Prêmio Nansen: Borboletas abrem asas para ajudar mulheres deslocadas
Prêmio Nansen: Borboletas abrem asas para ajudar mulheres deslocadas
BUENAVENTURA, Colômbia, 15 de setembro (ACNUR) – Quando o conflito eclodiu entre grupos armados rivais em sua aldeia na província do Valle de Cauca, oeste da Colômbia, Benedicia Benancia e seus sete filhos fugiram de barco. "Nós tivemos que fugir dos tiros a nossa volta. Foi imediato. Fugimos para salvar nossas vidas", ela lembrou.
Isto aconteceu há 13 anos e, ainda que tenha encontrado abrigo com um parente na deteriorada cidade industrial e portuária de Buenaventura, ela não conseguiu ficar livre da violência. “Fugimos da violência, mas acabamos encontrando-a também aqui”, contou Benedicia.
O permanente conflito na Colômbia raramente atinge as manchetes internacionais, mas meio século de embate tem mexido com a vida de mais de 200 mil pessoas, e já deixou 5,7 milhões de deslocados internos até julho de 2014.
Em nenhum outro lugar do país a devastação é tão sentida como em Buenaventura, onde bairros inteiros são controlados por grupos armados em disputa por territórios e rotas de tráfico de drogas. Os grupos usam a violência sexual para propagar medo e manter sob controle os distritos mais pobres, rendendo mulheres e meninas particularmente vulneráveis. O medo de represálias leva ao silêncio sistemático, os abusos não são denunciados e as sobreviventes raramente recebem o tratamento psicológico de que necessitam.
No entanto, em meio a esta atmosfera contaminada, um grupo mulheres que também sofreu com o deslocamento forçado forma uma rede chamada Borboletas com Asas Novas, Construindo um Futuro (Mariposas de Alas Nuevas Construyendo Futuro, em espanhol), vencedora do prestigiado Prêmio Nansen do ACNUR deste ano.
A Rede congrega nove grupos que lutam pelos direitos das mulheres em Buenaventura, aconselham e apoiam as vitimas de abuso, e entram nas comunidades para educar as mulheres e pressionar as autoridades a garantir seus direitos. Fundada em 2010, até agora a Rede Borboletas já ajudou mais de mil mulheres e suas famílias, incluindo Benedicia.
Depois de fugir para Buenaventura ela conseguiu um trabalho como empregada doméstica. Sua patroa dava comida para ela levar para casa, mas ainda assim a situação de sua família era precária – foi então que ela descobriu a Rede Borboletas.
Sua vizinha, Maritza Cruz, apresentou-a ao grupo; um passo que mudaria sua vida. “Há alguns anos, quando conheci Benedicia, sua situação era desesperadora. Contei a ela sobre a Rede Borboletas e encorajei-a a participar dos nossos workshops”, disse Maritza.
Por meio da Rede, Benedicia retomou o controle de sua vida e evitou ser tragada pelo ciclo de violência e extorsão que têm se tornado realidade em Buenaventura. “Graças à Rede eu tenho amigos. Eu me sinto apoiada. Nunca me sinto só”, disse a mulher de 53 anos de idade.
Benedicia agora administra o esquema de alimentação e poupança da Rede no bairro de Vista Hermosa, em Buenaventura. Na cidade, onde mais de 80% das pessoas vivem na pobreza, colocar comida na mesa é uma luta diária.
O esquema de alimentação e poupança, conhecido pelos membros da Rede como “a cadeia alimentar”, tornou-se a tábua de salvação para Benedicia e outras mulheres que não têm acesso a contas bancárias e crédito; uma constante fonte de apoio em um lugar onde os empregos são escassos.
Benedicia gastou as economias que recebeu para construir uma pequena casa - tijolo por tijolo. "Eu costumava dormir no chão sujo, mas por causa da cadeia alimentar consegui construir a casa que você vê agora. Eu não teria sido capaz de economizar de outra forma", contou com orgulho, apontando para as tábuas e para o telhado ondulado que ela comprou com as economias ao longo dos anos.
Gloria Amparo, uma das 19 coordenadoras da Rede Borboletas, explicou que o coração do trabalho é o apadrinhamento, ou comadreo, em espanhol. Tradicionalmente, as comadres desempenham um papel importante no cuidado e criação dos filhos em comunidades afro-colombianas. Na Rede Borboletas as mulheres são incentivadas a agir como madrinhas das mulheres e seus filhos.
"Resgatamos a ideia ancestral de apadrinhamento que foi perdida em nossa cultura e a usamos para reconstruir as comunidades destruídas, curar e fortalecer a solidariedade entre mulheres", disse Amparo. "Trabalhando juntas, podemos atendê-las melhor."
Durante toda sua vida Amparo vem resistindo firmemente à violência contra a mulher. Sua própria infância, marcada pela pobreza extrema, serve como exemplo amargo do abuso que as mulheres enfrentam em casa. Desde cedo Amparo testemunhou seu pai batendo na mãe. "Ele quase arrancou o olho dela uma vez. Impotência me deixa irritada. Estou convencido de que ninguém deveria sofrer assim", declarou.
Há muito tempo que a violência sexual e de gênero são ameaças diárias em Buenaventura. O deslocamento muitas vezes altera os papéis tradicionais na família e na sociedade, deixando as mulheres deslocadas mais vulneráveis. Presenciar tal desespero levou Amparo a defender mulheres em necessidade e a protegê-las. Ela está convencida de que o caminho para o empoderamento das mulheres é garantir que conheçam seus direitos e as leis que as protegem.
"Quando uma mulher conhece seus direitos e as responsabilidades do Estado ela tem mais escolhas e pode tomar decisões. Conhecendo seus direitos, você defende melhor a si e sua comunidade", ressaltou.