Cidadã e condecorada: Brasil concede insígnia da Ordem de Rio Branco à ex-apátrida Maha Mamo
Cidadã e condecorada: Brasil concede insígnia da Ordem de Rio Branco à ex-apátrida Maha Mamo
Maha e os irmãos, Souad e Edward, chegaram ao Brasil em 2014 em busca de proteção e de serem reconhecidos como cidadãos – o primeiro documento que obtiveram foi o passaporte que os permitiu chegar ao país. Em 2018, ela foi reconhecida como apátrida e, em seguida, recebeu a cidadania brasileira. Foi quando começou a colecionar conquistas. Conquistou uma carteira de identidade e o direito de ir e vir, viajou para muitos países, tornou-se porta-voz pelo fim da apatridia, lançou um livro autobiográfico, abriu uma empresa, e comprou uma casa com a esposa, Bela.
Para a coleção de conquistas, nesta quarta-feira (7), Maha adicionou uma insígnia. O Brasil condecorou a ex-apátrida com a Ordem de Rio Branco, Grau de Cavaleiro, por sua atuação cívica pelo fim da apatridia.
Instituída em 1963 em homenagem ao Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, a insígnia é atribuída a pessoas físicas, jurídicas, corporações militares ou instituições civis, nacionais ou estrangeiras, pelos serviços ou méritos excepcionais. Na insígnia, está gravada uma expressão em latim extraída dos livros do Barão do Rio Branco, “Ubique Patriae Memor”, ou seja, “Em qualquer lugar, terei sempre a Pátria em minha lembrança”.
Maha, que não teve pátria por muito tempo, se identifica com a frase. “É com muito orgulho que continuarei a levar o nome e o bom exemplo do Brasil para todos os países onde eu estiver. É uma grande honra receber este tão importante reconhecimento da diplomacia brasileira”, afirmou Maha, que dedicou a nova conquista a todas as milhões de pessoas apátridas no mundo.
A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) estima que cerca de 4,3 milhões de pessoas em todo o mundo são apátridas, não pertencem a lugar algum. Para transformar este cenário, governos podem mudar suas leis e procedimentos, a fim de garantir aos apátridas seus direitos e dar a eles um lugar para pertencer.
"Com a Lei de Migração de 2017, o procedimento de reconhecimento da apatridia passou a existir no Brasil, e beneficiou pessoas que, como Maha, tinham muita dificuldade em acessar direitos básicos, como educação, cuidados médicos ou emprego legalizado", explica o representante interino do ACNUR no Brasil, Oscar Sanchez Pineiro.
Em 2018, Maha e a irmã Souad foram as primeiras pessoas reconhecidas pelo Governo Brasileiro como apátridas após a Lei de Migração.
30 anos sem pátria
Maha nasceu em Beirute, capital do Líbano, mas não pôde ser registrada como libanesa porque o país, como a maioria das nações, concede a nacionalidade pelo sangue, e não pelo território onde se nasce. Ela teria, então, que assumir a origem dos pais, sírios. No entanto, o pai, Jean Mamo, é cristão, a mãe, Kifah Nachar, é muçulmana, e as leis da Síria não permitem o casamento inter-religioso.
Maha e os irmãos não pertenciam a lugar algum, não eram sírios nem libaneses, e precisaram lutar pelas questões mais elementares de cidadania, como frequentar uma escola, ter acesso a hospitais ou desfrutar da liberdade de ir e vir. Os três só conseguiram deixar o Líbano depois que a Embaixada do Brasil em Beirute concedeu a eles um documento de viagem chamado “Laissez-passer”, um visto humanitário que fazia parte da resposta do governo brasileiro à guerra da Síria, iniciada em 2011, para proteger a população diretamente afetada pelo conflito.
Na busca pela cidadania, Maha contou com o apoio irrestrito do ACNUR, apoiando-a em diversas viagens Brasil afora para que ela pudesse apresentar quem são as pessoas apátridas, assim como sua trajetória, agora como cidadã brasileira. Hoje, ela é uma das personalidades mais atuantes da campanha I Belong, que pretende acabar com a apatridia no mundo até 2024.
Uma meta ambiciosa, mas com a qual Maha se permite sonhar.