalidade da criança ou dos pais.
Em 2013, o ACNUR e a Costa Rica passaram a trabalhar juntos nesta questão. A assinatura de um acordo de cooperação com o Supremo Tribunal Eleitoral do país passou a promover o acesso efetivo à nacionalidade e naturalização para pessoas apátridas. Passou também a capacitar parceiros em relação à legislação sobre nacionalidade e disposições internacionais relacionadas à apatridia.
No contexto da campanha #IBelong, para erradicar a apatridia até 2024, o ACNUR apoiou as autoridades na identificação de pessoas em risco. Deu ainda assistência legal aos integrantes da tribo Ngöbe Bugle para determinar sua nacionalidade e realizar seu registro tardio.
Enquanto isso, em Sabalito, Elida está terminando o ensino secundário e planejando seu futuro. “Pela primeira vez pude me matricular com meus próprios documentos, e finalmente vou conseguir meu diploma, como os outros alunos da minha sala”, disse.
Agora, ela planeja cursar medicina, o que antes era um sonho impossível. “Serei o orgulho dos meus pais e da minha comunidade. Enquanto isso, vou promover o registro de nascimento para que o meu povo possa reivindicar seus direitos. O futuro é nosso.”
Por Marcela Rodriguez-Farrelly em Sabalito, Costa Rica