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"Fiquei muito motivada para tentar fazer a diferença"

Comunicados à imprensa

"Fiquei muito motivada para tentar fazer a diferença"

14 Agosto 2019
Ann Encontre visita o assentamento de refugiados Mulongwe, na República Democrática do Congo © ACNUR / Georgina Goodwin

Ann Encontre é a atual Representante Regional do ACNUR, com sede em Kinshasa, na República Democrática do Congo. Ela tem mais de 23 anos com o ACNUR, trabalhando em Serra Leoa, no Chade e na Suíça.

Depois de crescer no Caribe, cercada de praias de areia branca, águas turquesa e montes verdes, Ann se mudou para Genebra, Suíça, com seu marido. Com um diploma em direito, grande experiência profissional, um marido carinhoso e dois filhos, ela era uma jovem mulher que aparentemente tinha tudo. Ainda assim, ela escolheu deixar essa segurança e conforto para trabalhar em zonas de guerra ajudando as pessoas forçadas a se deslocar.

Por que você se tornou uma trabalhadora humanitária?

Desde criança, meu sonho era me tornar uma advogada. Depois da graduação na faculdade de direito, comecei a trabalhar em planejamento imobiliário, direito empresarial, grandes fundações e fundos de hedge funds. Eu pensava que essa era a minha real paixão – até que assumi uma oportunidade de emprego de curto prazo com o ACNUR, quando me mudei com o meu marido para Genebra.

Fiquei profundamente impressionada com a situação dos refugiados e solicitantes de refúgio. As violações de direitos humanos eram absolutamente inacreditáveis. Claro, eu estava ciente do que acontecia pelas notícias. Mas realmente me afetou ver essas violações sistematicamente executadas contra centenas de milhares de pessoas que não tiveram outra escolha senão fugir para salvar suas vidas.

Em 1999, quando surgiu a oportunidade para meu primeiro trabalho de campo em Serra Leoa, eu sabia que eu tinha que ir. Eu já tinha começado a sentir a enorme gratificação de saber que você pode ajudar as pessoas, proteger suas vidas e melhorar suas condiçõeshumanas, e eu não queria ficar parada. Eu queria perseguir isso e ver aonde me levaria.

Você trabalhou em muitas zonas de guerra e locais remotos. Como você lida com isso?

Realmente, trabalhei muitas vezes em áreas de alto risco, onde me tornei consciente de que eu era responsável pela minha própria segurança – mas também pela segurança da minha equipe, que buscava em mim liderança e coordenação. Ao mesmo tempo, eu também era muito consciente de não levar o trabalho comigo como mais uma mala quando voltava para casa. Porque eu tinha que enfrentar situações difíceis, como ataques e mortes de refugiados, a morte de colegas e outros acontecimentos traumatizantes, eu tinha que encontrar formas de lidar com isso.

Em lugares como Chad e Sudão do Sul, eu plantava flores e batatas doces. A rotina diária de cuidar das flores e garantir que elas vivessem era uma espécie de escape em lugares onde nada cresce até que você a leve ao ponto de poder crescer. Também tentei praticar esportes, frequentei regularmente a missa, fiz meu cabelo aos sábados e tive um grupo de colegas com quem conversamos e criamos um espaço para nos conectarmos.

Sua carreira com o ACNUR fez com que você passasse um tempo significativo longe de sua família. Tem sido um desafio?

Eu tinha dois filhos pequenos, sete e nove anos, quando comecei a trabalhar em locais remoto. Eu estava profundamente dividida sobre se eu poderia estar longe deles e se tudo daria certo. Eu também tive que enfrentar críticas de um membro da família que achava que eu não estava respeitando meu dever como esposa e mãe, e que eu estava abdicando da minha responsabilidade como uma mãe. Mas eu estava absolutamente determinada a fazer funcionar. Para cada pausa que eu tinha, havia apenas uma direção, e essa era a minha casa.

Minha filha pediu para ir ao internato, então eu combinei todos os períodos de férias com ela. Passei tempo com meus filhos intensamente e foi muito tempo de qualidade. Quando meus filhos se tornaram adolescentes, foi mais difícil. Eles estavam mais interessados ​​em estar com seus amigos e eu não conseguia forçar esses momentos neles.

Como humanitária feminina, vi como as mulheres são julgadas de maneira diferente quando trabalham em zonas de guerra ou em lugares onde não podem levar seus filhos. Invariavelmente, você encontra funcionários ou outros humanitários e eles perguntam: “Você está sozinha? Onde está sua família? O seu marido deixou você vir aqui sozinha? ”Eu enfrentei essas perguntas o tempo todo sobre minhas responsabilidades como mãe.

Eu realmente tive que me esforçar para lidar com isso. Mas meu marido foi solidário e as crianças aceitaram. Minha família se reconciliou com o que eu queria fazer na minha carreira e então parei de inventar desculpas. Eu estava em um posto de serviço não familiar e era quem eu era. Eu realmente não queria estar no meu leito de morte desejando não seguir este caminho.

Ann Encontre (esquerda) e o Alto Comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi (direita), visitam refugiados urbanos na capital congolesa, que está participando dos projetos de autossuficiência do ACNUR © ACNUR / Georgina Goodwin

Você conheceu alguma pessoa deslocada em especial que emocionou você?

Eu lembro que cheguei em Serra Leoa em uma sexta-feira de manhã. A chuva tinha caído e o sol acabava de nascer. O cenário me lembrou muito do Caribe. Era tão bonito, mas ao mesmo tempo você podia ver o contraste - os resultados da guerra em Serra Leoa e os refugiados da Libéria. Eu tive que atender pessoas que sofreram gravemente. Pessoas que tinham sido gravemente feridas, pessoas que haviam sido mutiladas.

Mas havia uma senhora cujo nome era Jackie. Ela tinha o talento para costurar, mas também era uma mobilizadora de grupos femininos. Ela havia começado uma pequena cooperativa, onde algumas mulheres criavam galinhas ou coelhos, outras faziam uniformes e carpintaria, enquanto outras coletavam mel de abelhas. Jackie estava ajudando as mulheres a se ajudarem e, em seis a oito meses, elas tinham um arranjo próspero que mantinha suas famílias e seus filhos na escola. Fiquei muito ligada a ela por causa de sua motivação, sua força e sua energia, apesar de todas as adversidades.

Qual é a coisa mais gratificante sobre o seu trabalho?

É ajudar as pessoas a terem uma vida melhor. Acredito que não há dinheiro que pague isto. Não há nada mais satisfatório em termos de emprego. Eu não mudaria isso por nada no mundo e eu não faria de nenhuma outra forma.

O que te mantém acordada à noite?

Desde setembro de 2016, tenho trabalhado na República Democrática do Congo (RDC) e a única coisa que me incomoda é a insegurança. A insegurança que pode surgir a qualquer momento e afetar populações tanto nos países vizinhos quanto na própria RDC. Eu me preocupo constantemente antes de dormir, sobre o que vai acontecer durante a noite, particularmente em áreas de fronteira que podem fazer com que mais pessoas fujam de suas casas. Mais mães fugindo com seus filhos na calada da noite sem serem capazes de saber para onde estão indo e o que farão em seguida.

 

Entrevista por Melissa Fleming. Edição por Aikaterini Kitidi e Alex Court.

A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) trabalha em 134 países ajudando homens, mulheres e crianças forçadas a deixar suas casas por causa de guerras e perseguição. Nossa sede é em Genebra, mas a maioria dos nossos funcionários trabalham no campo, ajudando refugiados. Esse perfil é parte de uma série com foco em nossos funcionários e seus trabalhos.