Em hospital do Sudão do Sul, cirurgião supera adversidades para ajudar quem mais precisa
Em hospital do Sudão do Sul, cirurgião supera adversidades para ajudar quem mais precisa
O título do Dr. Evan Atar Adaha é de cirurgião-chefe e diretor médico. Ele não tem um escritório. Ele não gosta de se sentar. Ele realiza até 10 cirurgias por dia, fica horas em pé, ajuda as enfermeiras a preparar os pacientes e checa cada um deles, desde pacientes com ferimentos de bala até pacientes com malária e recém-nascidos.
Frequentemente ele é o primeiro a chegar na sala de operação e a empurrar a pesada mesa de metal para o lugar certo. Ele pode ser visto na enfermaria neonatal, sussurrando para um recém-nascido. Recentemente, um colega encontrou-o de pé e descalço na mesa de operações tarde da noite, cantando e fazendo um reparo em uma luz do teto.
“Estamos aqui para salvar vidas, não para sentar”, afirma o Dr. Atar, que é conhecido pelo seu nome do meio. “Não há preguiça na sala de operação. Somos todos iguais. Somos todos uma equipe”.
Dr. Atar, de 52 anos, é o cirurgião sênior e único cirurgião do Hospital Maban Referral, uma instalação de 120 leitos e duas salas de operação em Bunj, no sudeste do Estado do Alto Nilo, no Sudão do Sul.
O hospital, a mais de 600 km da capital, Juba, é a única instalação cirúrgica em funcionamento no Alto Nilo e inclui uma seção neonatal e uma ala para tratamento de tuberculose com 20 leitos.
Aberto 24 horas por dia, o hospital atende a uma população de mais de 200.000 pessoas. Dr. Atar é tão conhecido que muitos apenas se referem ao hospital como “Hospital do Dr. Atar”, e pacientes viajam por dias para serem atendidos por ele.
“Somos o fim da linha”, disse Kalisa Yesero Wabibye, uma médica de Uganda que trabalha no hospital de Maban há mais de dois anos. O ACNUR, Agência da ONU para Refugiados, financia o trabalho do hospital por meio de vários parceiros.
“Somos a única parada. Não há outros lugares acima de nós. Não há especialistas superiores. ”
Dr. Atar e sua equipe trabalham em um ambiente difícil e perigoso. O Sudão do Sul sofre com a escassez de instalações e profissionais de saúde qualificados, e o abastecimento de medicamentos e equipamentos é pequeno.
Quando o Sudão do Sul conquistou a independência em 2011, contava com cerca de 120 médicos e 100 enfermeiras para uma população de 12 milhões de pessoas. Desde que a guerra civil eclodiu em dezembro de 2013, deslocando mais de quatro milhões de pessoas, a assistência médica se deteriorou.
No passado, instalações médicas foram saqueadas e ocupadas. Funcionários da área da saúde foram intimidados, detidos, sequestrados e mortos. Ambulâncias foram alvejadas e roubadas. Desde 2013, 103 trabalhadores humanitários foram mortos.
A situação no condado de Maban é volátil e períodos regulares de violência foram uma realidade nos últimos anos. Depois que os escritórios e complexos de organizações internacionais, incluindo o ACNUR, foram atacados em julho deste ano, o Dr. Atar continuou a trabalhar em seu hospital, mesmo quando membros de sua equipe médica foram forçados a sair.
Ele dá de ombros para o perigo. “Tratamos todos aqui, independentemente de quem sejam”, diz, acrescentando que todos os lados do conflito parecem entender que eles também se beneficiam de bons cuidados médicos.
Com seu otimismo incurável, gargalhadas e, às vezes, uma teimosia perceptível, ele se dedicou determinadamente à causa de prestar assistência médica aos mais necessitados.
Originalmente de Torit, no sul do Sudão do Sul, Dr. Atar recebeu uma bolsa de estudos para estudar medicina em Cartum e mais tarde atuou no Egito.
Em 1997, ele se mudou para Kurmuk, no Estado sul-sudanês do Nilo Azul, no centro de um grande conflito onde, durante 12 anos, muitas vezes durante os bombardeios, dirigiu um hospital básico que tratava de civis feridos e combatentes de ambos os lados.
“Quando cheguei, o hospital era um grande sanitário e a única coisa que deixaram para trás foi uma mesa de cirurgia”, lembrou.
“Usamos fio normal para suturas e palitos para drenagem de sangue”. Seu bem mais precioso, diz Atar, é um conjunto de amputação e um pequeno kit de esterilização que ganhou de um médico francês.
