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Refugiados quebram silêncio e pedem justiça racial

Comunicados à imprensa

Refugiados quebram silêncio e pedem justiça racial

9 Julho 2020

Quando eclodiram protestos nos Estados Unidos em razão do assassinato de George Floyd, o pastor Yves Kalala prometeu liderar sua igreja, predominantemente branca, em uma vila de Ontário, no Canadá, para combater o preconceito inconsciente nas pessoas.


A decisão de Yves de abordar o assunto com sua congregação e colegas pastores exigiu muita coragem. Ele cresceu na República Democrática do Congo (RDC) e foi para o Canadá em 2007 como refugiado. Yves disse que a intolerância o forçou a fugir de seu país de origem e doeu sentir o mesmo, novamente, no novo lugar em que vive agora. "Tem sido difícil, mas, finalmente, muitos pastores estão dispostos a abordar este tema", disse ele.

A igreja e sua denominação assumiram um novo compromisso de combater o racismo e concordaram em produzir novos vídeos de treinamento sobre o assunto para os líderes.

Como Yves, refugiados em várias partes do mundo estão aproveitando o momento para estimular o diálogo sobre discriminação racial nas comunidades que agora chamam de lar. O preconceito racial é uma vivência opressora que muitos refugiados conhecem de perto.

A perseguição racial é um motivo que leva ao deslocamento em muitas partes do mundo. Ela afeta muitos refugiados, mesmo depois de terem fugido para outro país em busca de segurança. A Convenção dos Refugiados de 1951 reconhece explicitamente a perseguição racial como fundamentação legítima para o status de refugiado.

Os protestos contra o racismo começaram no final de maio, quando foi divulgado um vídeo mostrando um policial branco pressionando o joelho sobre o pescoço de Floyd por quase nove minutos, enquanto outros policiais aguardavam. Floyd, que era preto, morreu.

As manifestações se espalharam rapidamente para centenas de cidades nos Estados Unidos, bem como em lugares distantes como Alemanha, Japão e Nova Zelândia. Muitos refugiados ao redor do mundo também estão se manifestando, fazendo parte do debate e refletindo sobre suas próprias experiências, tanto em seus países de origem quanto em seus novos lares.

Prudence Kalambay, 39, fugiu da RDC e hoje vive no Brasil. "É muito importante que todos estejam cientes dos danos causados ​​às pessoas negras", disse ela © ACNUR/Miguel Pachioni e Mariana Soares

Prudence Kalambay, 39, foi forçada a fugir da República Democrática do Congo depois que se tornou alvo de perseguição política, e agora vive em São Paulo. Prudence trabalhava com política e chegou a ganhar um concurso de beleza em seu país natal. Ela só conhecia o Brasil através das novelas, antes de chegar no país, em 2008. A realidade não era nada parecida com o que ela via na televisão, disse ela. Como mulher grávida, refugiada e negra, ela enfrentou discriminação.

Depois de ingressar no Empoderando Refugiadas, um programa que impulsiona mulheres, apoiado pelo ACNUR Brasil e outros parceiros, ela percebeu que sua própria história poderia ser uma fonte de inspiração para outras refugiadas mães e mulheres negras. Agora ela trabalha como artista e palestrante sobre Direitos Humanos e planeja estudar Relações Internacionais. Prudence se sente agradecida pelo movimento Vidas Negras Importam.

"É muito importante que todos estejam cientes dos danos causados ​​às pessoas negras", disse ela. “Para mim, o significado desse movimento é... mudar o sistema. Queremos igualdade social, ter nossos direitos fundamentais garantidos.”

Lourena Gboeah, 32, fugiu da Libéria com sua família quando criança. Toda vez que seu enteado sai de casa, ela diz para ele não usar "capuz" © ACNUR / Emir Lake

Lourena Gboeah, 32 anos, levou a filha de três anos para uma manifestação do Vidas Negras Importam, em sua cidade natal, em Newark, Delaware, nos Estados Unidos (ela disse que manteve distância de outros manifestantes para cumprir as medidas de proteção contra a COVID-19).

Como mãe negra, ela se preocupa com sua família. Os tempos incertos, disse ela, a fazem pensar no que sua mãe sentiu quando fugiu da guerra na Libéria, na década de 1990. Toda vez que seu enteado de 23 anos sai de casa, ela diz que pede para ele não usar o capuz do agasalho porque algumas pessoas associam a vestimenta à criminalidade, principalmente quando se trata de uma pessoa negra.

"Meus pais eram refugiados mais velhos e não sabiam como as coisas funcionam aqui. Eles não foram capazes de me educar sobre o fato de que eu tinha que trabalhar muito, muito mais... As escolas não estavam me ensinando sobre o racismo estrutural ou contextual neste país”, disse Lourena, que agora é delegada do Congresso de Refugiados (em tradução livre), uma organização de advocacia sediada nos EUA, liderada por e para refugiados e outros migrantes vulneráveis. Ela espera estimular em seus próprios filhos o conhecimento que lhe faltava para crescer. "Consigo ajudá-los a entender quais problemas devem ser observados".

