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Sonhar, acreditar e seguir em frente

Comunicados à imprensa

Sonhar, acreditar e seguir em frente

Sonhar, acreditar e seguir em frenteQuando a Maria tinha apenas 6 anos, sua irmã mais velha, Isabel, desapareceu. “Você deve ter ouvido falar dos pandilleros”, ela afirma.
31 May 2017

Quando a Maria tinha apenas 6 anos, sua irmã mais velha, Isabel, desapareceu. “Você deve ter ouvido falar dos pandilleros”, ela afirma. “Temos certeza que eles estão relacionados com o desaparecimento da minha irmã”.

Maria e sua família, composta por um irmão e seis irmãs, vivem em San Salvador, capital de El Salvador, a cidade com maior número de homicídios femininos no mundo. Os grupos criminosos organizados – mais conhecidos como pandilleros, ou maras (gangues), tornaram esta parte da América Central um dos lugares mais violentos e perigosos do mundo. Mulheres com até 24 anos que vivem em áreas urbanas são as vítimas mais comuns, um perfil no qual Isabel e suas seis irmãs se encaixam.

Maria estala os dedos ao contar sobre o desaparecimento de Isabel. Já passaram oito anos. Maria tem 14 agora, mas ela fala como uma pessoa que cresceu rápido demais.

A mãe dela estava grávida de Melody, a irmã mais nova, quando Isabel sumiu. “A minha mãe estava tão triste pela Isabel que Melody nasceu prematura. Ela passou os seus primeiros dois meses de vida em uma incubadora. Ela tinha o tamanho de um pássaro e nós tínhamos medo que morresse. A minha mãe nunca desistiu de Isabel. Ela procurou por ela durante três anos, mas nós sabíamos que ela nunca voltaria”.

As meninas não eram as únicas que estavam em perigo. As gangues começaram a assediar o irmão de Maria, Michael, que tinha somente 13 anos. Eles queriam que ele se juntasse à gangue enquanto aterrorizavam a cidade por meio de extorsões, sequestros, assédio sexual e assassinatos. Ele se recusou, mas eles não aceitavam “não” como resposta. Tentaram espancá-lo até que aceitasse, mas ele resistiu. Quando ficou claro que o matariam, Michael fugiu para o México.

Porém, isso não facilitou as coisas para a Maria. “Na escola, comecei a ser alvo de bullying e dos pandilleros. Acho que é porque sempre fui um pouco estranha. Eu amava estudar e tinha uma paixão por anime, aquela animação japonesa desenhada à mão. No começo achava que estava fazendo algo de errado, mas logo me dei conta que qualquer desculpa era boa para atormentar uma menina na escola. Aquele lugar não era seguro”.

Maria teve que abandonar a escola na sexta série por causa das ameaças constantes que recebia das gangues. Ela não queria que acontecesse o que havia ocorrido com sua irmã, Isabel. Então ela ficou em casa, e ficou cada vez mais atrasada nos seus estudos. Ela desenhava, ajudava a cuidar das irmãs mais novas e sonhava com uma vida melhor, onde não tivesse que ter medo.

Mas o medo estava tornando-se insuportável. Os pais de Maria decidiram sair do país com os filhos. Assim como Michael, uma das filhas morava no México, e o plano era encontra-los. Eles tentaram juntar toda a família, mas duas das filhas não puderam acompanhar. Com os corações partidos, eles colocaram na mala todos os pertences que puderam. Para a Maria, o objeto mais importante era o seu caderno de desenhos e alguns lápis. Eles entraram em um ônibus e se despediram do país que amavam. A família, enclausurada, chegou em Tucumán, cidade fronteiriça mexicana, nas primeiras horas da manhã do dia seguinte.

Passaram a noite em um quarto apertado, com fome e exaustos. “Eu não dormi muito naquela noite”, conta Maria. “Minhas irmãs não puderam vir com a gente, e eu tinha medo que alguma coisa lhes acontecesse. Minha barriga roncava de fome, e o chão era duro demais para dormir. Meu corpo estava cansado, mas a minha cabeça estava acordada. Não sabia onde estava, mas acabei cochilando depois que minha mãe disse que tudo daria certo”.

No dia seguinte, fizeram uma solicitação de refúgio na Comissão Mexicana de Ajuda a Refugiados (COMAR). Foram informados que o ACNUR (Agência da ONU para Refugiados) os ajudaria, o que foi um alívio para a família – que estava assustada e exaurida.

Enquanto a solicitação está sendo analisada, Maria é atendida por um psicólogo apoiado pelo ACNUR para ajudá-la a lidar com tudo o que aconteceu, desde perder a irmã até viver no medo constante de ter que deixar tudo o que conhecia e amava para trás, em El Salvador. Ela também está tendo aulas de reposição para que ela possa voltar para a escola.

Maria passa boa parte do tempo no Centro de Crianças Migrantes e Refugiadas, um lugar apoiado pelo ACNUR, onde está segura, recebe refeições, tem aulas e pode brincar com outras crianças que estão em situações parecidas e que querem, simplesmente, poder voltar a ser crianças.

Ela tem grandes planos para futuro, apesar de se preocupar com o ensino médio por ter sido forçada a abandonar a sexta série. Apesar disso, se sente segura, olha para frente com a confiança, pega seu caderno e sorri.

“Sabe quais são os três passos para um bom desenho? É simples, qualquer um pode aprender. Você precisa de três coisas: um pincel, uma caneta de feltro e uma caneta normal. Você escolhe um sujeito e usa o pincel primeiro, depois você colore e no final você usa a caneta normal para os detalhes. Infelizmente, não tenho minhas próprias cores aqui, mas eu posso te mostrar esse esboço”.

O pincel da Maria dança pela página enquanto desenha o Squirrtel, um personagem do jogo Pokémon. Depois ela começa a escrever sua lista de desejos para o futuro. O seu primeiro objetivo é acabar o ensino médio e em seguida estudar design gráfico. Depois disso, irá para a universidade e se tornará arquiteta. Por fim, adoraria mudar-se para o Japão, onde planeja ter um aquário e colecionar caranguejos azuis.

Maria guarda o esboço e sua lista de volta na bolsa. Por enquanto, ela precisa se concentrar na escola e ser paciente enquanto espera que sua solicitação seja aprovada. Depois disso, sua vida irá realmente começar.

* Todos os nomes foram alterados por motivos de proteção.