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Refugiada sobrevivente de abuso sexual recebe apoio para recomeçar

Comunicados à imprensa

Refugiada sobrevivente de abuso sexual recebe apoio para recomeçar

30 Julho 2020
A refugiada eritreia Samrawit* trança os cabelos de sua amiga no Centro de Trânsito de Emergência do ACNUR em Gashora, Ruanda © ACNUR/Alissa Everett

Samrawit* olha para longe enquanto uma leve brisa agita o lenço ao redor de seu rosto. Ela se abraça com força enquanto uma rajada de vento sopra do Lago Mirayi, em Ruanda.


A refugiada eritreia, de 20 anos de idade, está em um ambiente pacífico e descontraído - muito distante dos horrores que sofreu enquanto estava em cativeiro nas mãos de contrabandistas na Líbia, país onde foi torturada, espancada e estuprada por quase dois anos.

"Não consigo lidar com a memória do que vivi na Líbia", diz. "Às vezes, fico muito estressada por causa do que eu passei".

Samrawit foi levada para Ruanda em outubro passado, junto com outros 123 refugiados que estavam detidos na Líbia. Cerca de 258 solicitantes de refúgio - em sua maioria eritreus, somalis e sudaneses - estão atualmente abrigados no centro de trânsito de Gashora, a cerca de 55 quilômetros de Kigali, capital de Ruanda.

Samrawit deixou a Eritreia após a partida de um parente próximo que, temendo por sua vida, fugiu do alistamento militar. Sem família no país, ela se sentiu ameaçada e, diante da probabilidade de recrutamento forçado, ela mesma decidiu fugir. Em sua busca por segurança, ela foi sequestrada e levada por traficantes de pessoas para uma cidade no Sudão, perto da fronteira com a Líbia.

"Primeiro eles nos pegaram à força, e depois nos estupraram", ela diz, chorando. "Eles nos ameaçaram com facas. Como eu poderia me salvar?"

Samrawit foi mantida por dois meses em um acampamento de traficantes em Kufra, no sudeste da Líbia, onde seus captores exigiram inicialmente US$ 6.000 para sua liberdade. Ela foi comprada e vendida por diferentes grupos de traficantes e contrabandistas, antes de finalmente terminar em Bani Walid, no noroeste do país, onde foi mantida por mais oito meses.

Seus olhos se enchem de lágrimas enquanto ela se lembra das condições terríveis que os prisioneiros enfrentaram lá.

“Eles fizeram coisas horríveis”

"Era tão lotado, que você tinha que dormir de lado", lembra. "Eles nos davam um prato de macarrão mal cozido por dia. Estávamos sempre com fome".

Ela acrescenta que eles mal tinham água suficiente e que os banheiros eram horríveis. "Era tão sujo e tão ruim, especialmente para as mulheres, porque durante nosso período menstrual, não podíamos nos lavar".

Ela acrescenta que os traficantes exigiam dinheiro e depois os espancavam e torturavam. "Eles fizeram coisas terríveis. Eles nos batiam com tubos de borracha e violavam as mulheres a céu aberto ou debaixo de carros", conta.

Samrawit torce suas mãos enquanto se lembra de como torturavam os prisioneiros homens. "Eles derretiam o plástico e queimavam suas mãos. Às vezes, os amarravam e mergulhavam suas cabeças debaixo d'água".

 

Um relatório publicado pelo ACNUR, Agência da ONU para Refugiados, e pelo Centro Misto de Migração (CMM) no Conselho Dinamarquês para Refugiados, intitulado "Nesta viagem, ninguém se importa se você vive ou morre" (em tradução livre), detalha como centenas de refugiados e migrantes estão morrendo a cada ano em viagens desesperadas da África Ocidental e Oriental para e através da Líbia e Egito.

Milhares de pessoas sofrem abusos e violações extremas dos direitos humanos, incluindo assassinatos, tortura, extorsão, violência sexual e trabalho forçado nas mãos de contrabandistas, traficantes, milícias e algumas autoridades do Estado.

