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“Espero que as pessoas não se esqueçam”: diário de uma trabalhadora humanitária na Síria

Comunicados à imprensa

“Espero que as pessoas não se esqueçam”: diário de uma trabalhadora humanitária na Síria

20 Agosto 2019
Yumiko Takashima conhece Subhi, de sete anos, que é deficiente visual, em Aleppo, na Síria © ACNUR / Antwan Chnkdji

Yumiko Takashima trabalha para a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) na Síria - a mais de 8,7 mil  km de sua cidade natal, Tóquio. Ela se juntou à organização vinte anos atrás e trabalhou em lugares como Timor-Leste, Sudão, Tailândia, Afeganistão e vários outros. Desde 2018, ela está em Aleppo.

Mais de 5,6 milhões de pessoas fugiram da guerra na Síria desde 2011, buscando segurança na Turquia, Líbano, Jordânia e outros. Outros milhões estão deslocados dentro da Síria.

Yumiko nos contou como é viver e trabalhar em um dos lugares mais difíceis do mundo, todos os dias.

Um homem atravessa as ruas destruídas de Aleppo em fevereiro de 2019 © ACNUR / Antwan Chnkdji

05:00 O despertador do meu telefone toca e eu me arrasto para fora da cama para correr. O exercício é realmente importante… especialmente em uma cidade como Aleppo, onde a comida local é tão deliciosa! Meu novo amor é 'Kabab bil Karaz' (kebab de cereja). Antes da crise, Aleppo costumava ser o centro econômico da Síria e era bem conhecido por seu grande mercado coberto, produtos tradicionais como sabonetes e iguarias como 'Kebeh' e 'Mahashi' (berinjela e abobrinha recheada com carne moída).

Nós atualmente temos que morar em um hotel por causa da situação de segurança, então eu corro algumas voltas no pequeno jardim ao redor do hotel. A vida em um hotel não é tão glamorosa quanto parece e você rapidamente começa a sentir falta do que faz de um lugar um "lar", como poder cozinhar e desfrutar de uma refeição em sua própria cozinha. Mas nós tentamos fazer o melhor possível. Como criar uma pequena cozinha em uma área comum, onde podemos preparar refeições.

Yumiko aprende sobre algumas das atividades neste centro infantil em Aleppo © ACNUR / Hameed Maarouf

08:00 Depois de um rápido café da manhã, estou em um carro, pronta para ir ao escritório. Fica a apenas dez minutos de carro, mas em alguns dias precisamos tomar uma rota diferente por razões de segurança. Independente de onde precisamos ir, estamos sempre em veículos blindados.

Metade de Aleppo foi destruída devido à crise. A outra metade está intacta. Uma rua divide os dois lados. Quando estou no meio dessa estrada, eu sinto que estou em um filme - um lado sendo destruído e o outro intacto - é tão irreal, mas é real.

As necessidades aqui são enormes. Mais de 990 mil pessoas em Aleppo e nos arredores foram deslocadas à força de suas casas. Atualmente, cerca de 161 mil pessoas já voltaram. O ACNUR está apoiando as famílias que optam por retornar, com programas de apoio às aldeias que visam melhorar as condições de retorno das pessoas. Estimamos que existam cerca de 1,4 milhão de pessoas necessitadas em Aleppo e nos arredores. Por trás de cada um desses números, há pessoas reais, com vidas reais.

É por isso que estou aqui: é sobre como nós humanos podemos nos ajudar. O que me impressiona é a resiliência das pessoas. O que você pode ter ouvido sobre Aleppo não é totalmente verdade. As pessoas aqui enfrentaram situações muito difíceis, mas não olham para trás, apenas querem avançar e ter normalidade em suas vidas. Nós, como humanitários, podemos ajudar nossos semelhantes, os quais estão caindo em crises constantes, a seguir em frente.

