Nós decidimos como tratar refugiados - é desumano privá-los de educação
Nós decidimos como tratar refugiados - é desumano privá-los de educação
Já faz alguns anos desde que conheci algumas dos milhões de pessoas sírias forçadas a fugir da violência terrível no país. Visitando campos de refugiados na Jordânia, conversei com vários jovens que tiveram as vidas destruídas - que viram amigos e parentes mortos e feridos, que foram forçados a deixar suas casas sem saber se ou quando voltariam.
É preocupante pensar que muitas dessas crianças serão refugiadas, uma vez que a crise na Síria - e o desastre humanitário que a acompanha – já dura 11 anos.
Quase todas as crianças que conheci me disseram que tinham como prioridade voltar para a escola. Com a ajuda de um intérprete, uma menina de 10 anos chamada Aida me disse: “Eu só quero aprender.”
Mas a realidade devastadora é que as oportunidades voltadas à educação para crianças refugiadas, no mundo inteiro, são totalmente inadequadas. E a cada ano escolar perdido, as crianças vão perdendo espaço e vendo seu futuro se distanciar, pouco a pouco.
As lembranças dessa viagem voltaram à minha mente nos últimos dias, enquanto observava o caos se instaurar em outro país devastado pela guerra: o Afeganistão, que vem sendo assolado pela violência há mais de 40 anos.
As câmeras mostraram aqueles que lutam para conseguir entrar em um avião e fugir do país, incluindo os que temem retaliação por conta da educação que receberam ou do cargo que ocupam. Mas ainda há milhões de outras pessoas no Afeganistão que precisam desesperadamente de ajuda. Pessoas cujo futuro também é incerto. Para muitas crianças afegãs, a insegurança e a fragilidade da sociedade em que cresceram pioraram significativamente, minando ainda mais as chances de aprendizado e de se destacar.
Mesmo que consigam encontrar segurança em outro país, os desafios não acabam aí. As histórias angustiantes contadas pelos sírios que conheci na Jordânia soariam familiares às inúmeras crianças do Afeganistão que foram forçadas a fugir pela fronteira. Em vez de contos sobre a sala de aula ou do recreio, de entrar para o time da escola ou para a faculdade, é mais provável que essas crianças tenham memórias semelhantes ao medo, exaustão e fome - a pesadelos que prefeririam esquecer.
“Eu só quero aprender.”
A grande maioria das pessoas refugiadas – 86% – vive em países de baixa ou média renda. Como resultado, não há escolas para que as crianças possam frequentar e, onde há, as instituições de ensino que atendem à demanda são subfinanciadas e superlotadas. Mesmo em lugares onde as escolas operam com um sistema de turnos duplos, para que mais alunos tenham acesso à educação, é comum que uma sala de aula comporte mais de 100 alunos por professor.
Ainda assim, não se trata apenas de um sistema educacional sobrecarregado. À medida que as crianças refugiadas ficam mais velhas, justamente quando deveriam se tornar alunos, elas têm de lidar com enormes pressões econômicas para sustentar a família, e acabam buscando trabalho ou fazendo serviços domésticos. Pessoas refugiadas, seja da Síria, do Afeganistão ou de outros lugares, deixaram tudo para trás e tiveram que recomeçar. Para muitos, a educação é algo que simplesmente não podem pagar sem ajuda financeira.
Ser privado de educação é desumano. Imagine o impacto sobre sua auto-estima ao ser considerado indigno de um lugar na sala de aula, ou ao sentir que o mundo não acha que você tem direito à educação porque você não é importante.
No fundo, todos os jovens refugiados querem ser tratados da mesma maneira que os jovens em todos os lugares - não como pessoas a serem temidas ou dignas de pena, não como estatísticas, não como problemas, não como pessoas que são de alguma forma "menos do que" seus contemporâneos em outros lugares, mas de maneira humana e digna.
"Cada jovem é nossa responsabilidade."
Jovens refugiados são frequentemente chamados de “geração perdida”, mas, na verdade, eles não estão perdidos. Sabemos onde eles estão e do que precisam: escolas, professores, livros, equipamentos, tecnologia e cuidados. Eles não estão perdidos. Eles estão esperando que o mundo reconheça a humanidade em cada um deles e o direito à educação.
Não podemos negligenciar essa crise. A tecnologia pode ser uma ferramenta importante – e durante a pandemia, tem sido crucial para permitir que o aprendizado continue –, mas nunca deve substituir o ambiente da sala de aula para socialização e aprendizagem, nem as preciosas habilidades, capacitação e experiência de um professor.
Temos que investir nos jovens como uma entidade coletiva, não tirar vários milhões de crianças do acordo social porque as circunstâncias tornam difícil ou inconveniente dar-lhes uma educação. Cada jovem é nossa responsabilidade, porque são eles que nos ajudarão a enfrentar os desafios da saúde, mudança climática, pobreza, tecnologia e emprego, igualdade e direitos humanos, entre outros.
Nós decidimos como tratar nossos semelhantes, e podemos decidir apoiar as crianças ao redor do mundo, incluindo jovens refugiados, com a compaixão e os recursos que eles merecem.
*John Green, escritor e vlogger, apoia o ACNUR desde 2015. Este artigo foi publicado pela primeira vez no The Independent, em 6 de setembro de 2021.
A educação é um direito humano, mas apenas 68% das crianças refugiadas estão matriculadas no ensino primário.
DOE AGORA para apoiar os nossos esforços e garantir que nenhuma criança refugiada seja deixada para trás!