Conheça quem são as pessoas que abandonaram o Tigré para sobreviver
Conheça quem são as pessoas que abandonaram o Tigré para sobreviver
Mais de 50.000 pessoas fugiram da violência na região de Tigré, no norte da Etiópia, em busca de segurança rumo à fronteira com o Sudão.
Elas caminham até pontos remotos de fronteira, apavoradas e exaustas, mas aliviadas depois de percorrerem longas distâncias em terrenos ásperos. Muitas das pessoas que estão fugindo são mulheres e crianças que não carregam nada além das roupas que vestem.
Inicialmente, o fluxo constante de novas chegadas sobrecarregou a capacidade atual das agências humanitárias em fornecer ajuda, e os esforços para ajudar essa população estão apenas começando. As necessidades urgentes incluem comida, água, abrigo, saneamento e cuidados de saúde.
As vidas daqueles que fugiram foram destruídas. Nenhum deles jamais pensou que seria refugiado e teria que deixar para trás uma vida inteira de investimentos, trabalho duro e família.
Estas são suas histórias.
Dayelowm, 40 anos, o médico - “Eu tinha um trabalho muito bom. Era pacífico e eu estava no lugar certo”
O Dr. Daryelowm trabalhou como especialista por quase quatro anos em um hospital no oeste de Tigré antes de ser forçado a deixar tudo para trás. Ele chegou a ‘Village 8’, um assentamento sudanês perto da fronteira e começou a trabalhar. Ele reuniu um grupo de médicos, enfermeiras, farmacêuticos e até um veterinário para ajudar os recém-chegados necessitados.
“Começamos trabalhando em casa, usando pedaços de papel como ficha dos pacientes”, diz. O governo sudanês chegou mais tarde e lhes deu suprimentos.
Daryelowm estava tendo um dia normal de trabalho quando tudo mudou em Tigré. “Foi um dia agitado e então ouvi explosões como ‘boom boom boom!’ Ouvimos dizer que havia civis feridos pelos bombardeios”, lembra.
Quando o bombardeio se intensificou, ele se juntou às centenas de pessoas que saíam da cidade. “As pessoas estavam partindo sem nada, apenas correndo para salvar suas próprias vidas.”
Eles viajaram em tratores para cruzar a fronteira com o Sudão. No dia seguinte, Daryelowm foi trabalhar com sua equipe de voluntários, tratando centenas de pessoas. As doenças mais comuns são malária, pneumonia e febre tifoide. As horas são longas e os recursos são escassos, mas ele não está pronto para desistir.
“Temos que lutar até o fim. Não podemos dar um atendimento de qualidade nesse estado, mas podemos dar alguma coisa, um cuidado básico para as pessoas que estão aqui”, diz.
Ngesti, 28 anos, a professora - “Formar uma geração através do ensino é uma grande responsabilidade. Estou orgulhosa pois posso moldar o futuro”
Um lençol leve cobre parte do abrigo de 3x3 m² onde atualmente Ngesti e sua família moram, no campo de Um Rakuba. Pelo menos a sombra impede a entrada do sol quente e, dentro do abrigo, Ngesti prepara um café. Alguns saquinhos com roupas para as crianças e uma pequena pilha de porções do Programa Mundial de Alimentos estão empilhados de um lado.
Depois de terminar o trabalho doméstico, ela dá duas aulas diárias em tigrínia, sua língua materna, às 8h30 e às 15h, para as crianças do campo. As classes às vezes são afetadas quando há distribuição de alimentos, momento em que ela deve esperar na fila para pegar porções para sua família. Hoje, sua filha Adiam está doente - uma dor de estômago que ela acha que pode ser causada por comida ou água ruim.
“A vida era muito boa, tínhamos uma vida plena. Mas agora estamos aqui”, diz Ngesti, que é professora há nove anos. A eclosão do conflito mudou tudo. “Estávamos em nossa casa quando fomos atacados. Nossa casa foi queimada. Tudo foi queimado”, afirma.
Ela é grata pela hospitalidade dos sudaneses e ofereceu-se como professora voluntária para ajudar as crianças. “Quando eu era criança, queria ser professora porque ensinar é uma ótima profissão”, conta. “Formar uma geração através do ensino é uma grande responsabilidade. Estou orgulhosa pois posso moldar o futuro”.
Sua maior necessidade agora é o apoio de voluntários. “Precisamos de melhores serviços; precisamos de roupas e comida. Se não podemos comer, como ajudaremos essas crianças?”
Futsum, 25 anos, o artista - “Trabalhos manuais fazem passar o tempo, me ajudam a relaxar e a pensar em outras coisas”
O ambiente atual de Futsum está muito longe do que ele está acostumado: agora, ele dorme em um prédio abandonado no campo de refugiados de Um Rakuba. Se estivesse em casa, provavelmente estaria ocupado fazendo arte, pintando, desenhando e perseguindo sua paixão pelo cinema.
