Indígena Warao facilita acesso do Censo 2022 a comunidade refugiada no Pará
Indígena Warao facilita acesso do Censo 2022 a comunidade refugiada no Pará
A indígena venezuelana Mariluz Nuñez, de 31 anos, é uma mulher muito ocupada. Refugiada no Brasil com sua família desde o início de 2020, ela é uma das líderes da comunidade Warao Janoko (ou Casa dos Warao, em português), que possui oito casas e reúne 105 pessoas da etnia Warao distribuídas em 25 grupos familiares.
Além disso, é uma exímia artesã e atua em projetos que promovem a integração socioeconômica e o acesso de outros indígenas Warao a serviços públicos do bairro de Outeiro, uma ilha na populosa cidade amazônica de Belém do Pará. Recentemente, Mariluz foi escolhida pelos moradores de Warao Janoko) para representá-los junto à comunidade de Outeiro e às autoridades locais no debate sobre a aplicação do orçamento municipal em 2023.
“Meu papel principal é buscar uma melhoria para minha comunidade”, diz Mariluz, casada com o aidamo (principal líder) da comunidade Warao Janoko e mãe de três filhos pequenos – além de uma quarta filha mais velha, que vive em outra cidade.
Como se não bastasse, Mariluz acaba de adicionar mais uma tarefa na sua rotina: ela é responsável por facilitar o acesso dos entrevistadores do Censo 2022 à sua comunidade, atuando como intérprete para assegurar que as informações prestadas sejam fiéis às características étnicas e demográficas e às condições de vida dos seus conterrâneos.
O Censo 2022 é conduzido pelo governo federal em todo o Brasil para contar e perfilar os habitantes do país, identificar suas necessidades e, assim, orientar as políticas públicas e a tomada de decisões de investimentos no país. Realizado no Brasil desde 1940, é a primeira vez que o Censo visita comunidades indígenas venezuelanas refugiadas em território nacional.
“É importante participar do Censo para que conheçam nossos problemas e que possam ajudar nossas crianças, que são o futuro de nossa comunidade. Somos seres humanos e estamos sempre buscando melhorar o sustento de nossa família”, afirma Mariluz, que com seu marido participou de capacitações sobre o Censo e sensibilizou as famílias da sua comunidade sobre a importância de receber os recenseadores.
A realização do Censo 2022 nas comunidades e abrigos de pessoas refugiadas no Brasil é fruto de uma parceria entre o ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), um órgão da administração pública federal responsável por conduzir e analisar esta ampla pesquisa nacional.
“Estar no Censo é existir para os dados oficiais, é fazer com que ninguém possa negar a existências dessas pessoas e dessas populações. Colocar as populações indígenas refugiadas no Censo é dar visibilidade a elas e obrigar o Estado a reconhecer sua existência, garantindo todos os direitos que elas têm em razão dessa existência e de sua residência no país”, afirma José Maria Ferreira Costa Júnior, analisa censitário de ciências sociais do IBGE no Pará.
De volta à comunidade Warao Janoko, o Censo quer saber quantas pessoas moram em cada uma das oito casas, como é a infraestrutura sanitária e qual o nível de renda das famílias. Mariluz entra de casa em casa com os recenseadores, convoca os responsáveis por cada família, reúne documentos e certidões, sem deixar uma só pergunta sem resposta.
Já falando português e se fazendo entender no idioma local, Mariluz se inspira no exemplo dos pais, em sua nativa Venezuela. O pai completou o ensino fundamental e atuou por 25 anos como enfermeiro em sua comunidade. A mãe, mesmo sem concluir o ensino fundamental, era voluntária e ajudava a realizar partos, auxiliando o marido em temas de saúde.
Ela está ciente que dominar o português é fundamental para o sucesso dela e dos moradores da Warao Janoko. “Saber falar e entender o português faz toda a diferença. Muitos de nós ainda não podemos ler. Quero aprender a ler e escrever”, afirma.
Sem nunca ter passado por experiência semelhante em seu país de origem, Mariluz acredita que o Censo trará melhorias para sua comunidade. “Espero que nos entendam, que conheçam nossa cultura e nossa maneira de viver. E que nos ajudem. Queremos ter uma casa e um trabalho digno para não estar na rua pedindo dinheiro. Nossas mulheres sabem cozinhar, fazer artesanato e trabalhar em casas de família. Os homens sabem pescar e trabalhar como pedreiros”, afirma ela, que espera também conseguir um terreno maior para as famílias. “Assim poderemos ter nosso espaço para ter uma escola, um consultório médico e lugares para reuniões”, resume Mariluz.
A comunidade onde ela vive representa uma pequena parcela das populações indígenas venezuelanas que estão refugiadas no Brasil. Segundo dados do ACNUR, há mais de 8.200 indígenas venezuelanos registrados no país, reunidos em quase três mil grupos familiares distintos. A grande maioria é da etnia Warao, mas há também indígenas Pemon, Eñepá, Kariña e Wayúu. Cerca de 10% desta população já foi reconhecida como refugiada pelo governo brasileiro.
A parceria entre o IBGE e o ACNUR já permitiu a realização do Censo em abrigos de pessoas refugiadas e migrantes em diferentes partes do país. Só em Roraima, estado no Norte do Brasil que faz fronteira com a Venezuela, cerca de 1.800 residências temporárias nos abrigos da Operação Acolhida – resposta governamental ao fluxo de pessoas refugiadas e migrantes da Venezuela para o Brasil – já receberam a vista do Censo.
Ao facilitar o acesso do Censo às pessoas refugiadas no Brasil, o ACNUR espera que este levantamento de dados quantitativos e qualitativos facilite a compreensão do perfil desta população, fazendo com que as políticas públicas possam dialogar com as demandas de cada segmento, contribuindo para ações de integração nas cidades de acolhida.
No Pará, o ACNUR apoiou o IBGE na identificação dos locais onde estão vivendo as comunidades indígenas da Venezuela refugiadas no país, facilitando o acesso às lideranças locais e capacitando mediadoras e intérpretes que explicam as perguntas e traduzem as respostas para os entrevistadores – que por sua vez também foram preparados para abordar a população refugiada e superar barreiras linguísticas e culturais.
“No Censo, não é a maioria que importa, mas a representatividade e a diversidade da população residente no país. É necessário conhecer a realidade e as necessidades dos indígenas refugiados no Brasil para que o governo possa adotar políticas públicas adequadas. Essas pessoas não querem se manter em situação de vulnerabilidade. Querem se integrar e serem inseridas na sociedade, sem perder suas práticas culturais”, avalia a historiadora, Mestra em Antropologia Social e Doutora em Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade Federal do Pará, Denise Machado Cardoso.