Em 2011, sob intenso bombardeamento sudanês, ele e toda a sua equipe juntaram-se a dezenas de milhares de sudaneses que fugiram para o condado de Maban, no Sudão do Sul. Dr. Atar empacotou as coisas do hospital e colocou-as em quatro carros e um trator. “Demoramos um mês”, disse ele sobre a peregrinação. “Não havia estrada. Era a estação das chuvas. Os rios estavam transbordando”.
Em 2011, a cidade principal de Maban, Bunj, era um local pequeno com um punhado de lojas. O hospital já foi um posto de saúde, sem sala de cirurgia. Para realizar sua primeira operação, Dr. Atar fez uma sala de operação com uma mesa elevada por portas empilhadas.
Hoje, além de abrigar 53.000 habitantes locais de Maban, a área ao redor de Bunj também abriga 144.000 refugiados do Nilo Azul do Sudão, dos quais 142.000 vivem em quatro campos de refugiados. Além disso, há 17.000 deslocados internos do Sudão do Sul por conflitos no Condado de Maban e suas áreas adjacentes. À medida que a luta se intensifica ao longo da fronteira, o ACNUR espera mais 12 mil refugiados este ano.
As unidades de saúde nos campos estão ligadas ao hospital de Maban. A equipe cirúrgica composta por quatro médicos opera uma média de 58 casos por semana. Em 2017, mais de 70% dos casos cirúrgicos eram de comunidades de refugiados.
Bunj e seus arredores são áreas tensas e voláteis. As comunidades lutam por recursos limitados, como madeira, espaço para plantio e pasto.
Os desentendimentos frequentes entre os partidos políticos terminam em tiroteios. Agências de ajuda humanitária respeitam toques de recolher, se protegem contra tiroteios em bunkers à prova de balas e, em várias ocasiões, foram evacuados para Juba. Dr. Atar sempre permaneceu em Bunj.
Ele reconhece que sua escolha profissional tem sido dura para sua esposa e quatro filhos. Ele os vê apenas três vezes por ano. A família mora em Nairobi e o Dr. Atar tenta manter contato via WhatsApp e envia e-mails várias vezes por semana. “Agora eu posso fazer o dever de casa de física e química com o meu filho mais velho”, diz. “Quando eu estava em Kurmuk, escrevia cartas que demoravam um mês para chegar”.
O Dr. Atar não acredita que esteja fazendo algo extraordinário. Ele mora em uma barraca de lona surrada pelo tempo e, na varanda, mantém uma máquina de costura que usa para fazer roupas cirúrgicas.
Ele diz que beber leite é o que lhe dá energia. No domingo, para relaxar, ele vai à igreja ou tira uma soneca ao ar livre, deitado sobre as molas de uma cama enferrujada.
“É como ter ar condicionado”, diz. Ele ama cantar. Às vezes trabalha em turnos de 24 horas e gosta de brincar que suas enfermeiras o chamam de ditador.
Enquanto faz suas rondas, provocando crianças, discutindo planejamento familiar com uma mãe que se recupera de sua terceira cesariana, estimulando um homem com um braço esquerdo amputado e um fêmur direito quebrado a aprender a andar usando uma única muleta, fica claro que sua principal fonte de felicidade não é apenas operar, mas conectar-se com seus pacientes.
Cristão, Dr. Atar, que é fluente no idioma principal da região, o árabe, ora com os pacientes antes de serem anestesiados e, de acordo com a religião deles, recita a Bíblia ou o Alcorão.
“Fico muito feliz principalmente quando percebo que o trabalho que fiz salvou alguém do sofrimento ou salvou uma vida”, afirmou. “Mas a cura não é o remédio sozinho. Você tem que conectar-se o paciente. No momento em que você se relaciona com um paciente, ele abrirá o coração para você... Quando um paciente morre em minhas mãos, fico muito triste”.
Parte de seu trabalho é improviso. Se surgir uma necessidade, especialmente durante a estação chuvosa, quando a malária é abundante, ele dobra o número de pacientes nos leitos e pode tratar outras 60 pessoas.
A energia elétrica é fornecida por dois geradores e painéis solares. O Dr. Atar exige que todos os médicos tenham habilidades mecânicas básicas, que recentemente foram úteis quando todos os sistemas falharam no início de uma operação. Não há banco de sangue. Aqui muitas pessoas acreditam que vão morrer se doarem sangue. O Dr. Atar não mede esforços em pressionar os parentes de um paciente a doar.
Atar diz que é improvável que ele se aposente. O hospital é o que dá esperança e significado para sua vida. “Quanto mais bons atendimentos você realiza, mais as pessoas vêm”, diz com uma risada.
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