Linda Kana, 28, uma cidadã americana que mora em Lexington, Kentucky, lembra que foi bem recebida quando chegou aos EUA como refugiada da RDC. Recebia sorrisos de todos; o que ela achou encantador e novo. Mas ela viveu experiências de racismo que, segundo ela, foram mais sutis. Algumas pessoas perguntaram se os africanos tomavam banho. Uma paciente que ela cuidava em seu antigo emprego como assistente médica disse que seu cabelo podia ser usado para esfregar o chão. (Linda disse que usa os cabelos naturais nos EUA, depois de desistir do alisamento que usava quando era mais jovem, mas também para mostrar às pessoas que ela ama seus cabelos).

Linda, que também atua como representante no Congresso de Refugiados, disse que ver vídeos de policiais matando negros a fez sentir que ela não estava segura, mesmo depois que sua família fugiu da RDC. Ela agora participa das manifestações e espera tornar o país seguro para seus primos e sobrinhos.

"É muito angustiante ver que alguém que deveria proteger, mata alguém que se parece com você", disse Linda, que agora trabalha como tradutora para refugiados e tem um programa de rádio comunitário sobre música e cultura africanas. “Isso meio que trouxe à tona o sentimento de tragédia que vivi em casa. Passei 10 anos fugindo. Eu não estava segura. "

Alguns refugiados disseram que simpatizavam com o movimento antirracista e que queriam demonstrar apoio.

Heval Kelli, 37, é um ex-refugiado sírio que trabalha como cardiologista em Atlanta, Geórgia. Ele ajudou a organizar um protesto do Vidas Negras Importam © ACNUR / Tomesha Faxio

Heval Kelli, 37, é um ex-refugiado sírio que trabalha como cardiologista em Atlanta, Geórgia. Agora que foi naturalizado como estadunidense, ele organizou um protesto no subúrbio próximo de Clarkston. Kellil observou que o movimento dos direitos civis americanos impulsionaram mudanças legislativas que ajudaram mais refugiados e imigrantes a reconstruir suas vidas nos Estados Unidos.

"Meu povo enfrentou a opressão pela nossa identidade curda e acreditamos nas palavras de Martin Luther King: 'A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todos os lugares'", disse Kelli, que é formado na Morehouse School of Medicine, que originalmente fazia parte da Morehouse College, uma instituição historicamente negra em Atlanta, onde Martin Luther King estudou. "Eu sou contra a injustiça porque quero que meus filhos cresçam em paz e não sejam julgados com base em suas origens ou aparência".

Alguns refugiados disseram que encontrar seu lugar no movimento atual levou tempo. Amelie Fabian, 24, fugiu de Ruanda quando era criança e viveu com sua família durante anos como refugiada no Malawi, no sudeste da África. Ela chegou ao Canadá como estudante aos 18 anos, e foi lá que ouviu falar do movimento Vidas Negras Importam. Ela agora está estudando em Paris, onde se uniu aos protestos.

Amelie Fabian, 24 anos, fugiu de Ruanda e se tornou uma cidadã canadense. "Quando chegamos ao mundo ocidental, não somos mais africanos, somos negros" © ACNUR / Michelle Siu

"Minha primeira reação foi ignorar", disse ela. "E a maioria dos meus amigos estavam fazendo isso também. Eles diziam: 'Somos africanos, isso não nos interessa', mas a realidade é que nos interessa, porque quando chegamos ao mundo ocidental, não somos mais africanos, somos negros. ”

Em breve, Amelie planeja retornar ao Canadá para concluir seu mestrado em Políticas Públicas e Conflitos Globais. Seu objetivo é retornar ao Canadá e atuar em serviços e políticas que trabalhem para tornar o país mais seguro e mais justo para todos os que vivem lá.

“Inicialmente, eu só queria conseguir me educar, voltar para a África e tentar resolver os problemas do meu continente, que eu entendia como minha casa. Mas desde que me tornei canadense, finalmente sinto que tenho um lar e estou voltada a servir a comunidade do Canadá”, disse ela. “Tornar-se cidadão devolve sua dignidade humana. Sinto que, no final do dia, isso é o que a maioria dos refugiados está procurando", acrescentou.

Texto escrito com contribuições de Kristy Siegfried (Oxford, Reino Unido) e Gabriella Reis (Brasília, Brasil).


O ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, é uma organização global dedicada a salvar vidas, proteger direitos e construir um futuro melhor para os refugiados, comunidades deslocadas à força e pessoas apátridas.

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