Futebol de refugiadas no Maracanã debate violência contra as mulheres
Futebol de refugiadas no Maracanã debate violência contra as mulheres
SÃO PAULO, 03 de dezembro de 2015 (ACNUR)– Há mulheres que têm medo de jogar futebol, porque os homens dizem que elas não podem, mas nós temos que lutar para poder fazer qualquer coisa que eles fazem". O desabafo de Naomi, refugiada congolesa que vive no Rio de Janeiro, foi feito nada menos do que no gramado do Estádio do Maracanã, no dia 1º de dezembro. Ela e outras 15 mulheres refugiadas e solicitantes de refúgio haviam acabado de disputar uma partida atrás de um dos gols do grande templo do futebol brasileiro, no marco da campanha 16 Dias de Ativismo Pelo Fim da Violência Contra as Mulheres, que vai até o próximo dia 10.
A atividade foi um dos pontos altos do Futebol das Nações, projeto realizado pela Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro e pelo Complexo Maracanã, com apoio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Desde julho, refugiados do sexo masculino vinham se reunindo semanalmente no estádio para, por meio do futebol, discutir temas como discriminação, racismo, violência e igualdade de gênero. Desta vez, porém, foram elas que pisaram em campo.
Para uma mulher congolesa como Naomi, poder ocupar um espaço tradicionalmente masculino e praticar um esporte que, em seu país, ainda permanece restrito aos homens é uma vitória de goleada. Mas a partida entre refugiadas representou mais do que uma simples chance de jogar bola no Maracanã. Foi também uma oportunidade para falar sobre violência, como propõem a campanha dos 16 Dias e o próprio Futebol das Nações, que usa a metodologia do Futebol3, desenvolvida pela ONG streetfootballworld, a fim de debater algumas questões que vão muito além das quatro linhas. Com regras criadas pelos próprios participantes, as partidas se tornam um pouco diferentes.
Na terça-feira, ficou combinado que o gol valeria dois pontos caso as refugiadas que balançassem as redes relatassem situações em que haviam se sentido atacadas ou perseguidas pelo simples fato de serem mulheres. Apenas dois homens participaram do jogo e ambos foram escalados como goleiros. A ideia era que eles se sentissem um pouco na posição de quem é atacado continuamente.
Conforme os gols saíam, foram surgindo os relatos de violência. Duas mulheres contaram que se sentiam atacadas quando tinham privado seu direito de sair para trabalhar. Outra relatou o mesmo sentimento por ser obrigada a ficar "trancada em casa" e uma última revelou ter se sentido ofendida quando foi chamada de "macaca" ao atravessar uma rua no Rio de Janeiro, trazendo à discussão a violência do racismo, que atinge muitas mulheres refugiadas.
"Ninguém gosta de sofrer uma violência, né? A mulher é um ser humano como outro qualquer", disse Nancy, também congolesa. "A mulher não é feita para ficar em casa e cuidar dos filhos. Ela deve ter a oportunidade de trabalhar e ser alguém na sociedade".
No final, cansadas de tanto correr e de dar risadas, as participantes se sentaram no gramado para conversar, reforçando a proposta da atividade de criar um espaço plural de compartilhamento de experiências, como explicou a mediadora Helena Chermont, advogada da Cáritas RJ.
"Percebi que algumas das experiências de violência sofridas pelas refugiadas diferem um pouco da maioria dos relatos de mulheres brasileiras, mas esse espaço de discussão e reflexão gera um sentimento de empoderamento em todas as mulheres, independentemente das experiências de cada uma e de elas serem mulheres negras ou brancas, refugiadas ou brasileiras".
Por Diogo Felix, do Rio de Janeiro