Refugiadas e refugiados no Rio se unem para enfrentar a violência contra mulheres
Refugiadas e refugiados no Rio se unem para enfrentar a violência contra mulheres
RIO DE JANEIRO, 12 de dezembro de 2012 (ACNUR) – No centro de acolhida para refugiados da Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro, a serra leonense Georgia, a congolesa Cesarine e a colombiana Sandra (*) acompanhavam com atenção uma palestra da Guarda Civil Metropolitana sobre violência contra as mulheres, na última segunda-feira. Em meio ao debate, elas se recordavam da violência que sofreram em seus países de origem antes de chegar ao Brasil, onde buscaram refúgio.
Georgia fugiu de casa – e de Serra Leoa – aos 15 anos por se recusar a se submeter à mutilação genital que as mulheres da sua comunidade são obrigadas a fazer. Cesarine viu o marido e os filhos serem sequestrados por grupos armados irregulares que atuam no Congo e teve que deixar seu país sozinha para sobreviver. Sandra, a única que se dispôs a falar em público sobre seu passado, revelou que sua vida na Colômbia foi marcada pela violência relacionada ao conflito interno do seu país – o que forçou ela e sua família a buscarem refúgio no Brasil.
Ainda traumatizadas por estes eventos, estas três refugiadas participaram da palestra para entender melhor as diversas formas de violência contra a mulher e se informar sobre como enfrentar este problema no Brasil. “Minha vida é instável: agora estou aqui, amanhã poderei estar em outro lugar e isso me impede de viver plenamente. A violência não terminou só porque deixei meu país, ainda estou muito machucada”, disse Cesarine, que chegou ao Brasil há cinco meses.
A palestra promovida pela Cáritas Rio, que também reuniu homens refugiados, foi mais um dos eventos apoiados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) no âmbito da iniciativa global “16 Dias de Ativismo contra a Violência Sexual e de Gênero”, encerrada na última segunda-feira. Na semana anterior, a Cáritas e a organização não governamental Promundo conversaram com refugiadas e refugiados sobre igualdade de direitos e sobre a Lei Maria da Penha, que criminaliza a violência de gênero (inclusive a violência doméstica).
Os eventos reuniram quase 100 refugiadas e refugiados de diferentes nacionalidades. Todos receberam folhetos informativos sobre os direitos e deveres de refugiados e solicitantes de refúgio no Brasil, além de informações sobre centros de referência e delegacias especializadas no atendimento às mulheres vítimas da violência sexual e de gênero.
Ao ACNUR, a serra leonense Georgia contou que decidiu fugir de casa quando ouviu da mãe que deveria se submeter à mutilação genital como parte da sua inserção na comunidade como mulher. A mãe, que era líder da comunidade, seria responsável por executar o arriscado e doloroso procedimento – que remove total ou parcialmente o clitóris e é adotado em diversos países do mundo. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que mais de 100 milhões de mulheres e meninas já foram submetidas a este procedimento no mundo, e que outras 3 milhões correm o risco de sofrer a mutilação a cada ano.
“Todas conhecíamos histórias de meninas da vizinhança que ficaram doentes, gravemente feridas, com sequelas ou até mesmo morreram por causa da mutilação”, disse Georgia. “Eu tinha medo, mas também achava que era um desrespeito ao meu corpo e à minha individualidade”. Por isso, decidiu fugir de casa e percebeu que não poderia voltar, pois ao quebrar as regras e os costumes da sua comunidade, seria rechaçada e perseguida.
Para a Cáritas Rio, parceira do ACNUR no atendimento a refugiados e solicitantes de refúgio, as palestras realizadas no marco dos “16 Dias de Ativismo” foram importantes para prevenir a violência de gênero e divulgar informações sobre as leis brasileiras para refugiadas e refugiados. “As mulheres que atendemos foram ou até mesmo continuam expostas a diferentes tipos de violência. Sua vulnerabilidade aumenta por serem refugiadas e desconhecer as leis e a cultura do país. Por outro lado, os homens refugiados também enfrentam dificuldades semelhantes e podem reproduzir atos de violência considerados aceitáveis em seus países de origem”, afirmou a coordenadora do centro de acolhida da Cáritas Rio, Heloísa Nunes.
Ela ressalta que debater a violência com refugiadas e refugiados e divulgar informações sobre as leis brasileiras contribuiu para “desconstruir relações de violência criadas em seus países de origem e enfatizar que todos devem cumprir as leis que protegem as mulheres no Brasil”. Esta mensagem foi claramente absorvida pelos refugiados que participaram das palestras. “Homens e mulheres têm papéis culturalmente atribuídos pela sociedade que precisam ser mudados na luta contra a discriminação de gênero”, afirmou Pierre (*), da República Democrática do Congo, que vive no Brasil como refugiado há quatro anos.
Além das palestras com refugiados, outros eventos no Rio de Janeiro ajudaram a sensibilizar autoridades públicas sobre a violência contra mulheres e seu impacto nos deslocamentos forçados. No último dia 30, a Academia de Polícia realizou uma abordagem com policiais sobre o tratamento da população refugiada, com foco na violência contra as mulheres. Em outras palestras, refugiadas e refugiados foram reunidos para debater sobre doenças sexualmente transmissíveis e HIV/AIDS. No total, cerca de 2.100 refugiados vivem no Rio de Janeiro.
Na palestra da última segunda-feira, a colombiana Sandra contou aos participantes como enfrenta a violência cotidianamente na cidade onde mora com família (marido, dois filhos e um sobrinho adolescentes), na região metropolitana do Rio de Janeiro. “Sempre digo a eles que devemos respeitar homens e mulheres, de todas as idades. É somente com respeito que podemos viver em liberdade e segurança”, disse ela, que chegou ao Brasil em outubro deste ano.
Karin Fusaro, do Rio de Janeiro
(*) Nomes trocados a pedido dos entrevistados