Para marcar Dia Mundial da Ação Humanitária, ACNUR homenageia funcionários mortos em função
Para marcar Dia Mundial da Ação Humanitária, ACNUR homenageia funcionários mortos em função
GENEBRA, 19 de agosto de 2013 (ACNUR) – Em julho de 1964, ao redigir um relatório de campo sobre o escritório do ACNUR no leste do Congo que ele chefiava, François Preziosi ressaltou os riscos que corria ao descrever os perigos do seu trabalho com refugiados naquele país africano.
“Se eu me arrisco indo frequentemente à linha de frente, isto não se deve à curiosidade, mas à necessidade de estar pronto para intervir e tentar prevenir qualquer ação inaceitável contra refugiados, seja em suas comunidades ou nos campos de reassentamento”, escreveu Preziosi. “Para conseguir realizar este trabalho, preciso me tornar uma figura conhecida entre os oficiais e soldados, visitando-os frequentemente”, completou.
Preziosi seria assassinado algumas semanas mais tarde, em 18 de agosto de 1964. Sua morte não foi causada por soldados, mas devido a uma revolta entre refugiados congoleses e da etnia Tutsi em um campo perto de Bukavu, a capital do Kivu do Sul, no Congo. Seu carro foi cercado pelos revoltosos, que portavam machados e retiraram os ocupantes do carro. Ele foi morto com um colega, Jean Plicque, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) foi fundado em 1951. Preziosi foi o seu primeiro funcionário a morrer durante o exercício de suas funções. Postumamente, ele foi homenageado com o Prêmio Nansen, como um reconhecimento à sua dedicação e em resposta ao choque causado por sua morte. Seu nome está sendo lembrado hoje, mais uma vez, na sede do ACNUR em Genebra, numa cerimônia que marca o Dia Mundial de Ação Humanitária deste ano. Além dele, estão sendo homenageados outros 42 funcionários do ACNUR que, desde a morte de Preziosi, pagaram com suas vidas o comprometimento com a causa dos refugiados.
Atualmente, o trabalho humanitário é uma profissão de alto risco. O fim da Guerra Fria e a nova era inaugurada após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 criaram novos perigos – entre eles a proliferação de conflitos entre países, uma maior disponibilidade de armas, impunidade e visão de que trabalhadores humanitários são alvos fáceis, uma vez que têm sua neutralidade questionada pelos atores dos conflitos. Adicionalmente, as organizações humanitárias têm se tornado mais ativas nos locais mais problemáticos do mundo, expondo ainda mais seus trabalhadores a situações de risco.
Dados do próprio ACNUR refletem este cenário. Nos anos 90, 18 funcionários foram mortos desempenhando suas funções, enquanto apenas cinco haviam morrido nas três décadas anteriores. Outras 15 mortes contabilizadas apenas no período entre 2000 e 2009, e outras cinco desde então. A maioria das 43 mortes ocorreu na África e na Ásia, envolvendo 27 funcionários nacionais. Nem todo ano são registradas mortes, mas a tendência de alta é clara.
Dados de outras fontes mostram a mesma tendência em uma escala ainda maior. Segundo a edição de 2012 do relatório Aid Worker Security Report, produzido pela think-thank Humanitarian Outcomes, 308 trabalhadores humanitários foram mortos, sequestrados ou feridos em 2011 (um recorde). A maioria destes incidentes foi registrada no Afeganistão, Somália, Sudão do Sul, Paquistão e Sudão. Em comparação, o número foi apenas de 90 registros na primeira década do século XXI.
Mike Dell’Amico é o chefe da Unidade de Segurança de Campo do ACNUR, responsável por gerenciar a segurança dos quase 8.000 funcionários do ACNUR espalhados por 120 operações ao redor do mundo. Ele tem comprovado, na prática, as alterações no cenário de segurança dos trabalhadores humanitários desde o fim da Guerra Fria, quando o principal risco de atuar em áreas de conflito era o de estar no local errado e na hora errada. Agora, estes trabalhadores precisam enfrentar o fato de que são possíveis alvos em qualquer lugar que estejam.
“Os soldados costumam dizer que não devemos nos preocupar com ‘a bala com um nome específico’, mas com aquela endereçada a ‘quem possa se interessar’”, diz Dell’Amico. “Mas para nós, a bala com nosso nome escrito é a que mais preocupa”. Para ele, proteger funcionários humanitários contra um ataque deliberado é muito mais difícil que reduzir os riscos inerentes ao trabalho em uma zona de conflito.
“Costumamos pensar que quando o ambiente de segurança melhora, o número de casualidades entre trabalhadores humanitários no campo se reduz. Mas nem sempre isso é verdade”, diz o funcionário do ACNUR. Ele explica que uma melhora relativa nas condições de segurança leva os funcionários a se expor a riscos maiores, o que acaba causando mais incidentes de segurança.
Manter-se distante dos perigos das zonas de conflito e lembrar aqueles que foram mortos quando exerciam suas funções humanitárias estão no centro das cerimônias ocorridas hoje em Genebra e em outras partes do mundo. O Dia Mundial da Ação Humanitária foi estabelecido para recordar o dia 19 de agosto de 2003, quando a sede de ONU em Bagdá foi bombardeada, causando a morte de 22 pessoas. Entre eles estava o brasileiro Sergio Vieira de Mello, funcionário do ACNUR por mais de 30 anos e que então desempenhava a função de Representante Especial do Secretário Geral da ONU para o Iraque. No Rio de Janeiro, para celebrar o Dia Mundial da Ação Humanitária, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil e as Nações Unidas realizam, com apoio da Fundação Alexandre de Gusmão, o seminário internacional No matching tab handler could be found for link handler key record:tt_news:7496..
Muitas lições sobre proteger trabalhadores da ONU e de outras organizações foram aprendidas desde o bombardeio de Bagdá, mas saber qual será a próxima situação de risco continua sendo um objetivo difícil de atingir. “Como dizia o jogador de baseball Yogi Berra, fazer previsões é difícil, especialmente quando isso envolve o futuro”, afirma Dell’Amico.