'Se não conversarmos, não seremos ouvidos como pessoas LGBT'
'Se não conversarmos, não seremos ouvidos como pessoas LGBT'
A maior Parada do Orgulho LGBT do mundo, realizada em São Paulo no último domingo (02/06), contou com a presença de aproximadamente 3 milhões de pessoas, com uma participação inédita em sua 28ª edição: um jovem gay iraniano expressou o orgulho de sua liberdade no Brasil no carro de abertura da Parada.
“Olá, Brasil. Boa tarde, São Paulo. Eu me chamo Navid e sou gay iraniano. Sou refugiado no Brasil há quatro anos e moro no Brasil com muita liberdade. Há muitos países no mundo onde ser LGBTQUIA+ é crime. Temos que estarmos juntos para garantir nossos direitos, temos que falar por quem não pode se expressar. Obrigado ao ACNUR pelo apoio por estar aqui, eu amo o Brasil”, disse Navid com seu sotaque diferente, mas compressível. Tanto que foi muito aplaudido após sua fala.
Navid participou da Parada do Orgulho de SP ao lado de outras pessoas refugiadas e migrantes que vestiram uma camisa que trazia como lema “Direitos LGBTQIA+ são direitos humanos”. O convite à comunidade refugiada e migrante LGBT+ foi feito pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) em parceria com a International Financial Corporation (IFC), instituição que é parte do Banco Mundial e trabalha com o ACNUR em projetos voltados para a mobilização do setor privado para a empregabilidade de profissionais refugiados no mercado brasileiro.
Navid chegou ao Brasil em novembro de 2019, tendo deixado o Irã sozinho, buscando um país onde pudesse ser quem ele é, sem que isso represente uma ameaça para ele e aos seus familiares. As dificuldades iniciais com o idioma, com a nova cultura e para fazer amizades durante o período da pandemia o fizeram questionar se havia sido uma decisão correta, mas estava certo de que era um caminho sem volta.
“Viver onde ser uma pessoa homossexual é um crime não é para mim, assim como não pode ser aceito pela sociedade. A busca pela liberdade fez com que eu pudesse chegar aqui no Brasil e, aos poucos, as dúvidas que eu tinha foram superadas pela certeza de que onde estou hoje é o lugar certo para mim”, disse ao olhar pelo intenso movimento de pessoas que usavam camisas amarelas e adereços de muitas cores que compõem a Parada do Orgulho.
Como meio de fundamentar a garantia de seus direitos no Brasil, na semana anterior a Parada Navid foi retirar na Polícia Federal sua carteira de Registro Nacional Migratório, trazendo-lhe ainda mais certeza de que sua decisão de buscar proteção internacional no Brasil estava correta.
“Hoje eu posso dormir tranquilo em minha cama, sem o estresse da insegurança que eu sentia no início de minha chegada. Ao conquistar um documento que me garante permanecer no Brasil por um longo período, podendo acessar os serviços que o país me oferece e buscar meios de adquirir novos conhecimentos, meu futuro está garantido”.
Navid tem mestrado em gestão hoteleira e planejamento turístico, tendo se formado em Teerã, capital da República do Irã – cidade que considera cosmopolita como São Paulo, que tem muita coisa para fazer, mas sem a liberdade que vivencia na capital paulista. Passado o período crítico da pandemia de Covid-19, ele está empreendendo no Brasil como guia turístico e pretende ampliar seus negócios no segmento de turismo voltado para atender a população LGBTQIA+ de outras nacionalidades que almeja conhecer o Brasil.
“Atualmente eu trabalho como guia turístico de pessoas que chegam em São Paulo para conhecer este lado mais colorido da cidade e com isso, contribuo para que diferentes segmentos do comércio e de serviços gerem rendas com os gastos feitos. E a experiência que as pessoas têm ao visitarem o Brasil é incrível”, complementa, orgulhoso de seu trabalho.
O acolhimento e as garantias dos direitos que Navid conquistou no Brasil é fruto de um processo construtivo e inclusivo exercido pelo governo brasileiro, mais especificamente pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. De acordo com o Representante do ACNUR, Davide Torzilli, o Brasil tem se destacado globalmente na pauta do reconhecimento de pessoas LGBTQIA+ de diferentes nacionalidades.
“No ano passado, o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) aprovou a adoção de procedimento simplificado para análise de pedidos de refúgio de pessoas LGBTQIA+ provindas de países que aplicam pena de morte ou pena de prisão para essa população. Em março de 2023, o Conare reconheceu essas pessoas como grupo social com temor de perseguição e que merece a proteção do estado brasileiro, representando um ganho efetivo de direitos e proteção no país”, afirma o Representante.
Desde a aplicação do procedimento simplificado pelo Conare, há pouco mais de um ano, mais de 40 pessoas foram reconhecidas como refugiadas de sete diferentes nacionalidades em razão de violação dos direitos humanos associados à orientação sexual ou identidade de gênero que sofrem perseguições em seus países de origem. Assim como Navid, muitas delas requerem cuidados específicos em suas chegadas para que, uma vez integradas, possam contribuir para dinamizar as economias locais, trazendo mais receitas para o país e fortalecendo o comércio local.
Pessoas refugiadas LGBTQIA+ no Brasil também integram a plataforma Refugiados Empreendedores do ACNUR e ao serem empregadas no setor privado, têm muito a contribuir com inovação, fortalecimento de um ambiente mais inclusivo e por resultados efetivos de negócios engajados com pautas sociais e de inclusão.
“Todos nós precisamos entender que a conquista dos direitos das pessoas LGBTQIA+ não se limita aos ganhos para esse grupo, mas sim contribuímos para a sociedade. E uma sociedade inclusiva, aberta e respeitosa é o que faz um país ser o objetivo de vida de muitas pessoas que buscam ser livres e iguais”, conclui Navid ao refletir sobre onde quer viver.
O Brasil mostrou-se para ele como sendo uma realidade desta busca por direitos, pela igualdade.