Refugiados retornam ao Congo na medida em que ACNUR promove reconciliação
Refugiados retornam ao Congo na medida em que ACNUR promove reconciliação
DONGO, República Democrática do Congo, 19 de outubro (ACNUR) – Já faz quase dois anos agora, mas Elisabeth* ainda pode ouvir os gritos da mãe enquanto era estuprada por homens armados, em uma orgia de violência provocada pela disputa por reservatórios de peixes na província Equateur, no norte do Congo.
“Eles chegaram bem cedo pela manhã. Era uma quinta-feira. Nós sequer sabíamos que havia uma guerra,” disse Elisabeth, lembrando o ataque à pequena cidade de Dongo em 29 de outubro de 2009. “Eu estava no hospital. Me escondi atrás do mato e vi três homens estriparem uma mulher grávida.”
E ficou pior. Aterrorizada, ela correu para casa. “Homens armados estavam estuprando minha mãe na nossa casa. Depois de estuprá-la eles a mataram. Eu estava escondida em um buraco, mas ouvi seus gritos,” disse Elisabeth, ainda traumatizada. Ela fugiu atravessando o rio Oubangui e procurou abrigo na República do Congo.
Ela foi uma dos mais de 130 mil civis a fugir para países vizinhos, principalmente República do Congo. Outros 100 mil procuraram abrigo em outras partes da província de Equateur, a maioria dos quais já retornaram a seus vilarejos.
Apesar de sua apreensão, Elisabeth também escolheu ser repatriada para Dongo no início deste ano juntamente com seus quatro filhos. Apenas cerca de 2 mil outros refugiados congoleses cruzaram o Oubangui de volta para casa, mas muitos vêm verificar suas terras regulamente. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) tem ajudado esses repatriados e está promovendo a reconciliação entre as comundidades Enyele e Munzaya.
“A vida do outro lado era difícil. Tínhamos uma casa para alugar, mas não tínhamos dinheiro, nem emprego, nem nada para fazer. Voltei para Dongo assim que soube que a segurança havia sido reestabelecida,” explicou Elisabeth, que agora trabalha como assistente social para uma parceira de implementação local do ACNUR, AIDES, ajudando outros retornados a reconstruir suas vidas.
As notícias do progresso estão chegando aos refugiados na República do Congo e as pessoas estão voltando voluntariamente em um pequeno mas constante fluxo, diariamente. Casas precisam ser reconstruídas em Dongo – o ACNUR financiou a construção de um novo abrigo para Elisabeth – mas o mercado está funcionando e as pessoas encontram maneiras de se sustentar.
Elisabeth é otimista sobre a situação. “Eu digo aos meus irmãos, que vivem na República do Congo, que eles podem voltar. Não há guerra, todos podem voltar ao campo e as crianças podem frequentar a escola. Podemos até andar pelas ruas tarde da noite,” disse Elisabeth, com um sorriso.
“Eu visito pessoas que optaram voltar para casa, vejo quais são suas necessidades, me encontro com os doentes e os acompanho. Estou aqui para ajudá-los a reconstruir suas vidas. Aqui, todo mundo me conhece”, acrescentou, explicando seu trabalho.
O ACNUR ajuda os repatriados voluntários providenciando lonas plásticas, colchões, cobertores, utensílios de cozinha e mosquiteiros. O programa de moradia da agência para refugiados ajuda os mais vulneráveis a reconstruir suas casas.
Em parceria com outras agências, o ACNUR também coordena um programa para facilitar a reconciliação entre as comunidades rivais, o que levou à assinatura de um pacto de não agressão em março.
Como parte do programa de reconcilicação, uma rádio comunitária financiada pelo ACNUR foi ao ar no início do mês. A Rádio Racodo está sediada em Dongo, e também pode ser sintonizada por refugiados ao longo do Oubangui. Ela foi criada para facilitar o compartilhamento de informações e o diálogo entre as comunidades rivais.
Elisabeth gosta de ouvir a rádio. “Se há problemas nas cidades ou bairros, ficamos sabendo pelo rádio”, disse. “Acho que é uma boa maneira de consolidar a reconciliação”, afirmou, acrescentando que gosta particulamente dos programas de resolução de conflitos, direitos da mulher, saúde, higiene e prevenção de doenças.
Apesar de Elisabeth ter começado a reconstruir sua vida, as cicatrizes permanecem. “Eu não consigo esquecer os gritos da minha mãe. Eu os escuto em meus sonhos”, disse ao ACNUR, acrescentando: “Não posso esquecer, mas posso perdoar”.
*Nome alterado por motivos de proteção
Por Celine Schmitt em Dongo, República Democrática do Congo