Do tráfico ao reassentamento: A história de uma mãe somali e sua filha
Do tráfico ao reassentamento: A história de uma mãe somali e sua filha
ÁDEN, Iêmen, 15 de outubro (ACNUR) – Um gesto generoso de uma mulher somali foi retribuído anos depois no Iêmen com o sequestro de sua filha adolescente. Foi o pior momento na história de dor de Khadija*.
Então, sua sorte mudou drasticamente. Ela foi reunida com sua filha Khadra* e, por recomendação do ACNUR, foi aceite para o reassentamento no norte da Europa. Além do mais, em um julgamento marcante, sua antiga amiga e dois cúmplices foram julgados e condenados a 10 anos de prisão por tráfico de pessoas - a indústria criminosa que mais cresce rapidamente no mundo.
Este primeiro tipo de caso no Iêmen poderia representar um importante precedente. Mas a filha de Khadija conseguiu escapar relativamente ilesa. Milhões de pessoas, incluindo refugiados, são pegos em redes de tráfico e muitos são explorados e sujeitos a encarceramento, estupro, escravidão sexual, prostituição, trabalho forçado, remoção de orgãos para transplante, tortura física e psicológica e outros tipos de abuso. Crianças e adolescentes são os mais vulneráveis.
“Minha vida tem sido marcada por várias dificuldades,” disse Khadija ao ACNUR. Por metade de sua vida, sua nativa Somália tem sido devastada pela violência, deixando dezenas de milhares de mortos e centenas de milhares de deslocados à força. Seu próprio casamento acabou por causa de um conflito entre clãs, o que a obrigou a apanhar um barco de contrabandistas para procurar segurança do outro lado do Golfo de Áden, no Iêmen.
“Eu suportei o trauma de fugir de meu país [em 1999] e deixar minha mãe e filha para trás”, Khadija relembrou. “Eu aguentei viver na pobreza no Iêmen”. Em 2002, ela voltou à Somália para buscar sua filha.
Três anos antes de tornar-se uma refugiada, enquanto tocava uma mercearia em Bossaso, no norte da Somália, ela teve seu primeiro encontro com Fatima*, a refugiada etíope que a teria traído tempos depois.
“Eu estava atendendo alguns clientes, um dia, quando ouvi uma mulher pedir ajuda nap arte de trás da minha loja. Eu corri para fora da loja”, Khadija disse, acrescentando que ela encontrou Fátima no chão tentando se defender de um agressor. “Eu comecei a gritar com o estuprador com todas as minhas forças. Eventualmente, ele fugiu”.
Khadija, cuja filha tinha dois anos de idade, acolheu Fátima em sua casa. “Ela costumava me chamar de mãe e era assim que eu me sentia em relação à ela. Ela viveu debaixo do meu teto até que se casou, em 1998, e perdemos contato”.
Seus caminhos cruzaram-se novamente em Setembro do ano passado em Áden. “Eu me surpreendi em ver quão bem ela estava. Ela tinha uma casa de quatro quartos e três empregadas”, ela disse, acrescentando que quando Fátima ofereceu à sua filha Khandra um emprego, “pensei que era um gesto gentil para retribuir minha generosidade”.
Mas, aproximadamente três semanas depois, Khadija chocou-se ao receber uma ligação de Fátima que a sua filha seria despedida. “Embora eu não tivesse entendido os motivos dessa decisão, eu não fiz objeções. Eu fui buscar minha filha e seus pertences pela tarde”, Khadija disse. No dia seguinte Khadra foi visitar alguns amigos, mas nunca voltou para casa.
Depois de uma noite sem dormer, Khadija foi para a casa de Fátima procurar Khadra. “Fátima fingiu não saber nada sobre o desaparecimento de minha filha. Mas eu sabia que estava mentindo, porque vi um saco plástico com as roupas de minha filha”, ela declarou.
A polícia disse não ter evidências suficientes para agir, mas Khadija não desistiu. Ela descobriu que sua filha estava presa na província de Shabwa, no Yemen, por alguém que traficava jovens africanas através da fronteira da Arábia Saudita, onde eram forçadas a trabalho doméstico ou escravidão sexual.
“Quando liguei para pedir minha filha de volta, ele pediu US$250. Numa segunda ligação, ele quis US$1.000”, Khadija revelou, acrescentando: “Eu não podia pagar.” Khadija decidiu que se ela queria salvar sua filha, ela precisava de ajuda – ela buscou a polícia. As autoridades em Shabwa prenderam dois homens que negociaram com Khadija a libertação de Khadra. A polícia em Áden, enquando isso, buscou Fátima.
Foi uma manobra arriscada, pois Khadra ainda estava prisioneira. Alguns dias depois, Khadija recebeu uma ligação de sua filha, implorando que liberasse Fátima e seus cúmplices. Um homem interrompeu a ligação e falou que ela deveria ajudar se quisesse ver sua filha novamente.
Mas no lugar de assustar Khadija, as ameaças a convenceram que “a única garantia da vida de minha filha era ter esses três criminosos na prisão... Eu nunca perdi esperança. Algo me dizia que minha filha estava viva.”
Então, um dia em Fevereiro deste ano, de repente, ela recebeu uma ligação da Somália. “Era minha filha. Ela disse que havia sido presa por autoridades sauditas e deportada para Mogadishu”. Pela segunda vez, ela retornou à Somália para buscar sua filha. Logo após, o ACNUR recomendu ela e sua filha para o reassentamento.
Khadija estava em êxtase com a notícia, mas ela precisava que a situação chegasse ao fim. “Eu sentia que não poderia viver em paz até que os criminosos que sequestraram minha filha fossem julgados”, ela explicou. O ACNUR concordou que Khadija e sua filha deixassem o país para tentar uma nova vida na Europa uma semana depois que uma corte no Áden sentenciou Fátima e seus cúmplices a 10 anos de prisão e uma compensação de US$ 3.000. “Hoje eu sinto que posso pensar no futuro de minha filha e em um novo lar”.
*Nomes modificados para proteção dos envolvidos
Rocco Nuri em Áden, Yemen