Em Roraima, homens reconstroem conceitos sobre masculinidades e estereótipos de gênero
Em Roraima, homens reconstroem conceitos sobre masculinidades e estereótipos de gênero
O curso surgiu a partir da identificação de comportamentos e práticas características das masculinidades patriarcais, que estavam refletindo em situações de tensão e de violência de gênero nos abrigos de Roraima que atendem à emergência humanitária venezuelana. Essas práticas, hábitos e crenças têm como base relações de poder, em que o homem e o que é caracterizado como masculino são vistos como melhores ou superiores ao que se tem como feminino. Isso não apenas fomenta desigualdades de poder social, econômico e político, mas também estimula situações de violência. Foi com a intenção de trazer à tona a identificação dessas masculinidades patriarcais e de seus reflexos no cotidiano, assim como a necessidade de mudança para masculinidades transformadoras, que foi desenvolvido o curso “Novas Masculinidades”.
O curso é composto por seis encontros, um por semana, e oferecido a homens de diferentes faixas etárias, a partir dos 15 anos de idade. “De início, temos um encontro para nos conhecer. A partir do segundo encontro, entramos na pauta mais específica das masculinidades – o que são as masculinidades tradicionais, as masculinidades tóxicas, o machismo”, explica Ítalo Beltrami, assistente de proteção para Violência Baseada em Gênero no UNFPA, que tem conduzido o curso nos abrigos de Boa Vista. As conversas também incluem temas como o papel dos homens na sociedade, autoestima, sentimentos, saúde física e mental, relações com outras pessoas, entre outros. “A gente não insere a temática propriamente. A gente leva as atividades e a temática vai surgindo nas conversas, sobre como eles podem combater e construir um novo tipo de masculinidade dentro de casa, no trabalho, nos demais ambientes. Mas principalmente dentro de casa, que é onde a maioria dos casos de violência de gênero acontece”, completa.
Alex é um dos participantes que defende o impacto do curso sobre sua forma de ver o mundo e viver em sociedade. Aos 20 anos, ele conta que, até fazer o curso, não conseguia confiar nas pessoas e raramente demonstrava algum sentimento. Hoje, afirma que vive com mais leveza, que consegue entender e construir relações com a mãe, a irmã e a noiva, e que espera ser um exemplo de pai para o enteado. “Normalmente, as mulheres veem os homens como uma fortaleza, como o cimento de um edifício, que nada abala. Muitos de nós, homens, pensávamos igual, mas depois do curso e das conversas, vários de nós choramos e fomos nos dando conta de que não somos indestrutíveis, que temos sentimentos. Vimos que também somos frágeis, que também passamos por coisas sentimentais e que também podemos chorar. O curso nos ajuda a entender que nós também temos um coração”, conta.
A mudança no comportamento e na vivência dos participantes, segundo o assistente de proteção do UNFPA, é notável ao longo do curso. “Trabalhamos com população refugiada e migrante, que tem histórias diferentes, cultura diferente, ensinamentos diferentes, e isso aparece muito nas sessões do curso. E a gente sente diferença, principalmente com relação às questões de gênero. Desde pensamento de que só o homem pode sair para trabalhar, só ele que tem que por comida dentro de casa, até pensamentos de que os homens são melhores que as mulheres. Isso muda bastante ao longo das seis semanas. Ao final, a gente sente que há uma sensibilidade maior sobre a temática”, afirma Ítalo.
“O curso me fez ser mais sociável. Eu não tinha esse bom trato com as pessoas. Eu fazia o que tinha que ser feito, sozinho, e era tudo. Agora eu confio nas pessoas, aprendi a pedir ajuda, aprendi que não posso fazer tudo sozinho. E isso também me ajudou a entender melhor minha companheira, minha mãe, minha irmã”, declara Alex. “Os homens são vistos como os responsáveis por manter a casa, manter a família, e usam isso para dizer que não têm tempo para mais nada, nem para sentir afeto, nem para chorar. Com isso, cultivam a mentalidade que não podem ser fracos, que precisam ser fortes”, completa. “Posso dizer que não sou a mesma pessoa que chegou ao Brasil há 10 meses. Cheguei uma pessoa seca, pedante, ignorante, não podiam sequer falar comigo. Aqui, me ajudaram a ser mais sociável, a controlar minha raiva, me ajudaram a ser uma pessoa mais calma, mais humana.”