Yumiko conhece Um Bassam, de 79 anos. Ela retornou a Aleppo para reconstruir sua vida em meio à devastação ©ACNUR/Antwan Chnkdji

08:15 Desde que eu comecei a trabalhar, levo 15 minutos para entender tranquilamente o que vai acontecer durante o dia, para priorizar o trabalho e pensar em como lidar com qualquer reunião difícil. Esses 15 minutos são muito importantes para mim, eles me ajudam a focar. Inicialmente, temos uma reunião de equipe. Existem cerca de 60 pessoas trabalhando aqui em Aleppo no momento, incluindo 52 colegas nacionais. Muitos perderam familiares e amigos por causa da crise. Ainda assim eles continuam. Estou muito honrada por fazer parte de uma equipe tão forte, confiante e apaixonada.

11:00 Saio com meu colega Mustafa para visitar um centro comunitário dirigido pelo ACNUR, para garantir que nossas atividades estejam no caminho certo. Nesses centros, oferecemos diferentes serviços, como assessoria jurídica, aconselhamento, treinamento profissionalizante e aulas de recuperação para crianças que perderam a escola por causa da crise. As crianças são o futuro da Síria e queremos garantir que elas não sejam deixadas para trás.

Um centro comunitário é mais do que apenas um prédio onde as pessoas podem acessar serviços e informações de proteção. É um espaço onde as pessoas se encontram e discutem o que querem fazer por si mesmas em suas comunidades.

Atualmente, o ACNUR apoia 22 centros comunitários e dez centros menores em Aleppo. Também temos 28 equipes móveis que vão a pequenas aldeias remotas para garantir que as famílias recebam o apoio de que precisam. Essas equipes consistem em voluntários locais que conhecem melhor suas comunidades.

Yumiko conversa com jovens garotas em um centro comunitário em Aleppo ©ACNUR/Antwan Chnkdji

14:00 Encontro com o pessoal de uma organização nacional que está ajudando o ACNUR a distribuir suprimentos de inverno. Ainda estamos lidando muito com emergências em várias partes de Aleppo. Nós estamos lá para ajudar, para fornecer abrigo e itens básicos, como cobertores, galões para armazenar água e muito mais. Durante o inverno é extremamente frio aqui. É por isso que fornecemos materiais como folhas de plástico transparente para ajudar as famílias a cobrir janelas e portas destruídas para evitar o frio. No inverno passado, ajudamos mais de 215 mil pessoas na área com itens essenciais, como sacos de dormir, jaquetas de inverno, cobertores e lonas plásticas.

18:00 A maioria dos funcionários saem do escritório antes de escurecer por conta da segurança. Quando volto ao hotel, continuo trabalhando, respondendo e-mails e me preparando para o dia seguinte, às vezes até tarde da noite. Se você me pedisse para descrever este trabalho, eu diria que não é um trabalho, é uma vocação. É algo que eu tenho muita sorte de poder fazer. Mesmo que seja difícil estar longe da minha família e amigos.

Muitos de nós querem fazer algo quando vemos alguém sofrendo, como um ser humano. Podemos nem sempre ser capazes de fazer o que quisermos, mas até mesmo ouvir as pessoas mostra que nos importamos. Temos sorte de poder fazer isso aqui em Aleppo.

Espero que as pessoas não se esqueçam das famílias deslocadas que precisam de ajuda. São pessoas como eu e você, que por acaso estão nessa situação difícil, sem culpa alguma. Eu sei que é tão fácil esquecer o que está acontecendo em outra cidade, país, continente, mas eu vejo o que acontece quando ajudamos. As pessoas são fortes. Com um pouco de apoio, eles podem continuar com suas vidas.

Há um tempo atrás, o ACNUR ajudou a instalar as luzes das ruas em uma área de Aleppo. Iluminar as ruas significa que a vida pode continuar após o anoitecer: as pessoas se sentem mais seguras e podem se movimentar com mais facilidade, as crianças podem fazer sua lição de casa à noite, as famílias não precisam mais ficar sentadas no escuro. Então não é apenas a luz, é a esperança que ela proporciona para as pessoas. Quando as luzes se acenderam, uma senhora idosa saiu de casa e me abraçou, chorando e apontando o dedo para as luzes. Ela não falava inglês e meu árabe era terrível, mas não precisávamos de palavras para nos entendermos. Em tempos assim, sinto-me muito privilegiada por trabalhar em Aleppo.

O ACNUR está fornecendo aos residentes de Aleppo uma assistência que salva vidas, incluindo os conjuntos de cozinha mostrados aqui © ACNUR / Antwan Chnkdji