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Casos de suicídios crescem entre refugiados do Sudão do Sul em Uganda

Comunicados à imprensa

Casos de suicídios crescem entre refugiados do Sudão do Sul em Uganda

11 Fevereiro 2020
A refugiada sul-sudanesa Rose* (de rosa) abraça o colega refugiado Kiden no assentamento de Bidibidi, em Uganda. Rose recebe aconselhamento desde julho de 2019, quando tentou tirar a própria vida (*Nomes alterados por motivos de proteção) © ACNUR/Rocco Nuri

Quando um psicólogo pediu que Rose escolhesse em uma escala o rosto que mais representasse seu humor, ela hesitou, mordeu os lábios e então apontou para o rosto com os olhos abertos e a boca inexpressiva e bem fechada.


Rose não se sentia feliz, tampouco triste, mas isso em si já era um avanço.

Mãe solteira de cinco crianças, ela fugiu do conflito que assola o Sudão do Sul e tesmenhou o assassinato de seu marido antes que conseguisse chegar a um assentamento em Uganda onde moram cerca de 230.000 refugiados.

Ela passou os últimos meses participando de sessões regulares de aconselhamento em grupo, depois que seu filho de dez anos a salvou de uma tentativa de suicídio.

Lágrimas rolavam pelo rosto de Rose, mas ela não estava envergonhada.

“Estou ciente de que não estou feliz com minha vida, mas pelo menos agora sei que não há vergonha em me sentir assim”, disse Rose, que tem 33 anos.

Segundo o ACNUR, Agência da ONU para Refugiados, o número de suicídios e tentativas de suicídio entre os refugiados do Sudão do Sul que vivem em assentamentos em Uganda mais que dobrou em 2019 em comparação com o ano anterior. Foram 97 tentativas de suicídio e 19 pessoas morream.

Embora o suicídio também seja um problema comum entre a população do norte de Uganda, o aumento da taxa entre refugiados em lugares como Bidibidi ilustra um problema crescente: a extrema necessidade de serviços de saúde mental para pessoas que fugiram de crises, perderam redes de apoio e lutam para ganhar a vida em um país onde buscaram refúgio.

Mais de 2 milhões de sul-sudaneses, a maioria mulheres e crianças, fugiram de sua terra natal para escapar de um conflito brutal entre governo e partidos de oposição. Quarenta por cento vivem em Uganda. Muitos testemunharam ou sofreram ataques, abuso sexual e tortura em casa ou durante sua fuga.

A refugiada sul-sudanesa Rose* caminha com seu filho de 10 anos no assentamento Bidibidi, em Uganda. No dia em que ela tentou suicídio, em julho de 2019, seu filho foi quem a resgatou © ACNUR/Rocco Nuri

Em 2018, uma avaliação conjunta feita pelo ACNUR e organizações parceiras constatou que 19% das famílias de refugiados no norte de Uganda relataram que pelo menos um membro da família passava por grande sofrimento psicológico ou sentia medo.

Menos da metade dos entrevistados respondeu que o membro da família em questão tinha acesso a cuidados psicossociais, como aconselhamento individual, terapia em grupo e meditação.

Existem poucos programas de prevenção ao suicídio, como o de Rose, que é foi gerenciado por uma organização não governamental local, a Organização Psicossocial Transcultural (OPT), com o apoio do ACNUR. No ano passado, a organização ajudou 9.000 refugiados e ugandenses no assentamento de Bidibidi e arredores, aconselhando-os sobre como lidar com pensamentos negativos, participar de atividades sociais e procurar ajuda.

Além disso, com o apoio de prestadores de serviços de saúde e consultores treinados, foram criados e implementados na comunidade programas para ajudar a eliminar o estigma associado à saúde mental.

“Eles enfrentaram décadas de guerras brutais”

Em 2019, o ACNUR e seus parceiros conseguiram apenas 40% dos US$ 927 milhões necessários para ajudar refugiados e comunidades anfitriãs em Uganda. Com esse financiamento limitado, a OPT e outras organizações que prestam apoio à saúde mental e psicossocial atenderam apenas 29% dos refugiados do Sudão do Sul que precisam de seus serviços e uma porcentagem menor ainda de membros da comunidade local.

As perspectivas de financiamento para 2020 não são promissoras e, sem fundos, será impossível apoiar programas eficazes de saúde mental ou mesmo identificar quem precisa de ajuda.

De acordo com um pronunciamento recente do ACNUR sobre o assunto, os principais fatores que contribuem para uma maior taxa de suicídio incluem incidentes de violência sexual e de gênero, eventos traumáticos antes de fugir do país de origem ou depois de chegar a um assentamento de refugiados, pobreza extrema e falta acesso significativo à educação e ao mercado de trabalho.

 

Conhecer poucas pessoas em seus novos países contribui para os sentimentos de isolamento e desamparo dos refugiados.

Adam*, 42 anos, pai de cinco filhos, disse ao ACNUR que sua esposa Mary* foi diagnosticada com transtorno bipolar em 2012 na cidade de Yei, no Sudão do Sul.

A condição de Mary piorou depois que eles chegaram ao assentamento de Bidibidi, em setembro de 2016. Em um dia ensolarado de junho, Mary disse a Adam que estava indo para a casa de seu irmão, mas ela nunca chegou lá.

Um vizinho a encontrou pendurada em uma mangueira no dia seguinte.

“Minha esposa não conseguiu aceitar o fato de que não era mais capaz de cozinhar, cuidar das plantações e varrer o pátio. Ela não suportava o cansaço persistente”, contou Adam.

“Ela não tinha amigos aqui para compartilhar seus sentimentos e preocupações. Nossos vizinhos não queriam se conectar conosco por causa do problema mental de minha esposa. Eu acho que foi isso que a machucou profundamente”.

As comunidades que acolhem refugiados também estão lidando com casos de problemas de saúde mental.

De acordo com o estudo conjunto de 2018, 27% das famílias no norte de Uganda relataram que pelo menos um membro da família sofria de problemas psicológicos.

“Os ugandenses têm muito em comum com os refugiados do Sudão do Sul”, disse Charles Olaro, diretor de serviços do Ministério da Saúde de Uganda.

“Eles enfrentaram décadas de guerras brutais, deslocamentos múltiplos, epidemias, privações e traumas não tratados”.

Na cidade de Yumbe, a cerca de 30 quilômetros a oeste do assentamento de Bidibidi, vários ugandenses tiraram suas próprias vidas recentemente, incluindo Andrew*, de 16 anos. O jovem fã de futebol costumava ajudar sua mãe a vender cascos de vaca depois da escola e fazer recados para ganhar dinheiro. Ele morreu em outubro passado.

O pai de Andrew havia abandonado a família e sua mãe, Lucy, mal tinha dinheiro suficiente para sustentá-los. Ela afirma que sua família tinha um histórico de suicídio, mas insiste que foi a bruxaria que matou seu filho.

“Não há outra explicação”, disse Lucy.

“Os vizinhos o enfeitiçaram, pois tinham inveja do fato de eu ter um filho capaz de cuidar da casa e ganhar seu próprio dinheiro.”

Rose, Adam, Lucy e seus filhos recebem apoio psicossocial individual e em grupo da OPT regularmente. Eles compartilham suas histórias e fazem amizades.

“O aconselhamento me ajudou a recuperar a esperança e o amor próprio”, disse Rose.

* Nomes alterados a pedido dos entrevistados