Ele não tem muito, pois fugiu apenas com a roupa que vestia: camisa azul, jeans e um gorro vermelho. Tudo o que ele carregava era um pacote de biscoitos e uma garrafa de água.
Sem nenhum de seus materiais de arte, Futsum começou a usar o que encontra ao seu redor - sobras de metal, materiais de construção e uma vara de solda usada - para esculpir esculturas em pedra e madeira. “Isso acalma minha mente”, diz Futsum, que, depois de ter fugido, às vezes fica ansioso e deprimido.
Ele explica que não faz filmes pelo dinheiro, mas para educar as pessoas. “Fiz filmes sobre tragédias, sobre a morte e sobre como nada de bom vem de matar”, diz. “Eles são sobre como pessoas racionais podem resolver seus problemas.”
Ele gosta de mostrar suas esculturas para outras pessoas. Mas mais do que tudo, ele quer voltar para casa. “Eu quero voltar e fazer minha arte. Eu também quero continuar fazendo filmes. Sabe, muitas pessoas se esqueceram de onde vieram e quero fazer filmes para lembrá-las disso”, sorri.
Fusuh, 24 anos, os recém-casados - “Estou um pouco deprimido aqui, pois estamos preocupados com nossa família. Mas pelo menos estamos bem e longe da guerra”
Fusuh e Hellen haviam se casado quatro meses antes de terem que fugir de sua cidade natal. Fusuh acabara de terminar a faculdade e começara a trabalhar como enfermeira quando a crise eclodiu.
“Ouvimos os combates na cidade e, de repente, tiros pesados atingiram o telhado da nossa casa, espalhando faíscas e estilhaços para todos os lados”, diz ele, acrescentando que um pedaço de metal do telhado o feriu nas costas. “Pegamos o que podíamos e corremos para salvar nossas vidas.”
Em Um Rakuba, eles montaram um abrigo simples feito de folhas e talos de sorgo ao lado de um grande baobá. Aqui, eles mantêm seus pertences arrumados e bem organizados. Hellen faz café para o fluxo de visitantes que vem cumprimentar o casal popular.
Enquanto isso, Fusuh começou a trabalhar como voluntário em uma clínica local administrada por Médicos Sem Fronteiras, junto com outros médicos e enfermeiras com quem trabalhou em seu país natal. Ele trabalha na triagem, ajudando a decidir quais pacientes precisam de tratamento de emergência.
Embora seu futuro seja incerto, o jovem casal é generoso e atencioso com as pessoas ao seu redor, fazendo o que podem para tornar a difícil situação melhor para eles e sua comunidade. “Estou um pouco deprimido aqui, pois estamos preocupados com nossa família. Mas pelo menos estamos bem e longe da guerra”, diz Fusuh.
Meserei, 23 anos, a empreendedora - “Duas semanas depois de chegar em Um Rakuba, eu ainda estava usando as mesmas roupas de quando deixei a Etiópia”
Meserei estava trabalhando em um bar de sucos em sua cidade quando o conflito começou. Apesar de ter visto pessoas correndo e fugindo, ela continuou trabalhando.
Foi então que alguém a explicou o que estava acontecendo. “Alguém veio e me disse que pessoas armadas estavam vindo para nos matar, então eu corri”, disse.
Não havia tempo de voltar para casa para ver como estavam seus pais e os dois irmãos mais novos. Ela apenas correu para salvar sua vida, em direção à fronteira e para a segurança. “Saí sem nada: sem comida, sem malas, sem roupas. Duas semanas depois de chegar a Um Rakuba, ainda estou usando as mesmas roupas que tinha quando fugi da Etiópia”.
Meserei não conhecia ninguém no início, mas desde então fez amizade com alguns de seus vizinhos no grande abrigo improvisado em que os refugiados ficam quando chegam. Ela dorme em um abrigo com até outros 50 homens, mulheres e crianças. Ela está preocupada com sua família, pois não sabe onde eles estão.
"Sabe, eu não estou bem. Tenho saudades dos meus amigos, da minha família e de todas as minhas roupas. Eu literalmente não tenho nada aqui!” Ela espera que as coisas melhorem e ela possa voltar para casa, continuar trabalhando e economizar para sustentar sua família.
Perfis compilados por Will Swanson no acampamento Um Rakuba e Village 8, Sudão. Editado por Catherine Wachiaya.
Em meio à pandemia do novo coronavírus, famílias etíopes são forçadas a fugir de suas casas para sobreviver. O ACNUR está trabalhando sem parar para suprir necessidades básicas, mas a crise segue se agravando e não há capacidade de abrigo para todas as pessoas. Precisamos agir rápido! Doe agora mesmo para salvar vidas!