Em uma lista de recomendações, o ACNUR e o CMM estão pedindo aos Estados que façam muito mais para identificar e proteger os sobreviventes de abusos nas rotas e para responsabilizar os perpetradores desses atos, inclusive através de processos criminais e sanções.

Samrawit foi forçada a procurar familiares distantes, que por sua vez entraram em contato com seu irmão mais velho. Juntos, eles levantaram um total de US$12.000, valor que cobriu seu resgate e garantiu um espaço em um barco para a Europa.

Enquanto fala, Samrawit puxa distraidamente uma pulseira colorida em seu pulso. "Recebi isto de um amigo na Líbia. Ele a fez para mim", diz, acrescentando que ele permaneceu em um dos centros de detenção. "Eu realmente me preocupo com ele porque sei como a situação está ruim lá".

Ela conta vividamente como em julho de 2019, os contrabandistas finalmente levaram 350 deles para a costa do Mediterrâneo para tentar a travessia para a Europa. "Saímos à meia-noite e depois de algumas horas o barco começou a afundar", afirma.

Cerca de 150 pessoas morreram no incidente - um dos naufrágios mais graves dos últimos anos. De todos os sobreviventes, apenas quatro eram mulheres, incluindo Samrawit.

"Por sorte, eu consegui nadar, mas não posso dizer que foi por causa disso que sobrevivi. Foi Deus que me salvou", diz, acrescentando que nadou por mais de oito horas, acabando de volta à costa Líbia.

Lá, os sobreviventes foram encontrados pelas autoridades líbias e eventualmente mantidos em um centro de detenção oficial ao qual o ACNUR teve acesso.

Veja também: O desafio de ajudar crianças refugiadas na Líbia a superar traumas

Cansados, assustados, sujos e famintos, eles foram registrados pelo ACNUR e receberam primeiros socorros. Em seguida, foram conduzidos a um processo de avaliação para identificar os mais vulneráveis. Devido ao número limitado de locais disponíveis para reassentamento, geralmente são feitos esforços para dar prioridade aos mais necessitados, muitas vezes incluindo crianças desacompanhadas, sobreviventes de tortura e outros abusos e pessoas que necessitam de tratamento médico urgente.

“Nós identificamos suas necessidades e os conectamos com assistentes sociais para acompanhamento”

Samrawit estava entre aqueles identificados como altamente vulneráveis e transportados para Ruanda, onde o ACNUR e agências parceiras fornecem assistência para salvar vidas, incluindo alimentação, água, assistência médica, apoio psicossocial e acomodação.

Margaret Mahoro, coordenadora de educação e subsistência do Comitê Americano para Refugiados, parceira do ACNUR, descreve o porquê deste apoio ser crítico.

"Identificamos suas necessidades e os conectamos a assistentes sociais para acompanhamento", explica ela. "Quando eles precisam de tratamento especial, os encaminhamos aos médicos, incluindo psiquiatras".

Os recém-transportados recebem o status de solicitantes de refúgio em Ruanda, à medida que seus casos são avaliados e outras soluções são buscadas.

Desde dezembro de 2018, o ACNUR já tirou quase 2.000 refugiados e solicitantes de refúgio da Líbia. Cerca de 2.500 refugiados e migrantes permanecem extremamente vulneráveis dentro dos centros de detenção oficiais do país.

Desde sua chegada, Samrawit falou duas vezes com seu irmão para confirmar que estava em segurança. "Estou aliviada porque não engravidei ou contraí uma doença sexualmente transmissível", diz ela sobre sua longa provação. "Agora tudo está diferente. É como a distância entre o céu e a terra".

Enquanto espera o reencontro com o irmão, ela está se concentrando em sua cura e já teve aulas de inglês e está considerando um curso de costura. "Preciso ocupar minha mente em vez de me preocupar e lembrar das coisas ruins que aconteceram", conclui.

A Samrawit foi reassentada na Suécia, como parte do programa de reassentamento do ACNUR para refugiados altamente vulneráveis.

*Nome mudado por razões de proteção.


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