Prêmio Nansen para os Refugiados 2010: A história de Salima
Prêmio Nansen para os Refugiados 2010: A história de Salima
Salima tem 19 anos e está usando batom vermelho, mas as roupas que usa não lhe pertencem. Ela não gosta delas e aparenta estar envergonhada – ou “envergonhando-se”, como a própria menciona.
Assim como as vias sujas de lixo de Basatine, sua residência temporária é um minúsculo, quarto escuro numa casa controlada por gangues do tráfico. Há quatro casas clandestinas escondidas nesta favela, que enviam jovens somalis para a Arábia Saudita, onde esperam encontrar emprego e uma vida melhor.
Com a fuga da violência que aflige sua terra natal, eles agora são livres para ficarem com traficantes até que encontrem os $25 necessários para que sejam guiados pelo deserto. Aqui, pode levar semanas para enconomizar esse montante de dinheiro. Salima tem mendigado.
Tendo vivido as três últimas semanas atordoada, ela retorna à cidade a cada noite para dormir num colchão gasto. Quando se atrasa, ela dorme diretamente no chão cercada de 20 outras mulheres que compartilham esse quarto de fina chão de compensado. Recentemente, tem havido infiltrações da chuva. Longe de casa e sem outra opção, isso é tudo o que o há. Ela parece totalmente esgotada. As últimas seis semanas de sua vida têm sido um pesadelo.
Membro de uma geração que conhece apenas a guerra, Salima cresceu em Mogadíscio, mas, apesar dos riscos, esteve determinada a permanecer na cidade. Junto com seu bebê, Abdi Sallam, e seu amado marido, a família permaneceu unida numa pequena casa de dois andares. “Era um lar. Meu lugar preferido no mundo”. E, além disso, Salima estava grávida novamente.
Numa manhã, não intimidada pelo distante som de tiros de bala, Salima saiu para comprar pão para o café-da-manhã da família. Um homem que andava à sua frente caiu no chão, atingido por uma bala perdida. Correndo em direção ao desconhecido que estava ferido, o som de um torpedo Hound jogou-a ao chão. Morteiros haviam perfurado o andar superior de sua casa. “Eu encontrei meu marido e filho, mas eles já não estavam entre nós”. Ambos haviam sido mortos por um ataque aleatório perpetrado pelos próprios soldados que deteriam protegê-los.
Como para muitas outras famílias sem teto, isso foi a gota d’água. A mãe, irmãos e irmãs de Salima começaram a empocotar os pertences restantes preparando-se para migrarem pela única rodovia segura fora da cidade: ao sul dos campos. Mas Salima tinha uma outra idéias, após ouvir como a situação seria ruim lá. “Eu tinha acabado de perder meu marido e filho. Agora eu queria ajudar minha mãe – tentar e realmente fazer sua vida um pouco melhor. Eu achava que poderia ajudar”.
Mesmo assim, com sete meses de gravidez, Salima foi para o norte. Ela havia ouvido histórias sobre os perigos que a esperavam, mas estava mais preocupada em sair de Mogadíscio. Viajou 20 dias de caminhão, com a violência eclodindo em pontos de inspeção a alguns quilômetros de distância uns dos outros, já que bandidos intimidavam e saqueavam passageiros. “A rodovia era horrível. Eu tinha muito medo”. Uma mulher no veículo da frente foi estuprada num dos pontos; Salima tentou apagar tudo de sua mente. Em sua última noite na Somália, ela dormiu nas encostas da montanha, perto de Bossasso.
Na manhã seguinte, junto com 120 outras pessoas, ela foi levada para um pequeno barco de madeira que iria levá-la ao Iêmen. “A tripulação havia tomado gin e fumado haxixe, mas eles viram que eu estava com uma gravidez avançada e permitiram que eu me sentasse com as pernas abertas”. Todos se sentaram com os queixos entre os joelhos, visto que a tripulação, armada com revólveres, facas e martelos, ameaçava bater em qualquer um que pudesse causar distúrbio no barco, o qual já era instável. O mar estava agitado e eu comecei a sentir dores”. Salima começou a ter contrações, mas não queria acreditar que estava em trabalho de parto, de modo que apenas desejou que parasse e tentou permanecer em silêncio.
Naquela noite um homem começou a implorar por um copo de água; os contrabandistas bateram em sua cabeça com uma faca. Seu corpo ensanguentado foi jogado na água. Salima, então, começou a sangrar. Como choraminhava baixo, aqueles sentados perto dela pediam que ela ficasse quieta por medo de que apanhassem. Mas o sangue começou a gotejar no homem que estava abaixo e não demorou muito para que a tripulação percebesse que ela entraria em parto antes de chegar ao Iêmen.
No início, ela tinha certeza que eles estavam tentando ajudá-la. Ela foi movida para a proa do barco e eles lavaram o sangue com a água do mar. Depois ela desmaiou. Tudo o que ela se lembra é que quando ela voltou a si, ela viu um dos tripulantes jogar seu bebê recém-nascido no mar, como se fosse uma bola. “Meu bebê era tudo o que eu tinha do meu marido”. Ela iria chamá-lo de Abdu Laahi, em homenagem a seu tio.
Depois de chegar numa praia deserta no Iêmen, Salima foi registrada no centro de recepção do ACNUR. Ela viu um médico, mas não quis falar sobre o que havia ocorrido.
Ainda é muito difícil para ela. Faz apenas seis semanas desde que Salima saiu para comprar pão. Ela é uma adolescente frágil que está completamente traumatizada e sozinha; e que agora está novamente com os contrabandistas. Ela diz que irá “onde Alá levá-la”. Muito provavelmente, ela passará os próximos aos de sua vida escravizada como empregada na Arábia Saudita.
Por Alixandra Fazzina, Basatine, Iêmen